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Nomeando o Inimigo

parte de um texto de Mary Daly:
“Naturalmente este será chamado de um livro “anti-macho”. Mesmo os escritos feministas mais cautelosos e circunspectos são descritos desta maneira. O clichê não é somente sem imaginação mas mortalmente, ensurdecedoramente, enganador – fazendo a escuta real do que as feministas radicais estão dizendo difícil, às vezes mesmo para nós mesmas. As mulheres e nosso tipo – a terra, o mar, o céu – são os objetos reais mas não reconhecidos de ataque, vitimizados como O Inimigo do patriarcado – de todas as suas guerras, de todas as suas profissões. Há trabalhos feministas que fornecem exemplos abundantes de declarações misóginas das autoridades em todos os “campos”, em todas as sociedades principais, ao longo dos milênios do patriarcado. Feministas também escreveram detalhadamente sobre o verdadeiro comportamento estuprador de profissionais, de soldados a ginecologistas. O “costume” de queimar a viúva (suttee) na Índia, o ritual Chinês de enfaixamento dos pés, a mutilação genital das jovens garotas na África (ainda praticada em partes de vinte e seis países da África), o massacre de mulheres como bruxas na “Renascença” da Europa, ginocídio sob a guisa da ginecologia e psicoterapia Americana – todos são fatos documentados e acessíveis nos tomos e túmulos (bibliotecas) do conhecimento patriarcal. Os fatos contemporâneos da brutal violação coletiva, do espancamento da esposa, da lobotomização psíquica evidente e subliminar – todos estão disponíveis.

O que então pode o rótulo anti-macho significar possivelmente quando aplicado aos trabalhos que expõem estes fatos e convidam mulheres a libertar nossos Eus? O fato é que os rotuladores não pretendem comunicar um significado racional, nem provocar um processo de pensamento, mas em vez disso bloquear o pensamento. Eles pretendem rotular para conduzir uma mensagem emotiva profunda, provocando os medos implantados de todos os pais e filhos, congelando nossas mentes. Porque escrever um livro “anti-macho” é proferir a blasfêmia definitiva.

Assim as mulheres continuam a ser intimidadas pelo rótulo anti-macho. Algumas sentem uma necessidade falsa de traçar distinções, por exemplo: “Eu sou anti-patriarcal mas não anti-macho.” A coragem de ser lógica – a coragem de nomear – exigiria que nós admitimos para nós mesmas que os machos e somente os machos são os autores, os planejadores, os controladores, e os legitimadores do patriarcado. O patriarcado é a pátria dos machos; é a Terra do Pai; e os homens são seus agentes. A resistência primária à consciência desta realidade é descrita precisamente em Sisterhood Is Powerful: “Pensar que nosso homem é a exceção, e conseqüentemente, nós somos a exceção entre mulheres.” Está no interesse dos homens (tal como os homens no patriarcado percebem seu interesse) e, de uma maneira superficial mas Auto-destrutiva, de muitas mulheres, esconder este fato, especialmente delas mesmas.

O uso do rótulo é uma indicação de limitações intelectuais e morais. Apesar de toda a evidência que as mulheres são atacadas como projeções do Inimigo, os acusadores perguntam sardonicamente: “Vocês pensam realmente que os homens são o inimigo?” Esta enganação/reversão é tão profunda que as mulheres – mesmo feministas – são intimidadas em Auto-engano, se tornando as únicas Auto-descritas oprimidas que são incapazes de nomear seu opressor, referindo preferivelmente a “forças”, “papéis”, “estereótipos”, “repressões”, “atitudes”, “influências” vagas. Esta lista podia continuar. O ponto é que nenhum agente é nomeado – somente abstrações.

O fato é que vivemos numa sociedade profundamente anti-fêmea, uma “civilização” misógina na qual os homens coletivamente vitimizam as mulheres, nos atacando como personificações de seus próprios medos paranóicos, como O Inimigo. Dentro desta sociedade são os homens que estupram, que extraem a energia feminina, que negam às mulheres poder econômico e político. Permitir-se conhecer e nomear estes fatos é cometer atos anti-ginocidas. Atuar desta maneira, movendo-se através dos labirintos da sociedade anti-fêmea, exige a nomeação e superação dos obstáculos construídos por seus agentes masculinos e instrumentos femininos simbólicos. Como uma cristalização criativa do movimento além do Estado de Paralisia Patriarcal, além das limitações do rótulo anti-macho, isto é absolutamente Anti-androcrata, A-ssombrosamente Anti-macho, Furiosamente e Finalmente Fêmea. ”

 

— Mary Daly em Gyn/Ecology: The Metaethics of Radical Feminism