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Renunciando à Igualdade Sexual – Capítulo 2 de “Our Blood”, Andrea Dworkin

Renunciando a “Igualdade” Sexual
Andrea Dworkin

 

Igualdade:

1. a condição de ser igual; equivalência em quantidade, grau, valor,
categoria, habilidade, etc. 2. uniformidade de papel tanto em relação a inclinações quanto aparência

Liberdade:
1. a condição de estar em liberdade e não em confinamento ou sob restrição física…
2. libertação de controle externo, interferência, regulação e etc.
3. poder de determinar suas próprias ações… 4. Philos. o poder de fazer suas próprias escolhas e decisões sem a coerção de algo ou alguém; autonomia, auto­determinação…
5. liberdade civil como oposição a submissão a um governo
déspota ou arbitrário. 6. independência política ou nacional…
8. liberdade pessoal como oposição ao cativeiro ou escravidão.

­Sinônimo.

LIBERTAÇÃO, INDEPENDÊNCIA, LIBERDADE se refere a inexistência de restrições indevidas e a oportunidade de exercer direitos, poderes, desejos e vontades… INDEPENDÊNCIA não implica somente na falta de restrições, mas também na habilidade de se manter sem ser sustentado por outra pessoa.

­Antônimo. 1­3. repressão. 5,6,8. opressão.

Justiça:
1. a qualidade de ser justo, honrado ou moralmente correto…
2. retidão ou licitude…
3. o principio moral determinante da conduta justa.
4. concordância com seus princípios, assim como manifestados em sua conduta; conduta, tratamento ou comportamento justos.

The Random House Dictionary of the English Language

 

Em 1970 Kate Millet publicou Sexual Politics. Nesse livro ela provou para muitas de nós ­que passamos nossas vidas negando isso ­ que as relações sexuais, a literatura que retrata essas relações, o sistema econômico que mantem a necessidade dessas relações, e os sistemas religiosos que buscam controlar essas relações são parte da esfera política. Ela nos mostrou que tudo que acontece com uma mulher durante a sua vida, tudo que a toca ou molda, é político.
Mulheres feministas, isto é, mulheres que compreenderam e viram que ela explicava muito sobre suas existências reais e suas experiências reais, tentaram entender, lutar contra e transformar o sistema político chamado de patriarcado, que explora nosso trabalho, pré­determina o domínio de nossos corpos e nos diminui como indivíduos desde o dia em que nascemos. Essa luta não tem dimensão, é abstrata: ela nos tocou em todas as partes da nossa vida. Mas em nenhuma parte ela é mais vívida ou dolorosa do que na parte de nossa humanidade que chamamos de “amor” e “sexo”. No caminho da nossa luta para nos
libertarmos da opressão sistemática um sério argumento se desenvolveu entre nós, e eu quero trazer esse argumento para esse espaço.Algumas de nós se comprometeram em todas as áreas possíveis, até nas que chamamos de “sexo” e “amor” com o objetivo da igualdade, isto é, pela condição de ser igual; corresponder em quantidade, grau, valor, categoria, habilidade e uniformidade de papel tanto em relação a
inclinações quanto aparência. Outras, e eu fico desse lado, não vêem igualdade como um objetivo final adequado, suficiente, bom ou honrado. Nós acreditamos que ser igual onde não há justiça universal e nem liberdade é ser o mesmo que o opressor. É simplesmente ter
alcançado a “uniformidade de papel tanto em relação a inclinações quanto aparência”.
Em nenhum lugar isso fica mais claro que a área da sexualidade. O modelo sexual masculino é baseado na polarização da humanidade em homem/mulher, mestre/escravo, agressor/vítima, ativo/passivo. Esse modelo tem agora milhares de anos de idade. A identidade dos homens, seu poder civil e econômico, as formas de governo que eles desenvolveram e as guerras que financiaram estão irrevogavelmente atadas umas as outras.

Todas as formas de submissão, quer seja homens sobre mulheres, brancos sobre negros, chefe sobre trabalhadores, ricos sobre pobres, estão irrevogavelmente atadas a identidade sexual dos homens e são derivadas do modelo sexual masculino. Uma vez que compreendemos isso, se torna claro que de fato o homem possui o ato sexual, a linguagem
que descreve o sexo, as mulheres que eles objetificam. Os homens escreveram o enredo de cada fantasia sexual que você já teve ou cada ato sexual do qual você já participou.
Não existe liberdade ou justiça em trocar o papel feminino pelo masculino. Isso é, sem dúvida nenhuma, igualdade. Não existe liberdade ou justiça em usar a linguagem masculina, a linguagem do seu opressor, para descrever a sexualidade. Não existe liberdade ou justiça, nem mesmo senso comum, em desenvolver uma sensibilidade sexual masculina ­uma sensibilidade sexual que é agressiva, competitiva, objetificadora, orientada em quantidade.
Acreditar que liberdade ou justiça para mulheres, ou para qualquer mulher como indivíduo, pode ser encontrada na imitação da sexualidade masculina é iludir a si mesma e contribuir pra opressão das nossas irmãs.

Muitas de nós gostam de pensar que nos últimos quatro anos, ou dez anos, nós revertemos, ou pelo menos impedimos, esses hábitos e costumes que vem de milhares de anos atrás os hábitos e costumes da dominação masculina. Não há fato ou imagem que confirme isso.
Você pode se sentir melhor, ou não, mas as estatísticas mostram que as mulheres estão mais pobres que nunca, que estão sendo mais estupradas e mais assassinadas. Eu quero sugerir para vocês que o comprometimento com a igualdade sexual com homens, ou seja, a uniformidade de papel tanto em relação a inclinações quanto parência, é o comprometimento para se tornar o rico em vez do pobre, o estuprador em vez da estuprada, o assassino em vez da assassinada. Eu quero pedir para vocês um comprometimento diferente­ um comprometimento com a abolição da pobreza, do estupro e do assassinato; isso é, um comprometimento com o fim do sistema de opressão chamado patriarcado; para acabar com o modelo sexual masculino. O verdadeiro cerne da visão feminista, seu núcleo revolucionário se assim preferir, tem a ver com a abolição de todos os papeis de gênero­ isso é, uma transformação absoluta da sexualidade humana e das instituições derivadas dela. Nessa tarefa, nenhuma parte do modelo sexual masculino pode ser aplicada. Igualdade dentro do quadro do modelo sexual masculino, não importando quanto esse modelo tenha sido reformado ou modificado, pode somente perpetuar o próprio modelo e a injustiça e a sujeição que são suas consequências intrínsecas.
Eu sugiro a vocês que a transformação do modelo sexual masculino, sob o qual todas nós trabalhamos e “amamos”, começa onde há uma congruência, não uma separação, uma congruência de sentimento e interesse erótico; começa no que sabemos sobre a sexualidade feminina ser diferente da masculina ­ toque e sensibilidade clitoriana, orgasmos múltiplos, sensibilidade erótica por todo o corpo ( que não precisa ­ e não deveria ­ ser localizada ou contida nos genitais ), na ternura, no respeito próprio e absolutamente mútuo. Eu suspeito que para os homens essa transformação começa no lugar que eles mais temem ­ isto é, no seu pênis flácido. Eu acho que os homens vão ter que desistir das sua preciosas ereções e começar a fazer amor como as mulheres fazem juntas.[1] O que estou dizendo é que os homens vão ter que renunciar suas personalidades falocêntricas, seus poderes e privilégios recebidos no dia em que nasceram em consequência da sua anatomia, que eles vão ter que extirpar tudo em si que agora eles valorizam distintivamente como algo masculino. Nenhuma reforma ou equivalência de orgasmos vai realizar isso.
Eu tenho lido extrações do diario de Sophie Tolstoy, que eu achei num belo livro chamado Revelations: Diaries of Women, editado por Mary Jane Moffat e Charlotte Painter. Sophie Tolstoy escreveu:

E a principal coisa é não amar. Veja o que eu fiz por amá-­lo tão profundamente! Isso é tão doloroso e humilhante; mas ele acha que é simplesmente bobeira. “Você diz uma coisa e sempre faz outra” mas qual é a vantagem de argumentar de maneira superior quando tudo que eu tenho em mim é humilhação e temperamento ruim; e essas duas coisas tem sido a causa de todos os meus desfortúnios, já que meu temperamento sempre interferiu no meu amor. Eu não quero nada além do seu amor e da sua compaixão, e ele não vai me dar isso; e todo meu orgulho está pisoteado na lama. Eu não sou nada além de uma miserável minhoca esmagada, que ninguém ama, que ninguém quer, uma criatura inútil com enjôos matinais, uma barriga grande, dois dentes podres, um temperamento ruim, um desgastado senso de dignidade e um amor que ninguém quer e que quase me deixa louca.

Alguém realmente acha que as coisas mudaram tanto assim desde que Sophie Tolstoy fez esse registro em seu diário no dia 25 de Outubro de 1886? E o que você diria pra ela se ela viesse até você hoje? Você teria dado a ela um vibrador e a ensinado como usá-­lo? Você teria ensinado a ela as técnicas de felação que teriam melhor satisfeito o Sr. Tolstoy? Você teria sugerido que sua salvação está em se tornar uma “atleta sexual”? Ensinado a paquerar? Encorajado a ter tantos amantes quanto Leo teve? Você diria a ela para começar a pensar em si mesma como uma “pessoa” e não como uma mulher?
Ou talvez você tivesse encontrado a coragem, o esclarecimento, a convicção para ser verdadeiramente sua irmã ­ para ajuda­la a se libertar da escuridão da sombra de Leo; para se juntar a ela na mudança da organização e contexto desse mundo, que continuava construido em 1974 para servi­lo, para forçar ela a servir a ele?

Eu digo a vocês que Sophie Tolstoy está aqui hoje, no corpo e na vida das suas irmãs. Não falhem com ela.
***

[1] Não sei se todas lésbicas se sentiriam confortáveis com essa frase.