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Amor Romântico: Uma Estratégia Patriarcal

tradução: cibele cê

Fevereiro 14. É aquela época do ano outra vez. Lembro dela de outros tempos. Imaginando se eu teria admiradores secretos, distantes, que de repente encontrariam uma coragem no fundo e me mandariam um cartão. Sentindo o melancólico desapontamento de quando olhava a caixa de correio vazia depois de o carteiro passar. Quando criança, fiz um cartão para minha mãe e entreguei a ela e ela disse: “Alguém me ama”. Durante alguns anos, recebi cartões simpáticos dos meus gatos (sim, era minha mãe de volta). Por muitos anos, houve um crescente suspense de que, talvez, este ano seria o ano em que um garoto notaria que eu existo. Romanticamente. Eu sempre era, afinal de contas, sexualmente objetificada na rua e isso é quase a mesma coisa, não é? Foi facinho depois que comecei a namorar mulheres. Eu recebia cartões de dia dos namorados sem falta e flores e presentes a qualquer hora porque a maioria das mulheres tem romance nos ossos. Em seu próprio condicionamento.

Ok, paro bem aqui. Vamos olhar para isso. Se há algo que as mulheres são encorajadas a fazer facilmente mas homens não então nós podemos praticamente garantir que é algo que funciona contra mulheres, não para elas.

Em muitas culturas, incluindo onde eu vivo no Reino Unido, o “amor romântico” é a pedra angular da heterossexualidade compulsória. Tão logo somos capazes de entender palavras, nos são passadas mensagens sobre casamento, maternidade e romance. Piadas são feitas sobre o menino de 3 anos de idade da nossa rua casando conosco um dia. Somos repetidamente questionadas se queremos casar quando crescermos. É introjetado em nós, do nascimento, que nosso objetivo primário na vida deve ser encontrar um macho “alma-gêmea” de quem possamos cuidar e com quem vivamos felizes para sempre. Se não recebemos esse reforço com frequência suficiente em casa, então os livros de contos de fadas infantis asseguram o suporte à tarefa quando necessário. A socialização de gênero começa do nascimento e nos são lidos, o mais cedo possível, livros que nos contam sobre nosso lugar no mundo como serventes dos homens.

Superficialmente, talvez, tudo isso pode parecer bastante inocente, se você está preparada para aceitar esse tipo de propaganda em valor nominal. É apenas quando olhamos mais profundamente, através de lentes feministas radicais, que vemos as implicações sinistras de como o “amor romântico” funciona.

Séculos atrás, as mulheres eram controladas através da economia; forçadas a ser financeiramente dependentes do patriarca. A única maneira pela qual elas podiam sobreviver era sendo vendidas ao próximo patriarca (mulheres de classe média/alta) ou encontrando um patriarca que tivesse a chance de ganhar uma renda (mulheres pobres/de classe trabalhadora). Essa forma de controle continua a existir mas agora precisa de muito suporte já que (algumas) mulheres podem se sustentar ganhando um salário baseado em seu próprio treinamento, sua própria educação e suas próprias habilidades.

Esse suporte são os mitos românticos. A ideia de que existe um homem em algum lugar para todas nós, que nos vai amar, proteger e sustentar. Para sempre. Temos testemunhos de que isso deve ser verdade através das revistas que lemos, dos livros que compramos e dos filmes a que assistimos. Seguidamente, parcerias heterossexuais felizes, bem sucedidas nos são projetadas. Nas raras ocasiões em que não, deixa-se claro que estas são exceções na vida, não a norma.

Quem pode culpar as mulheres, então, quando nós ingenuamente procuramos o “amor romântico” que consideramos como relacionamentos emocionalmente igualitários de mútuo apoio, de mútuo sustento? Sites de encontros online estão cheios de promessas para o romantismo feminino. Mulheres procuram conexões e homens procuram fodas casuais com mulheres sexualmente objetificadas que, eles acreditam, serão exatamente como as mulheres torturadas no pornô que eles consomem.

Nossa crença profundamente condicionada no “amor romântico nos mantêm em relacionamentos abusivos. Nós procuramos significados mais profundos, nós dizemos “ele realmente me ama” quando ele falha em corresponder a qualquer tipo de padrão humano básico, ou “eu posso transformá-lo”. Uma crença no “amor romântico” supera experiências de espancamento, estupro e tortura psicológica. Nós o encontraremos, não importa como. Nós precisamos. Todas as mensagens que recebemos desde o nascimento nos dizem que ele está lá – o que há de errado conosco que não conseguimos encontrá-lo? Somos ensinadas que somos seres humanos incompletos sem o amor de um homem. Nós precisamos sofrer na esperança de que um dia talvez possamos ganhá-lo. De verdade.

É uma técnica de Estocolmo manter fêmeas, como uma classe, presas dentro uma heterossexualidade compulsória. A heterossexualidade compulsória é elaborada para beneficiar homens, como uma classe, às custas das mulheres, como uma classe. Aprisionar mulheres ou colocar-nos em jaulas não vai funcionar porque precisamos ser livres para exercer nossas incumbências. Eles inventaram o “amor romântico”, em vez disso, como uma jaula psicológica com o objetivo de nos manter em nossos lugares até a morte.

Com a pobreza se alastrando em 2013, e com o estado de bem estar social declinando, mais e mais mulheres serão forçadas a voltar para o lar e para a dependência econômica e financeira dos homens. O pensamento lógico não manteria um escravo como um burro de carga não-assalariado, juntando as necessidades financeiras, emocionais, sexuais e práticas dos homens no confinamento da heterossexualidade compulsória. O “amor romântico”, no entanto, o fará muito melhor que uma bola de chumbo e uma corrente.

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original: http://sisterhoodispowerful.wordpress.com/2013/02/02/romantic-love-a-patriarchal-ploy-2/