Skip to content

Resistência (Andrea Dworkin)

É um prazer imenso estar aqui hoje porque estava parecendo que o movimento das mulheres tinha se tornado uma agitação para proteger o sexo e que o nosso único propósito na terra era garantir que ninguém interferisse nas discussões sobre sexo, que ninguém falasse mal do sexo, que ninguém tivesse atitudes ruins em relação ao sexo, que nenhuma pensadora política desagradável começasse a nos fazer sentir desconfortáveis em relação ao sexo. E, é claro, na perspectiva mais material possível, isso tem significado defesas consistentes da indústria pornográfica. Onde não tem havido uma defesa política agressiva da indústria pornográfica, tem havido uma passividade, apatia e indiferença espantosas por parte das mulheres que são feministas do fundo do coração, mas que não saem às ruas para fazer algo pelas mulheres que estão sendo exploradas.

Estava realmente parecendo que os pornógrafos estavam ganhando. O que é tão excepcionalmente peculiar nisso tudo é que, pela primeira vez, eles pareciam assustados. Eles tem razão para se assustar, porque nós atingimos os negócios deles. Eles nunca acharam que nós poderíamos atingi-los. Eles são os imperadores do lucro e da dor. Nada poderia tocá-los.

No começo, quando o movimento das mulheres começou a falar sobre a indústria pornográfica, as pessoas diziam: “não vai dar em nada. Não tenham esperança. Vocês não podem se levantar contra eles. Não há nada que possamos fazer”. O poder deles parecia tão esmagador porque o dinheiro deles é esmagador. O fato de que eles detinham a mídia fazia deles um tipo de oponente formidável. Nós não detínhamos quase nada. O acesso deles à legitimidade – o monte de advogados que eles tinham para defender seus interesses; o que nós faríamos em face disso tudo?

Nós pegamos nossos cartazes esfarrapados e marchamos por quilômetros em círculos. Nós ficamos cansadas, nós nos sentimos derrotadas, nós pensamos: “não estamos chegando a lugar algum”. No país inteiro, em grandes e pequenas cidades, em todos os lugares, as mulheres estavam sendo ativistas contra a pornografia.

A mídia nunca noticiou. A maioria das pessoas não ligou para isso. Mas o feminismo estava vivo porque as mulheres estavam sendo ativistas contra a pornografia e a estavam usando para construir um novo e mais sofisticado entendimento da realidade do abuso sexual: o modo como todos os abusos sexuais se complementavam para machucar mulheres, para nos aniquilar, para nos tornar mercadorias.

Então, em Minneapolis, nós desenvolvemos uma lei de direitos civis e repentinamente os pornógrafos entenderam que estávamos tentando tirar o dinheiro deles. Aquelas pequenas e estranhas mulheres não estavam somente marchando em círculos e ficando tontas, mas também planejando entrar numa sala de tribunal e dizer: “nós vamos quebrar seus porquinhos, pegar toda sua grana e usá-la a favor das mulheres”.

A reação deles e a mobilização deles contra a portaria de direitos civis foram espetaculares. Não foram espetaculares porque eles acharam que a portaria iria funcionar, é claro. A raiva deles, a hostilidade, a frustração e a agressão foram porque finalmente eles tiveram que nos levar a sério como uma presença política que tem o poder de atingi-los.

E, horrivelmente, ao mesmo tempo o chão caiu para o movimento das mulheres. Todo mundo ficou com medo. Nós havíamos agido como se nós soubéssemos o que estávamos fazendo, como se nós soubéssemos o que eles estavam fazendo, como se nós pudéssemos saber o que eles fariam amanhã, do mesmo modo que descobrimos o que eles estavam fazendo ontem.

Mas a realidade é que destrui-los ficou fora de cogitação, porque destrui-los é uma coisa ruim, destrui-los é censura. E se o coitadinho do Bob Guccione não pode dizer o que ele quer dizer – mesmo que ele precise do corpo de uma mulher para fazê-lo – então o país ficaria mais pobre em ideias, mais pobre em liberdade política – NOSSA liberdade política, eles nos disseram. Nós temos que proteger esse cara para proteger nossa liberdade política. Nossos corpos são a linguagem na qual ele está se expressando e a nossa responsabilidade é garantir que ele continue fazendo isso.

O horror tem sido que mulheres acreditaram nisso, mulheres foram intimidadas e caladas em prol da defesa dessa Primeira Emenda que nem ao menos se refere a nós. Você deveria poder expressar a sua comunicação antes que ela fosse garantida pela Primeira Emenda e a verdade é que você não pode expressá-la se você é muito pobre, se você é muito louco – o que muitas mulheres são, depois de tudo o que passamos – ou se você foi silenciada através do abuso sexual, se esse abuso começou quando você era criança e agora você tem lutado, lutado e lutado pela sua identidade e pela sua integridade, porque alguém tentou destrui-las antes mesmo que estivessem formadas. Esse silêncio no qual vivemos é naturalizado. Nós somos levadas a acreditar que devemos aceitá-lo.

A realidade é que homens usam o sexo para expressar sua dominância em relação a nós. É um modo simples de dizer. O sexo é construído especificamente para ser um modelo de dominação masculina. É isso que o sexo significa nessa sociedade controlada por homens, na qual nós sofremos a desigualdade e somos sexualmente subordinadas.

Eu não acho surpreendente que, nesse sistema, as mulheres aprenderam a erotizar a falta de poder. É uma tragédia, mas não uma surpresa. O grande benefício para a dominação masculina quando as mulheres aprendem a ter prazer sexual na falta de poder é que isso facilita bastante a dominação. A força policial não é o que mantém nossa população subjugada.

Eu não entendo porque nós não achamos que nós temos o direito de existir, apenas de existir. Os pornógrafos se sentem seguros andando nas ruas. Eu não sei porque todas as lojas que vendem pornografia se sentem seguras à luz do dia e à noite, mas elas se sentem. Eles não estão preocupados com ninguém. Eles não estão preocupados conosco. O que nós vamos fazer com eles? Nós poderíamos fazer muita coisa, mas nós não fazemos nada!

Eu estou pedindo um ativismo consistente e militante contra as instituições e os sistemas de exploração que machucam as mulheres. Você deve considerar a pornografia como uma instituição primária na exploração das mulheres. No que quer que você foque seu coração e seu espírito para lutar pela nossa liberdade, você tem que contar para alguém ou mostrar para alguém. Não pode simplesmente ficar tudo no seu coração. Você tem que estar disposta a ser um pouco heróica, a estar preparada para levar os golpes, para levar a punição – você vai ser punida por ser uma mulher, de uma maneira ou de outra. Você vai se machucar de qualquer jeito.

A diferença é que quando você começa a estar politicamente ativa, como eu tenho certeza que muitas de vocês sabem, eles aprendem o seu nome. Eles dizem: “ah, é essa! peguem ela”. Eles escrevem o seu nome, eles entendem, eles tem uma lista de prioridades. Se eles souberem seu nome, você estará no topo da lista, e não simplesmente no final. Então você se arrisca, você vai com tudo.

Eu estou pedindo para que vocês não nos deixem perder o que conseguimos depois de quinze anos de esforços no entendimento do abuso sexual, no entendimento de como a violação sexual se torna normativa nessa sociedade. Não nos deixem perder cada esforço que já fizemos para lutar contra aqueles que estão nos machucando de propósito. Não existe ambiguidade nisso, eles mesmos o admitem. Eles só não querem que você ligue para isso, faça algo sobre isso ou ache que pode fazer algo sobre isso.

Nós tivemos ganhos enormes. Se não houver um movimento de mulheres – um movimento real, político, uma resistência organizada, ativa e militante – nós não teremos mais ganhos. Eu peço que você ache uma forma de revigorar o seu ativismo contra o ódio às mulheres, contra a violação sexual de mulheres. Eu peço que você não seja parte de um movimento que age como um escudo de proteção ao sexo ou a quaisquer práticas sexuais que específica e claramente machucam mulheres.

Texto original presente na coletânea The Sexual Liberals and The Attack on Feminism