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SENALE, desaparição dos espaços de resistência lésbicos, relativização de identidades e separatismo

por Andressa Stefano

SENALE: Seminário Nacional de Lésbicas. A autora se refere ao último SENALE que ocorreu em Porto Alegre em 2014, no qual ele se tornou SENALESBI e quase foi aprovado ser SENALESBITRANS. Tal ação aprovada aí, de forma bastante autoritária, foi considerada por muitas um ato de destruição da memória lésbica desses seminários e a importância de preservar o nome lésbico neste, sendo o único seminário de lésbicas e havendo um seminário nacional de bissexuais já.

 

A pós-modernidade que se infiltra no movimento feminista está despolitizando e descentralizando as pautas do movimento das mulheres. E uma das táticas disso, é a ressignificação do conceito de feminismo, ou uma ampliação do que seriam vários conceitos de “feminismos”. Temos que retomar o conceito de feminismo, e, a partir desse conceito, é inevitável que surjam diversas táticas de combate ao patriarcado. Essa abertura, relativiza e desestabiliza as forças que sempre pulsaram na base do movimento (ou seja, as próprias sujeitas, as lésbicas) e que lutam por pautas específicas e materiais, por termos realidades materiais e opressões materiais. A segunda onda feminista foi de onde mais saíram escritoras e teóricas, e, infelizmente, estão sendo apagadas à força pela academia engolida pela teoria queer, e, mais recentemente, o ativismo trans.Uma das consequências dessa relativização do conceito de feminismo, é também a relativização da identidade lésbica. Se para os liberais não existem estruturas, tudo é auto-identificação e relativismo, então qualquer um(a) pode ser lésbica, qualquer um pode ser mulher. Basta se “identificar” com essas categorias. O que eu vi no SENALE foi a materialidade do que antes só estava na academia e em ambientes restritos. Me assusta ver feministas marxistas e materialistas fechando com o conceito de “identidade de gênero” e mais surreal que isso só mesmo “falo lésbico”. Me pergunto se isso é uma tática partidária, ou se é falta de formação política da juventude feminista. Qualquer uma das duas, é extremamente preocupante e me faz temer o rumo que o feminismo está tomando enquanto movimento político, e quais pautas concretas, a curto, médio e longo prazo, nós queremos trazer para a realidade das mulheres lésbicas. Essa “união” e uma teórica “visibilidade das bissexuais” está desarticulando o único movimento que ainda tínhamos para falar sobre nós, sobre as nossas vivências, e nos organizamos politicamente enquanto sujeitas autônomas, de um feminismo revolucionário, e não mais um espaço colonizado, em que as lésbicas são secundarizadas e marginalizadas.Lésbicas existem muito antes do feminismo existir enquanto corrente teórica e movimento social. Lésbicas foram queimadas em praça pública, foram bruxas, foram mortas, foram estupradas. Lésbicas resistiram à heterossexualidade como regime político, foram marginalizadas, excluídas dos espaços públicos e políticos. Lésbicas feministas resistiram à apropriação e invisibilidade do movimento LGBT que sempre foram espaços majoritariamente masculinos que não nunca se propuseram à lutar para um desmantelamento da supremacia masculina, mas sim, uma reforma política para uma “convivência pacífica” entre as ditas “minorias sexuais” e uma manutenção das estruturas patriarcais que mantém as mulheres sob controle masculino. Os espaços gays neo-liberais sempre foram tóxicos para as lésbicas, sempre foram colonizadores e despreocupados com a nossa vulnerabilidade peculiar na sociedade feita por homens e para homens.Lésbicas radicais propuseram e propõe espaços de resistência apenas de lésbicas com o intuito de fortalecer a autonomia e a militância combativa e organizada. Separatismo é resistência. É tática neo-liberal nos fazer acreditar que temos que nos unir “a tudo e todos”. Gays não vão lutar pelas lésbicas. Gays estão preocupados em manter o status quo e manter o acesso aos nossos corpos mesmo que, supostamente, não tenham desejo pelos mesmos. Trans vão lutar pela identidade de gênero, pela aceitação dos seus nomes sociais perante o Estado, mas não vão lutar efetivamente pela desnaturalização da violência que acomete as fêmeas. Vejam que, dentro do ativismo trans, os homens trans não são destaque, e isso é só uma consequência de um movimento que privilegia o sexo masculino, assim como quase todo movimento social. Se não lutarmos pelas pautas que nos acometem, das quais somos protagonistas, querendo fazer maternagem com outros grupos vulneráveis, estes mesmos grupos não o farão pela gente. O movimento feminista é o único movimento em que existe uma coerção para acolher “à todxs”, como uma grande mãe que luta por todos aqueles que sofrem. O FEMinismo é para nós. Saio deste SENALE decepcionada, sentido falta de FEMINISMO LÉSBICO. O que é uma incoerência absurda em um seminário que tem um slogan de “lesbiandade e feminismos”. Proponho uma união entre as sapatas, em pensarmos em como construirmos de forma autônoma e efetiva um novo espaço de articulação. Mais uma vez, nós estamos saindo dos espaços, enquanto todo o resto se pendura no braço movimento lésbico.