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Resistência Sexual nos arranjos heterossexuais

Manifesto do Coletivo Sulista de Escritura de Mulheres.

Lido na Cidade de Nova Iorque, em Abril de 1987, na conferência entitulada “Os liberais sexuais e o Ataque ao Feminismo”.

 

Em contraste com o movimento pró-sexo, nós estamos chamando à nós mesmas Mulheres contra o Sexo (WAS). Para algumas de nós, isso vem sendo uma longa caminhada. Esta análise evoluiu do nosso trabalho como feministas radicais no movimento anti-pornografia. Tomamos a sério as estatísticas sobre o dano sobre as mulheres. Mulheres são danificadas por atos sexuais na Sexualidade. A evidência é assombrosa. Especificamente, nossa análise reflete a conclusão de que pornografia é sexo. Estamos oferecendo uma teoria que descreve a prática da sexualidade no nível de interação e conflito de classe, isto é, num nível político. Queremos enfatizar que ambos em uma apresentação curta e em nosso panfleto “WAS fala”, nós não estamos querendo descrever ou re-descrever as experiências sexuais vividas de todas mulheres. (Nós sabemos que essas experiencias são vividas de várias formas, indo desde a mais alegre à mais humilhante e à assassina); que nós acreditamos que realidade política se conecta com a experiência e psicologia individual e pessoal de cada mulher. Nós não acreditamos que há qualquer fórmula estática que capture essa conexão. Nós oferecemos à comunidade feminista radical uma análise de uma prática: sexualidade, que nós acreditamos ser a causa raíz da subordinação política das mulheres.A prática da sexualidade é tudo que torna socialmente possível ter sexo, isto é, nossa prática de sexualidade é tudo que faz os atos sexuais socialmente ocorrerem e socialmente reais. A prática inclui papéis de gênero: a feminilidade e masculinidade [1] sociais. Esses papéis funcionam para fazer os atos sexuais parecerem naturais e inevitáveis mesmo se eles não o são. Os atos sexuais são centrais para a prática da sexualidade. Os atos sexuais são aqueles atos que homens como um gênero construíram como genitalmente estimulantes ou satisfatórios.

 

Atos sexuais são aqueles atos cujos significados sociais aparentes produzem excitação masculina. Historicamente esses atos vem incluindo: estupro, estupro marital, foot-biding [2], felattio, intercurso[3], auto-erotismo, sexo forçado, estupro de crianças, incesto, espancamento, intercurso anal, uso e produção de pornografia, proxenetismo e outro uso de pessoas prostituídas, cunnilingus, assédio sexual, tortura, mutilação, e assassinato.

 

Para mulheres, esses atos estiveram algumas vezes foram buscados em amor e por meio de desejo e às vezes evitados e resistidos em talvez um nascente despertar da sua função política anti-mulher. A arena material para a orientação de mulheres adultas na sexualidade em geral e atos sexuais em particular foi sendo geralmente heterossexual. Nosso foco neste artigo é na mulher em tais arranjos heterossexuais.

 

Nós acreditamos que a prática da sexualidade é totalmente socialmente construída pelos poderes dos homens como uma classe sexual. Nós não acreditamos que isso é nem uma maldição da biologia nem um presente de Deus. Tampouco acreditamos que é um projeto cooperativo de gênero entre mulheres e homens.

 

Nós acreditamos que a prática é animada por uma dinâmica erotizada de dominância masculina e submissão feminina. O que faz a prática viva e respirar, o que ilumina sua vida social é a hierarquia de classe, ou social _top-bottomism_ (sadomasoquismo) [4]

 

Nós acreditamos que o objetivo concomitante ou, mais propriamente, a função da prática da sexualidade é a subordinação das mulheres.

 

Acreditamos que essa dinâmica de dominação masculina e submissão feminina e essa função concomitante de subordinar mulheres identifica essa prática em um nível político. Deste modo, em nossa análise, qualquer ato informado por uma prática que não tem essa dinâmica e essa função e isso quer dizer, qualquer ato informado por uma prática que não subordina mulheres iria literalmente não ser um ato sexual, mas outra coisa. Sucintamente, se não subordina mulheres, não é sexo.

 

Não aquiecer às necessidades masculino-construídas deve ser chamado de evitação sexual. Mulheres aprendem a reconhecer mesmo sinais sutis do desejo masculino e aprenderam suficientemente como evitar se tornar disponível à este a ponto de conseguir tornar a menção à “dores de cabeça” uma piada comum masculina.  Logo, mulheres TEM de fato dores de cabeça e se vestem e se despem em closets, deliberadamente ganham ou perdem peso, se tornam alcóolatras, desenvolvem outras drogadições, cuidadosamente orquestram agendas e tentam evitar toda comunicação que possam insinuar intimidade.

 

A evitação histórica de sexo pelas mulheres pode, com uma consciência feminista, se tornar um ato de resistência sexual. A resistente sexual entende seu ato como um ato político: seu fim não é somente integridade pessoal para si mesma, mas liberdade política para todas as mulheres. Ela resiste de três formas: ela resiste todas necessidades masculino-construídas, ela resiste a equivocada nomeação de seu ato como puritanismo e ela especialmente resiste à tentativa patriarcal de fazer mais fácil o trabalho de subordinar mulheres por consensualmente construir seu desejo em sua própria imagem opressiva. Um bom exemplo de uma tentativa bem sucedida do patriarcado de alçar-se entre mulheres, de nos foder/construir-nos de dentro pra fora é mostrado nesta carta à Ann Landers :

 

Querida Ann,Uma carta que apareceu na sua coluna há alguns dias atrás poderia ter sido escrita por mim: mesmo número de crianças, casada pelo mesmo número de anos e, aliás, mesmo problema. Para pessoas de fora nós parecíamos ser um casamento perfeito: era o ideal. Exceto quando se falava sobre sexo. Eu evitava isso o quanto eu podia, e tolerava isso quando eu tinha que passar por isso. Então o inevitável ocorreu: uma pequena vagabunda no escritório de Tom se jogou pra cima dele. O dia que ele me contou que eu não teria que me incomodar mais com sexo porque ele tinha uma boa substituta, eu quase morri. Eu fui ao meu médico e pedi por ajuda. Ele me recomendou que eu fosse à um psicólogo e me sugeriu dois livros que, dez anos antes, teriam sido banidos por serem pornografia hardcore. Bom Ann, seu conselho salvou meu casamento. Eu decidi ser o agressor, algo que eu nunca havia sido antes. Então eu pûs em prática o que havia lido nestes livros. Meu marido estava impressionado e também estava eu. Pela primeira vez, eu desfrutei o sexo. Nós desenvolvemos um esplêndido relacionamento na cama, e não havia mais sinais da vadia. Eu agora sei que eu era frígida porque eu era ignorante e puritana, mas tudo aquilo está acabado agora e eu estou mais feliz hoje que eu estaria em toda minha vida. Por favor imprimam esta carta se vocês acham que isso pode ajudar a alguém mais.

 

Esposa Esclarescida

 

Isto foi primeiramente revelado em 1974; E foi justamente reimpresso em fevereiro de 87. A carta e a resposta nunca questionaram a prática da sexualidade e a forma que a prática impede as opções merecidas da esposa.

 

A escolha inicial autônoma desta mulher era uma de evitação sexual mas esta escolha era vista como não válida. Ela fez sua segunda escolha sob a ameaça de perder seu marido. Ela foi ensinada a desejar o prazer sexual masculinamente construído. A normalidade de tal coerção do desejo faz o requerimento de que nossa sexualidade é nossa, falso. Enquanto o preço de não escolher sexo é o que no presente é para qualquer mulher, sexo é de fato compulsório para todas as mulheres.

 

Sexo é compulsório para todas as mulheres porque o preço de não escolher isso é invalidez social e exclusão. Não há lugar socialmente estimado ou lugar neutro para as mulheres que não forem aquiecer à alguém em algum momento de alguma forma.

 

Por definição masculina, os relacionamentos que baseiam nosso self social, senso de eu e valor próprio são um pacote de medidas, com amor, segurança, apoio emocional e sexo todos indo juntos. Seu valor como um pedaço de cú se torna claro quando você pára de ser aquele pedaço.

 

A resistente sexual entende que por baixo da etiqueta de incompatibilidade sexual, por baixo da mistificação está a verdade da equação política: mulher equivale sua capacidade como uma vagina. A resistente sexual traz essa equação oculta à vista, arrastando toda prática da sexualidade à luz de escrutínio feminista.

 

A resistente sexual recusa aceitar o pacote de medidas do desejo masculino. Ela demanda o direito de não seguir o preceito sexual que diz “ceda ou caia fora”.

 

A resistente sexual deve ter o direito de manter todos aqueles aspectos não-sexuais, não subordinativos de sua relação que tem valor pra ela.

 

Resistência sexual foi renomeada e ridicularizada como puritanismo, virginidade e incompatibilidade sexual. [5]

 

Resistência sexual foi um chamado histórico à autenticidade feminista. Isto é o que muitas mulheres vieram fazendo quando demonstraram suas reivindicações de integridade, possessão própria de nossas vidas e corpos.

 

Isto faz a fala da recusa silenciosa das mulheres em validar e valorizar o desejo masculinamente construído. Por performar o ato político de resistência sexual, o desequilíbrio de poder é desafiado e a prática da sexualidade exposta.

 

Eu acredito que os atos de resistência sexual podem ser parte do processo de transição que irá desmantelar a prática da sexualidade.

 

***

 

 

retirado de http://sisyphe.org/spip.php?article4127

 

Notas da tradutora:

 

[1] Estava originalmente como “the social femaleness and maleness”, traduzi como feminilidade e masculinidade, apesar de que feminilidade seria em inglês ‘feminity’, não há uma tradução para femaleness e maleness, que indica um estatuto de sexo desses sujeitos. Aceito comentários.

[2] Foot-Binding: Enfaixamento dos pés, prática realizada na China até a revolução chinesa, e em algumas partes do país ainda permanece o costume de atrofiar os pés de crianças nascidas meninas até a idade adulta, de forma que tenham os pés pequenos, que é considerado sexualmente excitante para os homens nessa cultura. Mulheres que não tivessem os pés assim não poderiam conseguir casar-se futuramente, assim que as mães já os enfaixavam desde pequenas. Os pés vão crescendo deformados e as mulheres apresentam no futuro, enormes complicações, dores na coluna e dificuldades de movimento. O texto faltou comentar na minha opinião outras práticas parecidas, como por exemplo a mutilação do clitóris em países africanos de influência mulçulmana, ou a prática existente em muitos países de Ásia e Oriente médio e África, do casamento infantil. O que comentar sobre os brincos que são postos nas meninas quando nascem para identificá-las enquanto meninas? Dá pra não ler feminilidade como proxenetização de meninas desde que nascem para serem vendidas futuramente como mulheres no contrato sexual patriarcal?  Estas são práticas erotizadas, são atos sexuais. Como Mackinnon coloca, sexo no patriarcado é o desejo em sua forma de gênero. A generização da sexualidade é a sexualidade da desigualdade, a Heterossexualidade, a sexualidade patriarcal que é arma de extermínio e guerra contra as mulheres. Femicídios, incesto, abuso, são práticas sexuais masculinas.

[3] Intercurso: Pênis na Vagina, a sigla nas discussões feministas radicais vem sendo PIV (pênis na vagina).

[4] ‘Top-Bottonism’: Um neologismo com a idéia da dinâmica ‘top-bottom’ (dominante-submissivo) do BDSM (sadomasoquismo).

[5] A autora parece ter se esquecido de mencionar a acusação de lesbianismo, que é também severamente punido. Outra forma de endorsar [hetero]sexualidade compulsória.

Aliás acredito que a sexualidade aqui neste artigo poderia ser perfeitamente entendida e lida em termos de heterossexualidade compulsória. Se a heterossexualidade é compulsória e de força de coerção social, pode-se falar em escolha?