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Gender Hurts (Gênero Machuca) – Sheila Jeffreys – Capítulo I

Capítulo 1

A construção da transgêneridade

Este livro busca provar que a transgeneneridade trata-se de uma construção social de meados até o final do século XX. O conceito “transgênero” foi, como colocou o antropólogo David Valentin, ‘instituido’ nos anos 90. Desde então, uma nova história da transgeneridade tem sido criada para legitimar as ideias e práticas de ativistas transgêneros. Essa nova história alega que sempre houve pessoas que eram ‘transgêneras’ por essência durante todos os períodos históricos (Prosser, 1998 ; Stryker, 2008). Pessoas transgêneras, dizem os ativistas, foram reconhecidas no século XX através do desenvolvimento das especialidades médicas, o que possibilitou a “saída do armario” da transgeneridade e a consciência da necessidade de troca de sexo. Esse capítulo contesta essa versão da história, uma história que só faz sentido se percebemos a transgeneridade baseada como uma qualidade da “essência”, a qual alguns sexológos chamam de “essência feminina” (Dreger, 2008). Se essa premissa for rejeitada, é necessário explicar como o fenômeno da transgeneridade aconteceu, e esse capítulo se lançará a essa tarefa. Eu vou argumentar que longe de ser uma constante histórica que atravessa todas as culturas, transgeneridade é uma invenção muito recente. Esse capítulo focará em homens transgêneros porque as ideias e praticas da transgeneridade foram inventadas por homens. Embora mulheres formassem uma pequena minoria dos que buscam a transgeneridade antes dos anos 90, os números vem aumentanto desde então, e essas mulheres tem se submetido a uma série de ideias construidas por cientistas homens e pelos homens que até então reclamavam o direito ao alinhamento sexual (Jeffreys, 2003). As diferenças entre o comportamento de homens e mulheres trangêneros serão detalhadamente examinadas em um capítulo posterior.

Origem do termo ‘transgênero’
O termo transexual foi cunhado nos anos 50 para descrever aquelas pessoas que desejavam a troca de sexo, e foi popularizado pelo endocrinologista Harry Benjamin em seu livro “O Fenômeno Transexual” (1966). O termo transgênero foi cunhado por um homem – que, segundo suas palavras, é um heterossexual – cross-dresser chamado Virginia Prince, que sought paa distinguir a si mesmo daqueles que se identificavam como transexuais, e para criar uma máscara mais aceitável a uma prática entendida anteriormente como ‘parafilia’ – uma forma de fetichismo sexual (Prince, 2005). A adoção de Prince do termo “transgênero” foi parte do que chamarei aqui de “mudança de gênero”, o qual tanto a prática “cross-dress” quanto o transexualismo tornaram-se expressões de um gênero interno ou parte de uma “essência”, em vez de hobbies servidos ao prazer sexual. O termo “transgênero” foi normalizado através das politicas queer dos anos 90, quando foi adotado para englobar a todos que eram vistos como praticantes de um comportamento mais atribuido ao sexo oposto, desde lésbicas “butch” a “cross-dressers”, gays e homens que se prostituiam. Atualmente, o termo “transgênero” é comumente usado para se referir a aqueles um dia denominados “transexuais”, uma palavra já não mais tão utilizada. Esse capítulo procurará explicar o porquê essa mudança de terminologia tão significativa ocorreu. O termo transgênero é usado nesse livro no sentido mais utilizado atualmente: para se referir a aqueles que consideram que sua “identidade de gênero” difere do que nas sociedades patriarcais é associado ao seu sexo biológico.

A construção do homossexual
A ideia de que trangeneridade é socialmente construida é controversa. Na ideologia transgênera, pessoas que são transgeneras possuim uma “essência” – que se consiste em roupas e hábitos – do “gênero” mais associado ao sexo oposto. Essa essência é entendida como o resultado tanto de um acidente biológico, ou como produto de algum outro processo misterioso e não identificável, ainda que esse o seja “natural”. Em seu livro “Segunda Peles”, Jay Prosser rejeita a visão construtivista, alegando que pessoas transgêneras existem prioritariamente além de fatores construidos que eu exemplificarei aqui (Prosser, 1998). Acusações de “transfobia” e “transmisoginia” são regularmente direcionadas a qualquer um que questione o discurso essencialista que os ativistas transgêneros pregam. Mas, intrigantemente, acusações parecidas de “homofobia” não foram, e não são, direcionadas a historiadores e pesquisadores tanto gays quanto lésbicas que afirmam que o termo “homossexual” é uma construção histórica. A ideia de que o homossexual não é alguém intrisicamente destinado a se sentir sexualmete atraido ao seu próprio sexo é controversa em diversas partes da comunidade gay, mas não led to such vitriol and invective. A invenção do homossexual é útil em demonstrar como o “transgênero” veio a existir, pois a ideia de que existe uma entidade chamada “pessoa transgênera” segue o roteiro do conceito de “homossexual”, criado por sexologos homens, ou cientistas do sexo homens, no século IX.
A construção da transgeneridade do final do século XX, assemelha-se, em importantes aspectos, a construção do homossexual. Os anos 60 e 70 foram os dias de glória do construtivismo social nas ciências humanas. Teóricos e pesquisadores gays e lésbicas, educados de acordo com os valores da época, afirmavam que a ideia do homossexual, como um tipo particular de pessoa que estava destinada por uma anormalidade congênita a ser exclusivamente atraida por outras do mesmo sexo, era, na verdade, uma construção social (Mackintosh, 1968; Weeks, 1977). A visão construtivista social também era criticada dentro da academia. Havia alguns que afirmavam que a construção da homossexualidade fora criada tanto por fatores biológicos quanto culturais (Dynes, 1922). Até mesmo alguns construtivistas reconheciam que indivíduos homossexuais não experimentalizavam suas identidades como socialmente construidas, então deve existir algum reconhecimento na teoria do construtivismo social of the cogency da experiência pessoal (Epsten, 1992). Mas para a maioria das lésbicas e gays membros da academia era entendido que a história, a cultura e a politica que construiram o homossexual.
Há discordâncias a respeito de quando essa construção aconteceu: no final do século 17, quando homens homossexuais reuniram-se em casas Molly (?) e clubes de Londres, como afirma Mary Mackintosh; ou no século 19, como afirma Michel Foucault (1978). No entanto, é bem claro que foi no século 19 que instituições sociais de importância se envolveram na construção de homossexuais enquanto uma categoria separada de pessoas. O homossexual foi construido, nesse entendimento, de duas principais fontes: a lei e medicina. Conforme irei argumentar aqui, elas foram fundamentais também na construção da transgeneridade. Acadêmicos gays e lésbicas explicam que na primeira parte do século IX comportamentos sexuais ainda eram regulamentados por tribunais da igreja (Weeks, 1977). Não havia um conceito do “homossexual”, mas sim práticas sexuais vistas como inaceitáveis, principalmente, nesse caso, a sodomia. Enquanto tribunais da igreja entravam em discordância, a lei criminal assumiu-se como regulamentadora das práticas sexuais corretas. Assim, no final do século IX na Inglaterra, A Emenda à Lei Criminal de 1885 foi promulgado, criminalizando especificamente o comportamento homossexual masculino. A partir dessa legislação, Oscar Wilde foi processado na década de 1890, e seu julgamento foi amplamente divulgado. Esses fatores constribuiram para cristalizar a ideia do “homossexual”. No mesmo período, a ciência do sexo baseou-se na religião para cunhar as regras do que era aceitável ou não no comportamento sexual.
A primeira articulaçao sociológica sobre a ideia que a homossexualidade não era uma “condição”, mas uma “papel social” foi feita pela sociológa lésbica Mary Mackintosh em seu artigo divisor de águas: “O Papel Homossexual” ( 1968). Ela aplicou conhecimentos from labellng theory a homosexualidade, e argumentou que conceitualizar o homossexual como uma pessoa que sofra com uma condição, operava como uma forma de controle social que permitia um “claro corte, publicitado e reconhecido como o limite entre o que é permissivel e o que não é no comportamento do ser humano” (Mackintosh, 1968:183). Mackintosh explica em relação a homossexualidade “a criação de um papel homossexual especifico, desprezado e castigado mantém a maior parte da sociedade pura (Mackintosh, 1968: 84). Ela diz que psicologos e psiquiatras participam da processo de trabalho em relação a homossexualidade, portando, dos “mecanismos de controle social”. Essa forma de perceber a homossexualidade é útil também para entender a transgenidade. A criação do papel transgênero pode ser visto como uma forma de separar um comportamento de gênero inaceitável – o qual pode ameaçar o sistema de dominação masculina e subordinação feminina – do comportamento de gênero correto, o qual é visto como ajustado para as pessoas de determinado sexo biológico. No caso da homossexualidade, o efeito é reforçar a ideia de uma heterossexualidade natural e exclusiva; no caso da trangeneridade, a naturalidade de papéis sexuais.
Mackintosh aponta outro aspecto do papel do homossexual que é relevante para o papel do “trangênero”: os próprios homossexuais são receptivos e apoiam a noção que a homossexualidade é uma condição” (Mackintosh, 1968: 184) Isto se dá porque tal noção remove a possibilidade de “voltar a normalidade” e “remove o elemento de uma escolha ansiosa”. Desta forma o homossexual, e talvez o indivíduo transgênero atual, podem ver suas ações como legítimas, e podem continuar a se comportar como tal sem “rejeitar as normas da sociedade”. Michel Foucault produziu sua própria versão de análise do construtivismo social em “A História da Sexualidade: volume 1”, afirmando que, no século IX, o homossexual “tornou-se um personagem, um passado, uma história, e uma infância, além de um estilo de vida, uma forma de vida e uma morfologia” (Foucault, 1978:43). Quando essa obra foi traduzida para o Inglês em 1978, suas ideias criaram uma nova onda de construtivismo social, história e produção acadêmica gay.
Não houve explosões vindas de gays ou lésbicas dos anos 60 e 70 clamando que construtivismo social a respeito da homossexualidade era “homofóbica”, mas argumentos similares sobre trangêneridade atualmente são rebatidos como “transfóbicos”. Em diversas ciências sociais eles foram bem aceitos, e a análise de Mackintosh é agora considera uma clássica no campo (ver Steinm 1992). No entanto, em relação a trangêneridade das úlimas duas décadas, tempo no qual a construção dessa prática atingiu seus ápices – a não ser por exceções notáveis (Gottschalk, 2003; Hausman, 1995; Jeffreys, 2006, 2008) – não houve tal análise construtivista. Esse fato, por si só, apresenta um enigma.

Semelhanças entre a construção da homossexualidade e a construção da transgeneridade
Uma razão importanto do porquê a construção social da homossexualidade é didática para entender esse processo em relação a trasgeneridade é que os sexológos envolvidos na criação da ideia do “homossexual” como um tipo particular de pessoa
durante o fim do século IX e começo do século XX não distinguiam claramente a homossexualidade do que mais tarde seria considerado como travestismo (?), transexualidade ou transgeneridade. Uma semelhança a priori da construção sexológica entre o homossexual do século IX e a pessoa trangênera de hoje em dia é que ambos são entendidos como biologicamente determinados a agir da forma que agem.
A obra “Inversão Sexual” (1927, publicada em 1897) de Henry Havelock Ellis é um bom exemplo. Ellis, cujo trabalho incluia considerações detalhadas dos trabalhos e conclusões de muitos psicanalistas que o precederam, disse que a homossexualidade, o a inversão sexual era uma “anormalidade congênita”'(Ellis, 1927: 318). Ele considerou essa anormalidade como resultado de uma “organicidade bissexual latente” de cada sexo (Elllis, 1927: 370). Ellis inclui nessa análise homens “cross-dresses”, que ele denominou Eonismo, em referência a Chevalier D’Eon. Em sua opinião, Eonismo, ou travestismo, eram diferentes da homossexualidade, porém estavam abaixo do mesmo guarda-chuva e criados pela mesma biologia. A invenção do termo “travesti” para descrever uma prática diferente da homossexualidade é atribuida ao sexologo Magnus Hirschfels, em uma publicação de 1910 (Blanchard, 2005).
Outra semelhança significativa é que tanto o homossexual do discurso sexologico quanto a pessoa “transgênera” de hoje em dia são vistos como biologicamente destinados a adotar um comportamento culturalmente associado, em um momento particular da história, ao sexo oposto. A “pessoa inversa”, explica Ellis, possui “sutis aproximações ao sexo oposto… tanto físicas quanto psiquicas” (Ellis, 1927:310). Outra semelhança é que há pouca evidência para comprovar a crença no determinismo biológico em ambos os casos. Sem nenhuma evidência cientifica para apoiar essa crença, Ellis simplesmente afirmou a existência de “germes” femininos e masculinos: “no momento da concepção o organismo possui 50% de germes masculinos e 50% de germes femininos, e na medida que o organismo se desenvolve, ou o os germes femininos ou masculinos prevalecem, até que no desenvolvimento maduro do indivíduo restam apenas alguns germes do sexo oposto” (Ellis, 1927: 311). No homossexual, ponderou, algo acontece de errado no processo: “causado por alguma pecuaridade no número ou caráter dos germes masculinos ou femininos originais” o que resulta em “ser uma pessoa mais ajustada à práticas inversas que ao impulso sexual normal” (Ellis, 1927: 310). Esta pessoa pode não demonstrar nenhum sinal de inversão, mas a anormalidade congênita é bem evidente em seu comportamento. Tal comportamento inclui, segundo Ellis, ser canhoto, falar afeminadamente, caligrafia feminina ou, nas mulheres, caligrafia masculina. Muitos dos casos masculinos demonstravam a inabilidade de assobiar, ou, em casos femininos, a habilidade de “assobiar admiravelmente” (Ellis, 1927: 291). Ellis argumenta que “mulheres invertidas” também demonstravam um comportameto mais comumente associado ao sexo oposto, elas “frequentemente, mas não sempre, transmitem uma imagem de masculinada” (Ellis, 1927: 251).
Historicamente, aqueles que amavam ou se relacionavam sexualmente com pessoas do mesmo sexo tinham grande probabilidade de praticar “cross-dressing” ou comportamento “cross-gendered”, camp (?), drag e efeminação em relação aos homens homossexuais, e “butchness” e masculinidade para lésbicas.
Mary Mackintosh cita uma descrição de 1729 sobre a forma que homens homossexuais se comportavam em casas Molly onde “membros do clube adotam todas as pequenas futilidades naturais ao sexo feminino, tanto que eles tentam falar, andar, conversar, gritar e repreender como fazem as mulheres, imitando-as também em outros aspectos” (citado por Mackintosh, 1968: 188). Expressar o comportamento visto como “pertencente” ao outro sexo era uma forma comum, senão majoritaria, de como a homossexualidade era praticada. Por isso, historiadores gays e lésbicas tem incluido esse comportamento na história gay. Como coloca John D’Emilio em sua história de 1983 sobre “comunidades sexuais” nos Estados Unidos de 1940-1970: “Durante as primeiras duas décadas do século XX, homossexuais masculinos travestidos and their ordinary-looking comrades made their liaisons in saloons and clubs scattered through the least respectable parts of town’ (D’emilio, 1998, primero publicado em 1983: 12). Seu livro foi publicado antes que ativistas transgêneros e acadêmicos fizeram uma land grab (?) para que homens gays efeminados e lésbicas “butch” fossem incluidas na história dos transgêneros em oposição a história “gay”. D’Emilio também caracterizou drag balls (?) como parte da história gay, embora atualmente elas sejam vistas como expressão transgênera (D’Emilio, 1998: 12). Nos trabalhos de ativistas trangêneros e teóricos de hoje, aqueles que mantinham relações com pessoas do mesmo sexo em períodos históricos anteriores, e que praticavam “cross-dress”, são separados da categoria homossexual e colocados na categoria “transgênera”. Jay Prosser, por exemplo, identifica a personagem Stephen, da novela The Well of Loneliness, como um arquétipo do transgênero (Prosser, 1998), embora ela tenha sido caracterizada enquanto lésbica por historiadoras lésbicas (Doan, 2001; Newton, 1984). Um caso recente de uma pessoa “transequestrada” por Prosser e outros ativistas transgêneros é Brandon Teena, uma jovem mulher que as vezes se vestia de homem e que foi assassinada em 1993. Prosser diz que foi errado que a mídia a identificasse como mulher ou lésbica, e compartilha da indignação do grupo transativista “Transsexual Menace”, que foi formado como reação a essa constante “queerização” da experiência transgênera. O antropólogo David Valentine, por outro lado, diz que “ a inclusão não questionada de pessoas como… Brando Teena na descompassada categoria “transgênera” produz uma colonização representativa sobre essas vidas” (Valentine, 2007: 229). Carolyn Gage, uma feminista americana lésbica escritora de peças, dissertou eloquentemente a respeito de sua preocupação ao “transequestro” de Brandon (Gage, 2010). Ela explica que há informações cruciais que faltam no filme “Meninos não Choram” – feito sobre Brandon – e nos escritos de ativistas trangeneros que a idolatram. Essas informações incluem o abuso que sofreu por anos na infância por um parente homem. Gage demonstra similaridades entre os problemas mentais e físicos de Brandon, distúrbios alimentares e sua identificação com o abusador homem, com as expeciências de outras meninas, abusadas sexualmente de formas parecidas. Isso a faz muito mais uma jovem sobrevivente de abuso, diz a autora, do que um homem.
Argumentarei aqui que a categoria “transgênero” foi criada por forças do poder masculino, i.e que foi criada não apenas socialmente, mas também politicamente. David Valentine diz que o objetivo de sua pesquisa sobre o desenvolvimento do transgeneridade era investigar o “cenário de relações de poder por onde” novas categorizações são criadas e pessoas forçadas a adaptar-se ao “processo politico social, cultural e economico que permeiam tais relações; e que efeito tais caracteristicas possuem” (Valentine, 2007: 243). Procurarei identificar que forças do poder masculino que durante meados do século XX construiram a transgêneridade como uma categoria separada da homossexualidade.

A medicina cria a transgêneridade
Trangeneridade, entendida como a possibilidade de mudar fisicamente de sexo, apenas tornou-se possível com os avanços da medicina do século XX. Em seu trabalho construtivista sobre a evolução da transgeneridade, Bernice Hausman explica que essa associação não foi bem entendida.

As ligações entre tecnologia médica, prática médica e o advento da “mudança de sexo” tem sido ignorada por grande parte dos acadêmicos que estudam o assunto, estes mais comumente entendem a transsexualidade como o desejo de alguns seres humanos de serem o outro sexo. (Hausman, 1995 : 2)

A endocronologia foi o campo médico que atuou no papel mais significativo, e os dois maiores influentes doutores que advogaram por mudanças de sexo durante meados do século foram os endocronologistas Harry Benjamin e Christian Hamburger. Bernice Hausman argumenta que foi a “disseminação pública do conhecimento científico sobre o sistema endocrinológico humano” que possibilitou que “certos indivíduos humanos” que “se entendem como membros do ‘outro’ sexo” (Hausman 1995: 26). A endocrinologia, explica ela, “providenciou uma medicina com as ferramentas para reforçar diformismo sexual – não apenas para examiná-la e descrevê-lo” (Hausman, 1995: 38). Os endocrinologistas desenvolveram especialização com hormônios, que originalmente, nas primeiras décadas do século XX, eram introduzidos nos corpos dos homens que queriam aumentar sua virilidade pela inserção de testículos de cabra. Posteriormente, hormonios artificiais que imitavam hormonios naturais produzidos pelo corpo humano provaram ser mais eficazes. Esses hormonios eram utilizados em pacientes intersexuais os quais os sexologos consideravam que deviam se assemelhar a categoria sexual que os médicos o designaram no nascimento. Então passaram a ser usados em pacientes que queriam trocar de sexo. Outra especialidade médica era necessária para esse estágio particular do desenvolvimento que possibilitava que a cirurgia plástica fosse realizada – esta era a anestesia (Stryker, 2008). A terceira especialidade médica que possibilitava a transgeneridade era a própria cirurgia plástica.
O desenvolvimento dessas especialidades médicas foram tão importantes para a construção da transgeneridade que a historiadora da sexualidade, Vern Bullough, comenta que uma vez ele “apresentou um trabalho”, em 1973, sugerindo que a transsexualidade talvez seja “iatrogênico”, um problema de saúde criado pela própria medicina. Existe, ele diz, “simplesmente porque cirurgiões podem realizar trocas de sexos não possíveis antes” (Bullough, 2006 : 4). Hausman explica que quando houve conhecimento público sobre os avanços médicos e capacidades tecnológicas, indivíduos puderam então denominar eles mesmos enquanto “seres apropriados à intervenções médicas particulares, portanto, participar da construção de si próprios enquanto pacientes” (Hausman, 1995 : 23). Esses desenvolvimentos médicos possibilitaram a construção da ideia de “identidade de gênero”

Os reivindicadors
Seria errado, Hausman argumenta, perceber os pacientes que buscam a troca de sexo como vitimas passivas dos tratamentos; os “objetos transsexuais” tiveram um importante papel na construção da transgeneridade por “reivindicar” cirurgia e drogas que eles consideravam que ajudaria em suas aspirações (Hausman, 1995). Ela diz que é “importante contar a agência dos objetos transsexuais, pois eles forçaram o serviço médico a responder suas demandas” (Hausman, 1995 : 110). Hausman vê a aliança entre doutores e transgêneros como o elemento definitivo na construção da transgêneridade. Em 1980 aconteceu a inclusão no Manual de Estatistica Diagnóstica a “desordem de identidade de gênero”, o que permitiu um tratameto (ibid.). Tal incusão reconhecia seus desejos como uma forma de doença mental causada por possuir um “gênero” anomalo, mas essencial. A identidade dos transgêneros, no entanto, dependia da profissão médica, e foram suas demandas por cirurgias que os distingue de outras categorias de desvio sexual que sexologos eram responsáveis por diagnosticar e regularizar, tal como a homossexualidade. Enquanto a homossexualidade é simplesmente uma forma de comportamento que qualquer um pode adotar, a trangeneridade representa uma peregrinação em direção ao um objetivo que somente pode ser alcançado através de médicos, pois trangêneros “precisavam de serviços professionais para atingir seus objetivos” (ibid.). Como aponta a historiadora de sexualidade, Vern Bullough, durante os anos 60 e 70, esses desenvolvimentos médicos “forçaram a medicina e os transsexuais a terem uma aliança mais próxima na mesma época que ‘gays, lésbicas, bissexuais, travestis e mais tarde até mesmo indivíduos interssexuais procuravam afastar-se de controle médico (Bullough, 2006 : 4).
Aqueles que reivindicavam as cirurgias eram majoritariamente homens, embora houvesse sempre um punhado de mulheres entre aqueles que reivindicavam a troca sexual. Inclusive Reed Erikson, uma americana rica que pôde, através da Fundação Erikson, financiar e influenciar uma pesquisa sexológica a respeito da transgeneridade (Meyerowitz, 2002). Antes da mais recene expansão dessa categoria, sexológos estimavam que para cada mulher em busca da cirurgia havia três homens. A proporção continua parecida, os candidatos para Certificado de Reconhecimento de Gênero do Reino Unido seguem exatamente essa proporção (Ministério da Justiça, 2012). Os reivindicadores masculinos caem em duas categorias: homossexuais que sentiam-se incapazes de amar homens em um corpo masculino; e homens extremamente heterossexuais, que transicionavam como um climax de seu interesse em “cross-dress” (Blanchard, 2005).
Uma onda de publicidade que despertou a atenção de homens a respeito dessa possibilidade foi a troca de sexo de Christine Jorgensen, que cai na primeira categoria de transgêneros. A historiadora de trangeneridade, Joanne Meyerowitz, atesta que “Nos anos 50 Jorgensen fez a troca de sexo ser um termo doméstico” (Meyerowitz, 2002 : 51). O caso de Jorgensen gerou um enorme interesse da mídia nos Estados Unidos. Em sua obra “História Transgênera” a ativista Susan Strykerdiz que “a fama de Jorgensen foi um grande evento na históra transgênera” (Stryker, 2008: 49). Jorgensen era homossexual, e disse em suas memórias que suas “emoções eram ou as emoções de uma mulher ou de um homossexual” (Meyerowitz, 2008 : 54). Ele preferia considerar-se uma mulher, talvez, por que ele considerava a homossexualidade imoral: “foi uma coisa profundamente aliada a minhas escolhas religiosas” (citado por Meyerowitz, 2008: 57). Em uma carta a seu psiquiatra em 1950/1951, Jorgensen descreveu a si mesmo como um “homossexual” com uma “grande carga de feminilidade” (citado por Meyewowitz, 2008: 59). Dentro de poucos anos tanto Jorgensen quanto seus médicos reforçariam a diferença entre sua condição a condição homossexual, e enfatizar que seu problema era “glandular” (Meyerowitz, 2008: 61). Mas mais cedo em sua carreira, o conceito de transgêneridade não havia sido construido para Jorgensen se identificar. Meyerowitz explica que foi o endocronologista de Jorgensen que lhe disse que ele não era homossexual, mas que possuia uma condição chamada de “travestismo”, o qual estava “profundamente enraizadas nas células de seu corpo” (Meyerowitz, 2008 : 66)

A oposição dos psiquiatras a cirurgia transsexual
A ideia de transsexualidade como uma condição que requer um tratamento através de hormonios e cirurgia não foi bem aceita nesse primeiros anos. De fato, como Bullough coloca, nos anos 50 quando Christine Jorgensen foi a público com sua experiência, uma “briga de territórios” estourou entre os médicos a respeito do tratamento correto para homens como ele. A “briga de territórios” aconteceu entre aqueles que estudavam a mente – e consideravam que a fantasia de ser mulher deveria ser tratada por psiquiatras, e que a cirurgia era uma “mutilação”; e endocrinologistas e cirurgiões – que consideravam que o melhor tratamento era físico, alterando o corpo (Bullough, 2006: 7). Em um jornal de 1968, o psiquiatra Donal Hayes Russel manifestou sua oposição ao que ele denominava “conversão sexual”. Ele refere-se a “transsexualidade” como a “mais recente anormalidade nomeada”, dizendo que “tradicionalmente, homossexuais e travestis são conhecidos por suas tendências a agir como o sexo oposto. Diferindo dessas condições existe uma anormalidade nomeada relativamente recente – essa ‘transsexualidade’” (Russel, 1968: 355). Ele entrou na controvérsia dizendo que essa condição “é geralmente considerada de natureza psiquiatrica, tendo suas raízes nos primeiros estágios emocionais do desenvolvimento humano” mas que “alguns observadores”, erroneamente, “alimentam uma noção de uma espécie de mística constitucional” (ibid.).
Atualmente a teoria da “essência feminina” é muito mais disseminada. Mas nos anos 60 ainda não tinha tanta força, e Russel considerava que aqueles que buscavam a troca de sexo eram lunáticos, pois o transsexual esperava “realmente ser transformado – através da ciência médica – em uma coisa que ele não é” (ibid.). Russel explica que existem questões éticas extremamente sérias no que envolve realizar uma cirurgia nessas pessoas, pois

“médicos geralmente consideram anti-ético destruir ou alterar o tecido exceto no caso da presença de uma doença ou deformidade. A interferência nas funções procriativas naturais de uma pessoa definitivamente envolve questões morais, pelas quais não somente médicos mas também a população em geral são influenciados” (Russel, 1986: 356)

Ele identifica a cirugia transsexual como “prejudicial” e diz que “a administração de um prejuizo fisico como tratamento para problemas mentais ou comportamentais – como castigos corporais, lobotomia para psicóticos não-controláveis e esterilização de criminosos – é uma abominação na nossa sociedade” (ibid.). Além disso, ele considera, médicos deveriam ser cuidadosos, pois eles poderiam ser processados por má prática. Pouco sabia ele naquela época que esses escrupulos seriam tão distorcidos nas próximas décadas. Breve, a explicação das causas e tratamentos apropriados para a transgêneridade seriam efetivamente dominadas pelos próprios pacientes para encaixar-se aos seus interesses, e as criticas a respeito desse esquema seriam consideradas como um discurso de ódio inaceitável.
Paul McHugh, outro psiquiatra opositor do realinhamento de sexo, foi o responsável por dar um fim à cirurgias de troca de sexo realizadas na Universidade Johns Hopkins, em 1979. Ele explicou suas razões em seu artigo publicado em 1992, titulado “Desaventuras Psiquiátricas”, uma dessas sendo a aceitação de que aqueles com problemas de “gênero” deveriam passar por tratamentos cirúrgicos e hormonais (McHugh, 1992). Ele diz que viu homens que sentam estar em um “corpo errado”, “não raramente”. Ele recomendava a seus pacientes que manifestavam que esse sentimento estiveram presentes durante toda a vida que falassem com aqueles que os conheciam quando crianças, pois essa afirmação talvez não esteja correta. Outro problema era, ele pontua, que o “sentir-se como mulher” era frequentemente baseado em simples esteriótipos de sexo, “uma coisa que mulheres físicas imediatamente notam é um homem caricaturado do que seriam as atitudes e interesses de uma mulher” (McHugh, 1992: 502). Ele expressou sua frustração comparando a recomendação de cirurgia para transgêneros com intervenções como lipoaspiração para aqueles que sofriam da alucinação de estarem obesos. “Nós não fazemos lipoaspiração em anoréxicos. Por que amputar os membros genitais desses pobres homens?” (McHugh, 1992 : 503). Ele também compara com a lobotomia, “a terapia mais radical já encorajada por psiquiatras do século XX” e diz que nenhum desses tratamentos são resultados de “pensamentos criticos ou avaliações atenciosas” (ibid.). Ele reintera sua oposição em 2004 dizendo, “Eu venho testemunhando grandes danos vindo desses realinhamentos sexuais… Nós temos desperdiçado recursos técnicos e científicos e prejudicado nossa credibilidade ao colaborar com a loucura, enquanto deveríamos estar estudando-a, curando-a e, principalmente, prevenindo-a” (McHugh, 2004: 38). Esse tipo de oposição sincera raramente tem sido manifestada durante o século XXI, quando transgeneridade tornou-se, como McHugh descreve, “na moda” (McHugh, 1992).

A transgeneridade e o “cross-dress”
Fora homossexuais infelizes como Christine Jorgensen, outra grande parte dos reivindicadores deriva de homens, ostensivamente heterossexuais, “cross-dressers”. Embora o “cross-dressing” seja uma prática bastante comum em homens heterossexuais, a maioria não busca a mudança de sexo mas travestem-se em casa, ocasionalmente se aventuram em público “vestidas”; ou em alguns casos, buscam viver o tempo todo enquanto mulher mas evitam cirurgia ou hormônios (Woodhouse, 1989). Mas é, no entanto, deste continente de homens que o termo “transgênero” surgiu, e embora exista muito “barulho” a respeito da ligação entre “cross-dressers” e aqueles que buscam transicionar, a diferença não parece nem clara, nem fixa. A historiadora da sexualidade, Vern Bullough, como muitos outros pesquisadores da transgeneridade, considera que existe pouca diferença entre “cross-dressing” e transsexualidade; alguns “cross-dressers” simplesmente vão mais além do que outros e escolhem viver permanentemente como uma mulher, ou decidem fazer uma cirurgia (Bullough, 2006). Um movimento social de “cross-dressers” masculinos durante os anos 60 e 70, deu um novo passo na construção da transgeneridade. O movimento era liderado por Virginia Prince, a quem é atribuido o primeiro uso do termo “transgênero”. Em 1960 Prince criou o jornal “Transvetia”, para homens interessados em “cross-dress” como mulher. Vern L. Bullough diz que o termo foi primeiramente utlilizado por Virginia Prince para descrever aqueles que, como ela, decidiram trocar de “gênero”, não de “sexo” (Bullough, 2006).
O número de homens cross-dressers que se interessaram em buscar a troca de sexo é bastante considerável. Em um artigo que demonstra as conexões entre “cross-dress” e transgeneridade, a psicóloga transgênera Anne Lawrence parte de uma pesquisa para indicar a onipresença de interesses de “cross-dressing” em homens. Esta mostra que 2,8% dos homens admitiram ter experimentado excitação sexual em relação ao “cross-dress” (Lawrence, 2007: 507). Outros estudos, ele diz, chegam a um número de 2 a 3%. O interesse público de homens heterossexuais em “cross-dressing” em peças de roupas associadas a mulheres tem um longo histórico. “Cross-dressing” é entendido por sexologos como um interesse sexual de homens heterossexuais e estes concordam que não existe uma prática análoga para mulheres, heterossexuais ou lésbicas, pois mulheres não são usualmente atingidas por parafilias estranhas (Bailey, 2007). “Cross-dressing” é praticado por grupos de homens por diversão, tanto quanto são praticados secretamente em casa. Marjorie Garber, examinando o cross-dress nos Estados Unidos, aponta que esta tem sido mais frequentemente praticada por homens privilegiados e de classe mais alta em colégios e universidades, o que dá uma indicação de sua respeitalidade. Ela explica que vestir-se como uma mulher, mesmo chegando a usar proteses para imitar partes do corpo feminino, acontece em todos bastião da classe alta americana, tais como o clube Taverna em Boston e o Clube Bohêmio em São Francisco, onde, ela explica “longe de serem um rompimento do poder da elite, os rituais ‘cross-dressers’ masculinos aqui parecem frequentemente servir como uma confirmação e uma expressão dessa elite” (Garber, 1997: 66)
Virginia Prince, que tem sido descrito como o “pioneiro” da transgeneridade, teve um importtante papel no desenvolvimento do “cross-dress” de um hobby para um movimento (Ekins, 2005). Ele tem um PhD em farmácia e viveu parte da sua vida como mulher, depois de dois casamentos. No entato, ele não considerava-se um transsexual e não fez cirurgia de troca de sexo. O “International Journal of Transgenderism” dedicou uma matéria a ele – aos seus noventa e dois anos – em 2005, para celebrar a importância de seu trabalho na criação desse campo. Prince viveu a clássica história de um cross-dresser, o que hoje provavelmente levaria a um diagnóstico de desordem de identidade de gênero e o tornaria um candidato a cirurgia. Ele começou a praticar cross-dressing com doze anos de idade, usando as roupas de sua mãe, e quando adolescente “vestia-se” em público, queria ser confundido como uma menina. Ele buscou conselhos e apoio de psiquiatras a respeito de seus interesses, e em 1960 publicou a primeira matéria de sua revista para cross-dressers, Tranvestia, o qual afirmou que era dirigida para cross-dressers “sexualmente normais” – ou seja, heterossexuais. Ele formou um grupo de apoio para travestis de assinantes de sua revista, Hose and Heels, em Los Angeles m 1961, o qual homossexuais e transsexuais não eram permitidos. O grupo tornou-se nacional e foi renomeado para Fundação para Expressão de Personalidade Plena (FPE). Está ganhou apoiadores de fora dos Estados Unidos, e em 1965 um grupo regional europeu da FPE, chamado Beaumont Society, foi formado em Londres. Prince também publicou ficção travesti, algumas escritas por ele mesmo, e vendia objetos como peitos artificiais. Depois de seu segundo casamento ele começou a, como ele mesmo coloca, “personificar” mulheres em público, fez eletrólise para remover sa barba e ganhou peitos depois de um tratamento hormonal, mas manteve seu pênis. Prince tornou-se o palestrante da comunidade travesti e declarou ter cunhado termos como “transgeneridade” para descrever homens como ele que “tem peitos e vive o tempo todo como uma mulher mas não tem intenção de realizar uma cirurgia genital” (citado por Ekins, 2005 : 9). Prince considerava o desenvolvimento da cirurgia transgênera, e sua promoção e disseminação, como problemática, pois pensava que poderia fazer com que travestis suscetiveis fossem seduzidas a tomar essa rota; um insight bastante profético.
Em 1978 Prince escreveu um artigo na sua revista Transvestia, o qual prevê como teóricos queer e transgêneros escreveriam sobre transgeneridade vinte anos depois. Ele explica a inutilidade do sufixo “trans”, e que “uma pessoa transcendente é aquela que sobe e vai além de uma barreira e limitação” (Prince, 2005, primeiramente publicado em 1978 : 39). Transgêneros, ele alegou, tem que pular da barreira de gênero, e cita o sexologo John Money na definição de gênero como “todas aquelas coisas que uma pessoa diz ou faz para mostrar a si mesma enquanto menino ou homem, menina ou mulher respectativamente” (Prince, 2005b : 40). Curiosamente, Prince considera que o gênero não é “biológico, é cultural” (Prince, 2005b : 41), e seu entendimento sobre o que se consiste a feminilidade vem da cultura dos anos 50 “um mundo de seda e cetim, de laços e perfume, beleza e adornos, e, idealmente, virtude” (2005a, 23). O trabalho de Prince é uma indicação f a move to understand cross-dressing and transsexualism in terms of ‘gender’ that was under way. Isso culminou na inclusão no Manual Estatistico Diagnóstico dos Estados Unidos, a bíblia de professionais de saúde mental, do diagnóstico de “desordem de identidade de gênero” e “desordem de identidade de gênero na infância”, o qual formou a base dos tratamentos hormonais e cirúrgicos para esse problema mental. A desordem de identidade de gênero é a nova línguagem para o que antes era chamado de “transsexualidade” (Zucker e Spitzer, 2005). Na edição de 2013 do Manual Estatístico de Diagnóstico , a nomenclatura foi novamente alterada, e desordem de identidade de gênero tornou-se “disforia de gênero”, resultado dos argumentos de ativistas transgêneros que seus problemas de gênero não eram uma desordem, termo que subtendia saúde mental fraca.

A mudança para “gênero”
A construção para a ideia de “gênero” foi necessária para justificar e explicar o tratamento de mudança de sexo. Apropriar-se dessa ideia levou a um importante estágio na história dessa prática, quando, em 1990, o termo “transgênero” começou a disseminar o termo “transsexual” para o entendimento comum. A mudança de linguagem e ideia de gênero para conceitualizar o “cross-dressing” e a transsexualidade começou com os sexológos dos anos 50 e 70. Durante essa época, os médicos que ofereciam tratamentos transgêneros criaram a noção de gênero – que anteriormente possuia apenas um sentido gramático – como a base ideológica dessa prática. Hausman explica que a cirurgia de troca de sexo foi idealizada a partir da noção de gênero: “a ideia de uma identidade a priori dentro de um corpo que teoricamente deveria determinar a aparência física do objeto” (Hausman, 1995: 70). A ideia de gênero foi desenvolvida por sexologos, John Money e outros, nos anos 50 e entendida como uma “performance social indicativa de uma identidade sexual interna” (Hausman, 1995: 7). Surgiu de um trabalho no qual utilizavam cirurgia e hormônios no tratamento de crianças intersexuais, e foi usada para determinar que criança deveria ser tratada e de que forma. Como Hausman observa, houve desde o começo um viés heterosexista na construção médica da intersexualidade e da transsexualidade, pois os médicos estavam preocupados em formar pessoas cujo genero estivesse apropriado para agir de forma heterossexual. Hausman argumenta que a “produção do conceito de gênero na cultura ocidental” pode ser analisada através da história da transsexualidade (Hausman, 1995 : 11). Todas as “intervenções” médicas, como Hausman as refere, dependiam da “construção de um sistema retórico que posicionava um gênero a priori e fechado em si mesmo que justificasse as intervenções cirúrgicas” (Hausman, 1995 : 71). Ela chama os médicos de “técnicos do gênero”, e enfatiza que a oposição a homossexualidade motivou seus trabalhos e justificou a esterilizaçao como parte componente do tratamento, pois considerava que era “mais importante que o paciente não fosse homossexual do que se o paciente fosse fértil” (Hausman, 1995: 74).
O desenvolvimento feito pelos sexologos sobre a ideia de gênero aconteceu para que fosse possível um considerável fator ideológico e linguistico para os homens que buscavam a mudança de sexo. Cada vez maior era o numero de sexologos, psicológos e filósofos da ciência que agora afirmavam que a ideia de gênero possibilitava que esses homens abrigassem suas práticas e desejos em uma nova estrutura, a qual agora eles buscavam justificar como essencial e até mesmo biologicamente determinada (Bailey, 2007; Blanchard, 2005; Dreger, 2008; 2011; Ekings e King, 2010).
A ideia de gênero oferecia uma saída para uma situação dificil na qual anteriormente os homens eram vistos como possuidores de uma “parafilia” que os motivava a “cross-dress” ou a mudar de sexo. A associação com a sexualidade causava problemas para o acesso a um tratamento, e a seriedade com a qual o mundo os encarava. A ideia de “gênero” errado, na qual eles misteriosamente adquiriram uma “essência feminina”, os absolveu da vergonha e permitiu que eles vissem a si mesmos enquanto uma minoria que buscava seus direitos, e que havia apenas nascido diferente. A mudança de “sexo” para “gênero” foi conquistada com a crescente aceitação da nova linguagem – transsexualidade tornou-se trangêneridade.

“Cross-dressing” e transgeneridade como parafilias
As biografias sobre pessoas transgêneras e as descrições a respeito de seus interesses são muito parecidas com as descrições biograficas daqueles que passam pelo processo de cirurgia e hormônio. “Cross- dressing” trata-se muito claramente de um interesse sexual, mas aqueles que advogam pelos cross-dressers, e a maioria das pessoas que passa pela cirurgia rejeitam a ideia de que suas práticas são relacionadas ao prazer sexual. Prince rejeita especificamente a noção de que o cross-dressing seria motivado pela busca de uma saisfação sexual; muito mais que isso, era baseada em “gênero” e permitia que homens expresassem sua personalidade e o seu “amor pelo feminino” (Ekins, 2005: 11). Tal afirmação, como argumenta o sociólogo Richard Ekis, foi para conseguir apoio de família, amigos e sociedade. Há uma crescente oposição da maioria dos envolvidos em teoria transgênera à ideia de que o desejo de trocar de sexo é baseada em gênero, e não de um interesse sexual. Esse grupo de profissionais, entre eles o Professor Michael Bailey (2003), o filósofo da ciência Alice Dreger (2008), o psicoterapeuta transgenero Anne Lawrence (2004) e os sociólogos Richard Ekins e Dave King (2010), seguem o entendimento sobre transgeneridade desenvolvido pelo sexologista Ray Blanchard (2005). Blanchard afirma que existem dois tipos de transsexuais: aqueles que amam homens e são basicamente homossexuais; e aqueles que são sexualmente atraidos a ideia de ver-se como uma mulher, a quem ele chama de autoginecófilo. A autoginecofilia, ele diz, se constitue na “tendência de um homem a sentir-se atraido a imagem dele mesmo enquanto uma mulher” (Blanchard, 1991: 235). Criticos respondem que essas duas categorias não se enquadram para todos transsexuais, e que muitos não se encaixam nos critérios de um ou outro, mas apoiadores afirmam que o esquema desses dois tipos é absolutamente correto e prova-se na realidade. Eles rejeitam a ideia de que transsexuais tem uma condição biológica sobre a qual o “gênero” foi mal colocado: “é uma pena que a face pública da transexualidade MTF (male to female, homem para mulher) é tão diferente da realidade” (Bailey e Triea, 2007: 531). Blanchard, Bailey e seus colegas consideram que a transsexualidade não homossexual, a autogicofilia, é um interesse sexual, uma parafilia.
O sociológo Ekins, que fez do cross-dress e da transgeneridade os objetos de sua pesquisa por toda a vida, descreve os interesses eróticos dos que ele chama de “male-femalers” (não sei como traduzir isso rs). Ele não faz distinção entre os cross-dressers e os homens que buscam a cirurgia de troca de sexo, e todos eles são, em seu ponto de vista, male femalers. Ekins explica que, para o male femaler:

o desejo, ou a excitação, é em torno de sua própria feminilidade, e/ou a consciência de outros sobre a sua própria feminilidade erótica…. O femaler [talvez experienciem] intensos orgasmos após uma sequencia de vestimentas, enquanto ao mesmo tempo, o femaler pode adorar intensamente o sentimento erótico da sua alça de sutiã no ombro enquanto encontra-se em movimentos cotidianos, comendo uma refeição ou tomando café. (Ekins, 1997: 56)

Este exemplo é útil para nos demonstrar a diferença entre a fantasia cross-dresser e como uma mulher realmente se sente, visto que não existem relatos de uma mulher que sinta-se excitada ao sentir as alças do seu sutiã. Sua caracterização da prática também nos mostra a importância para homens que transicionam ou cross-dressers de entrar no banheiro feminino, por exemplo, e ver a reação que causam. Bailey e Triea argumentam que esta é um aspecto comum da auto-ginecofilia, e a descrevem como “a fantasia erótica de ser admirado, enquanto uma mulher, por outra pessoa.” (Bailey e Triea, 2007: 527). Ray Blanchard explica que uma diferença entre auto-ginecofilos e homossexuais – a quem estes são constantemente comparados – é que homossexuais não buscam uma reação de estranhos a sua satisfação sexual, enquanto o homem heterossexual que progride do cross-dress a transgeneridade agem como se estivessem em um filme perpétuo, em que outras pessoas, como suas esposas, são induzidas, ainda que sem vontade, a fazer parte do público (Cameron, 2013)
Esse conceito de auto-ginecofilia é útil para nos explicar como o interesse sexual de um homem, que em sua mente, é feminino, pode progredir de uma práica cross-dress a sua incorporação fisica de mulheridade. Bailey e Triea explicam que “uma manifestação comum do auto-ginecofilo é o fetichismo de cross-dressing”, mas alguns podem não praticar cross-dress, mas “fetichizar sobre ser uma mulher nua ao focar em sua caracteristicas anatomicas”, e alguns “experimentam prazer sexual em torno de ideia de se tornar uma mulher, e esse prazer motiva-os a tornarem-se mulheres” (Bayley e Triea, 2007: 523). Eles explicam que nem todos auto-ginecofilos masculinos escolhem tornarem-se transsexuais, e que seus “interesses variam do cross-dress ao praticarem atividades esteriotipadas femininas (e.g costurando ao lado de outra mulher) ou ao possuirem seios e genitália feminina” (ibid.). Não há uma diferença “óbvia”, eles dizem, entre cross-dresser não homossexuais que transicionam e aqueles que não transicionam. Bailey e Triea não acreditam na noção de “essência feminina” ou gênero inato.
Embora um crescente número de sexologos digam que “cross-dressing” e transsexualidade auto-ginecófila estão baseadas em orientação sexual, ou parafilia, em vez de gênero trocado, eles raramente tentam explicar exatamente no que esse interesse sexual é baseado. Bailey e Triea sugerem que esse interesse sexual é uma forma de masoquismo, demonstrando que “dos homens que morrem praticando asfixia auto-erótica, uma atividade masoquista perigosa, aproximadamente 24% são cross-dressers” (Bailey e Triea, 2007: 524). Eu tenho afirmado em outros lugares que a excitação masoquista é clara na pornografia cross-dress, e em relatos dos próprios cross-dressers (Jeffreys, 2005). A excitação na ideia de ser uma mulher, e a excitação atingida por ser uma mulher enquanto perto de um homem, vem do fato de que ser mulher é uma posição subalterna.
Quando um homem é forçadamente “cross-dressed”, ou capaz de imaginar a si mesmo enquanto mulher, ele experimenta a deliciosa sensação de ser “desmasculinizado”, tirado de seu status superior de hombridade e recolocado na categoria subalterna de mulher. É um prazer derivado da hierárquia de gênero, do sistema de castas de dominação masculina e subordinação feminina, e não seria imaginável fora dessa estrutura. Roupas de mulheres não são procuradas porque são mais bonitas ou mais encantadoras, mas por causa de seu significado simbólico. Esse entendimento da prática masculina de “cross-dress”, e os impulsos transsexuais que dela podem ser gerados provavelmente não encontrará aprovação feminina, para quem ser feminina é geralmente um árduo e pesado aspecto do seu status social mais baixo do que uma fonte de orgasmo.
Talvez, por essa razão, a teoria da essência feminina, e a ideia de um “gênero” errado, é muito mais aceitável que a erotização da subordinação feminina por homens. Bailey e Triea oferecem uma explicação ao entusiasmo que homens que transicionam adotam a teoria da essência feminina, dizendo que aqueles que promovem essa ideia pensam que será mais provável que sejam aceitos para a cirurgia se não forem vistos como sexualmente desviantes. Eles acharão a ideia “intrinsicamente tentadora” ainda que seja “pouco convincente” (Bailey e Triea, 2007: 528).
Blanchard e seus apoiadores argumentam que existem muitas evidências da existência da auto-ginecofilia, enquanto não existe nenhuma para a essência feminina (Blanchard, 2005). São parte delas as narrativas que Blanchard recolheu de seus pacientes, e as cinco narrativas que a psicoterapeuta trangênera, Anne Lawrence, coletou. Blanchard mostra alguns exemplos da coleção de Lawrence para demonstrar como a auto-ginecofilia manifesta-se. Uma narrativa descreve o prazer sexual experimentado pelo autor ao ser confundido como mulher “Nos primeiros dias eu ficava excitado quando qualquer pessoa, um funcionário de vendas, um estranho casual, dirigia-se a mim enquanto “senhora” ou fazia alguma cortesia como segurar a porta pra mim” (Blanchard, 2005: 440)
Outra explicação é que tanto antes quanto depois da cirurgia de realinhamento sexual ele gostava de fingir que menstruava: “era e ainda é sexualmente excitante para mim possuir “funções” femininas. Antes da minha cirurgia, eu fingia menstruar urinando em absorventes. Eu gostava particularmente de usar os antigos absorventes com longas abas” (Blanchard, 2005: 440). Blanchard cita uma parte da narrativa para explicar porque auto-ginecófilos buscam encontrar-se sexualmente com homens. Por não se enxergarem como homossexuais, tais encontros servem para o seu reconhecimento de mulheridade “Eu senti como se estivesse confirmando minha mulheridade sendo o parceiro passivo… Nunca tinha me interessado em transar com homens enquanto eu mesmo me considerava um homem” (Blanchard, 2005: 441). As motivações de homens ostensivamente heterossexuais que transicionam são bem explicadas por sexólogos como fruto de masoquismo, e o desejo de ofuscar a natureza sexual do cross-dressing e da transgeneridade foi uma das forças com os quais a transgeneridade foi construida no fim do século XX.
Bailey e Triea afirmam que os tipos de ataques as suas reputações, sofridos por qualquer pessoa que publicamente desafia a teoria da essência feminina, serve para impedir que outras pessoas se expressem. O livro publicado em 2003 do qual Bailey seria critico, “O Homem que queria ser Rainha”, foi chamado por dois proeminentes defensores dessa teorias, os ativistas transgêneros Lyn Conway e Andrea James, de “propaganda nazista” (Bayley e Triea, 2007: 528). Bailey foi alvo de uma campanha de difamação, inclusive colocaram fotos de seus filhos em um site com escritos insutantes (Dreger, 2008). Ele diz que muitas acusações falsas foram feitas contra ele, e que essa era “precisamente uma tentativa de puni-lo por escrever a favor das ideias de Blanchard, e para intimidar que outros o fizessem” (Bailey e Triea, 2007: 529).
Bailey e Triea afirmam que os apoiadores da teoria da essência feminina, e que são contra a teoria de Blanchard, são transsexuais não-homossexuais que “incorretamente negam sua auto-ginecofilia” (Bayley e Triea, 2007: 529). As ideias erradas destes homens são apoiados por “físicos do gênero” que talvez se sintam desconfortávis para duvidar de seus pacientes, e que se sentem mais a vontade permitindo uma cirurgia de realinhamento de sexo por “razões relacionadas ao gênero, em vez de erotismo”.

Trangêneridade e homossexualiadade
Outra força que atuou na construção da trangêneridade, de acordo com David Valentine, é o conservadorismo das politicas gays ao rejeitar e desconsiderar os efeminados. Seja quais forem as forças que construiram a trangêneridade no último século, um elemento enigmático é a falta de crítica de acadêmicos gays. Principalmente após a onda de ódio a homossexualidade e grande parte do grupo que busca a transgêridade ser constituida de homens que amam homens. Como vimos, os médicos envolvidos na construção da transgêneridade e as próprias pessoas que a reivindicavam estavam determinadas a evitar qualquer associação entre homossexualidade e práticas “cross-dress”.
A ausência de qualquer crítica à transgêneridade vinda de dentro da comunidade gay chama a atenção o suficiente para precisar de explicações, e David Valentine procura oferecer uma (Valentine, 2007)
Ele argumenta que a falta de protestos da comunidade gay demonstra como a transgêneridade é conveniente para a nova geração de gay conservadores pós-libertação gay. Esses gays conservadores afirmam sua concordancia com a masculinidade normativa e procuram negar e excluir homens efeminados colocando-os na categoria de “transgêneros”. Essa tática protegeu a “normalidade” dos homens gays e os ajudou a serem aceitos socialmente e legalmente.
Ele argumenta que a feminilidade foi separada da homossexualidade e colocada numa categoria especial própria por várias motivações, entre elas a normalização de homossexuais masculinos, que o autor chama de ativistas “acomodados” após a libertação gay. Na época da libertação gay havia uma crítica radical aos chamados “papéis sexuais” graças a influência do movimento feminista do momento. No ápice da libertação gay havia uma rejeição tanto ao papel masculino como feminino, pois eram frutos do danoso sistema patriarcal que oprimia homossexuais (Jeffreys, 2003).
Teóricos gays masculinos diziam que homens gays não poderiam ser “mocinhas” nem “valentões” pois esses papéis eram imitações das regras opressivas do patriarcado. Os comportamentos masculino e feminino em geral eram entendidos como retrógrados, e deviam, diziam eles, ser descartados.
Liberacionistas gays e feministas dos anos 70 davam explicações do porquê a homossexualidade masculina era associada a feminilidade e o lesbianismo com a masculinidade não apenas na medicina, mas pelos próprios homossexuais. Eles argumentavam que em sociedades de supremacia masculina, a heterossexualidade era reforçada através da crítica a relações entre pessoas do mesmo sexo. A masculinidade era, e é, tão fortemente relacionada ao sexo agressivo de penis-na-vagina, que desvios dessa norma eram visto como não-masculinos e como uma representação da feminilidade. Da mesma forma, mulheres que faziam sexo com mulheres eram vistas como não-femininas, porque esse era um papel masculino, então lésbicas eram vistas como encorporando uma forma de masculinidade. Essas mensagens eram fortes o suficiente para influenciar a forma de como aqueles que amavam o mesmo sexo pensavam sobre si mesmos. Há materiais confiáveis a respeito de como essas mensagens eram completamente assimiladas (Gottschalk e Newton, 2003). Na cultura lésbica dos anos 50, por exemplo, lésbicas costumavam adotar nomes masculinos, amarrar os seios para esconde-los e até mesmo demonstrar seu desejo por possuir pênis (Jeffreys, 1989). Mas não há nenhuma sugestão de que estas mulheres enxergavam-se como sendo “realmente” homem; em vez disso, elas desejavam performatizar um papel masculino para as pessoas que amavam.
Nos anos 80, na medida que o radicalismo do movimento gay acalmava-se, e uma era muito mais conservadora do consumismo neoliberal chegava a seu ápice, a crítica politica dos papéis sexuais foi abandonada. Em seu lugar desenvolveu-se entre os homens gays uma cultura da masculinidade, onde a feminilidade era rechaçada e um novo extremo de masculinidade era adotado e venerado, sendo essa representado pelo sadomasoquismo, em cowboys e trabalhadores de obra e todas tipologias do grupo pop gay Village People. O sociológo gay, Martin Levine, é um dos escritores gays a criticar essa masculinidade burguesa – ele a chama de “a reviravolta máscula” (Levine, 1998). Essa reviravolta é entendida como uma reação da associaçao de homossexualidade a feminilidade, e representa uma afirmação de auto-estima e auto-confiança, mas criou problemas na saúde e vida de homens gays ao promover uma cultura masculinista e agressiva, que envolve um grande número de parceiros sexuais e práticas perigosas como “fist fucking” e sexo anal sem camisinha (Jeffreys, 2003). Críticas feministas argumentam que a masculinidade gay foi um obstáculo na necessidade de abolir “papéis de gênero”, criar uma sexualidade igualitária, e desafiar a pornografia e a indústria do sexo.
Valentine explica que como resultado disso, a transgêneridade foi “institucionalizada” nos anos 90, “em um grande número de contextos, de ativistas ‘grassroots, provisões de serviço social, identificação individual à artigos jornalisticos” de tal forma que a “identificação transgênera” era entendida como “sendo explicita e fundamentalmente diferente em origem e existência da identificação homossexual” (Valentine, 2007: 4).
O Estado patriarcal investiu pesado nesse conceito ao colaborar com agências de serviço social e centros que angariavam estes fundos para a comunidade “transgênera”. O conceito foi desenvolvido pela academia, através de estudos e publicações transgêneras . Apesar dessas criações, Valentine afirma que quando fez sua pesquisa no final dos 90 em Nova York, ele descobriu, muito surpreso, que não havia uma comunidade transgênera. Ele continuou sua pesquisa enquanto estava empregado como educador sexual para a comunidade transgênera e descobriu que a maioria daqueles a quem ele era direcionado para ajudar ou não conheciam o termo transgênero, ou não se relacionavam com ele. Mesmo aqueles que passavam o tempo todo em roupas normalmente associadas a mulheres, e aqueles que fizeram cirurgias para remover partes de seus corpos, viam a si mesmo enquanto homens gays. Valentine argumenta, persuasivamente, que a grande variedade de comportamentos hoje comumente postos por acadêmicos e trabalhadores sociais embaixo do guarda-chuva transgênero, como artistas drag, gays femininos e lésbicas butch, historicamente, e no presente, são entendidos por eles mesmos e por outros enquanto “gay”. Como, ele pergunta, a categoria “transgênero” foi criada e quais são as implicações dessa construção? “qual a razão da incrível rapidez da disseminação do “transgênero” nos EUA nos anos 90, separação essa que cimentou a distinção entre variações de gênero e orientação sexual?” (Valentine, 2007: 6). O menosprezo a homens gays efeminados, ele argumenta, é o resultado da separação de “gênero” e “sexualidade” que se deu em meios acadêmicos e na comunidade gay e que “efetivamente necessitava de uma nova categoria – transgênero – para aqueles que não são identificados a priori pela ‘sexualidade’” (Valentine, 2007: 236).
Outro elemento na criação da ideia de “identidade de gênero” como separada da sexualidade é que “gênero” é conceitualizado como uma forma de “diferença social” em vez de, como na perspectiva feminista, “um sistema de relações de poder” (ibid.).

Transableism
Outra força que atuou na construção da transgêneridade foi o desenvolvimento da internet , que possibilitou grupos majoritamente de homens criarem comunidades online a respeito de suas vontades sexuais. Isso aconteceu em relação a práticas como “cross-dress” e transgêneridade, mas também em relação a outra prática que tem conexões próximas a transgêneridade – “transableism”. O exemplo do “transableism” mostra como uma “identidade” pode ser construida online, mas também mostra os problemas desses tipos de identidades politicas, na qual pessoas com desvantagem – nesse caso, pessoas com deficiência física – são objeto de apropriação e imitação para excitamento sexual, usando da justificativa que uma identidade, por mais peculiar que seja, deve ser respeitada. Nesta prática, antigamente denominada “apotemnophilia” (Money, 1977), agora mais usualmente chamade de Desordem de Identidade e Integridade do Corpo (BIID), aspirantes buscam a amputação de um ou mais membros (First, 2004; First e Fisher, 2012). Os aspirantes tem se mantido ocupados, criando identidades e fazendo campanhas para que professionais médicos realizem as amputações (Davis, 2011). Eles tem uma própria terminologia para seu interesse, transableism, que faz referência a transgêneridade para fazê-los parecer mais respeitáveis. Esses “transableists” incluem tanto os que buscam satisfação pela amputação quanto aqueles que buscam outras formas de deficiências, como a paralisia, surdez ou cegueira. Em escritos recentes por sexológos experientes, a desordem de identidade de gênero e BIID são vistas como fundamentalmente similares, principalmente pelo fato de envolver prazeres sexuais. Michael First, por exemplo, editor do Manual Estatístico e Diagnóstico dos Estados Unidos, está lutando para que a causa BIID seja adicionada aoManual para que aqueles que buscam amputação possam obter tratamento. Ele argumenta que “transableists” em geral deveriam ser colocados no manual sob o título de desordem de identidade, que incluiria apenas duas categorias: desordem de identidade de gênero e BIID (First e Fisher, 2012). First explica que devido as similiridades, ele usa o critério do diagnóstico de desordem de identidade de gênero como modelo aos vinte critérios de diagnóstico para BIID. Amputaçoes voluntárias de membros tem se mostrado normais pelas campanhas de internet, e isso oferece um insight de como a transgêneridade passou de ser uma prática para um movimento.

Conclusão
Os estudos críticos a respeito da transgêneridade estão recém começando, e esse livro busca encorajar que eles se desenvolvam. O tema do qual esse capítulo se desenvolveu, de como surgiu esse conceito, é um lugar importate para começarmos. Ainda são necessárias muito mais pesquisas críticas sobre a construção da transgêneridade, mas esse trabalho não poderá acontecer enquanto essa prática for vista como um fenômeno acima de qualquer questionamento. A afirmação de que é a essência de gênero a origem da transgêneridade evita qualquer busca histórica da construção dessa prática. Tais pesquisas investigativas são acusadas de “transfóbicas” e encontram grande resistência. A ideia de que “gênero é separado da “sexualidade” e possui uma lógica e uma essência própria é comumente afirmada nas teorias queer e transgêneras, e isso efetivamente evita que a história da relação entre a aversão à homossexualidade e a construção da transgêneridade seja falada e analisada. As lições de lésbicas e gay críticos e de acadêmicas feministas endossam o entendimento de que a construção da trasgêneridade serve aos planos politicos de sustentar a heterossexualidade e manter cidadãos corretamente alinhados no quesito gênero. Janice Raymond expressou isso sucintamente em “O Império Transsexual”. “O que temos aqui é uma forma sofisticada de controle e modificação de comportamento, tanto no nivel social quanto individual” (Raymond, 1979: 131)
Outra força que contribuiu na construção da transgêneriade foi a teoria queer academicista, que desestabilizou o feminismo acadêmico e levou a protestos de que, na verdade, não existia a “mulher”, então claro que homens que transicionam poderiam ser mulheres também. O enfraquecimento da teoria feminista pelo advento das politicas queer minou o criticismo das pessoas mais afetadas pelo fenômeno – mulheres e feministas. O impacto das politicas queer serão consideradas no próximo capítulo.