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Nomeando o Inimigo

10-Jan-15
parte de um texto de Mary Daly:
“Naturalmente este será chamado de um livro “anti-macho”. Mesmo os escritos feministas mais cautelosos e circunspectos são descritos desta maneira. O clichê não é somente sem imaginação mas mortalmente, ensurdecedoramente, enganador – fazendo a escuta real do que as feministas radicais estão dizendo difícil, às vezes mesmo para nós mesmas. As mulheres e nosso tipo – a terra, o mar, o céu – são os objetos reais mas não reconhecidos de ataque, vitimizados como O Inimigo do patriarcado – de todas as suas guerras, de todas as suas profissões. Há trabalhos feministas que fornecem exemplos abundantes de declarações misóginas das autoridades em todos os “campos”, em todas as sociedades principais, ao longo dos milênios do patriarcado. Feministas também escreveram detalhadamente sobre o verdadeiro comportamento estuprador de profissionais, de soldados a ginecologistas. O “costume” de queimar a viúva (suttee) na Índia, o ritual Chinês de enfaixamento dos pés, a mutilação genital das jovens garotas na África (ainda praticada em partes de vinte e seis países da África), o massacre de mulheres como bruxas na “Renascença” da Europa, ginocídio sob a guisa da ginecologia e psicoterapia Americana – todos são fatos documentados e acessíveis nos tomos e túmulos (bibliotecas) do conhecimento patriarcal. Os fatos contemporâneos da brutal violação coletiva, do espancamento da esposa, da lobotomização psíquica evidente e subliminar – todos estão disponíveis.

O que então pode o rótulo anti-macho significar possivelmente quando aplicado aos trabalhos que expõem estes fatos e convidam mulheres a libertar nossos Eus? O fato é que os rotuladores não pretendem comunicar um significado racional, nem provocar um processo de pensamento, mas em vez disso bloquear o pensamento. Eles pretendem rotular para conduzir uma mensagem emotiva profunda, provocando os medos implantados de todos os pais e filhos, congelando nossas mentes. Porque escrever um livro “anti-macho” é proferir a blasfêmia definitiva.

Assim as mulheres continuam a ser intimidadas pelo rótulo anti-macho. Algumas sentem uma necessidade falsa de traçar distinções, por exemplo: “Eu sou anti-patriarcal mas não anti-macho.” A coragem de ser lógica – a coragem de nomear – exigiria que nós admitimos para nós mesmas que os machos e somente os machos são os autores, os planejadores, os controladores, e os legitimadores do patriarcado. O patriarcado é a pátria dos machos; é a Terra do Pai; e os homens são seus agentes. A resistência primária à consciência desta realidade é descrita precisamente em Sisterhood Is Powerful: “Pensar que nosso homem é a exceção, e conseqüentemente, nós somos a exceção entre mulheres.” Está no interesse dos homens (tal como os homens no patriarcado percebem seu interesse) e, de uma maneira superficial mas Auto-destrutiva, de muitas mulheres, esconder este fato, especialmente delas mesmas.

O uso do rótulo é uma indicação de limitações intelectuais e morais. Apesar de toda a evidência que as mulheres são atacadas como projeções do Inimigo, os acusadores perguntam sardonicamente: “Vocês pensam realmente que os homens são o inimigo?” Esta enganação/reversão é tão profunda que as mulheres – mesmo feministas – são intimidadas em Auto-engano, se tornando as únicas Auto-descritas oprimidas que são incapazes de nomear seu opressor, referindo preferivelmente a “forças”, “papéis”, “estereótipos”, “repressões”, “atitudes”, “influências” vagas. Esta lista podia continuar. O ponto é que nenhum agente é nomeado – somente abstrações.

O fato é que vivemos numa sociedade profundamente anti-fêmea, uma “civilização” misógina na qual os homens coletivamente vitimizam as mulheres, nos atacando como personificações de seus próprios medos paranóicos, como O Inimigo. Dentro desta sociedade são os homens que estupram, que extraem a energia feminina, que negam às mulheres poder econômico e político. Permitir-se conhecer e nomear estes fatos é cometer atos anti-ginocidas. Atuar desta maneira, movendo-se através dos labirintos da sociedade anti-fêmea, exige a nomeação e superação dos obstáculos construídos por seus agentes masculinos e instrumentos femininos simbólicos. Como uma cristalização criativa do movimento além do Estado de Paralisia Patriarcal, além das limitações do rótulo anti-macho, isto é absolutamente Anti-androcrata, A-ssombrosamente Anti-macho, Furiosamente e Finalmente Fêmea. ”

 

— Mary Daly em Gyn/Ecology: The Metaethics of Radical Feminism

ASCO AO PÊNIS: É COMPREENSÍVEL, NÃO ‘FANATISMO

10-Jan-15
por rubyfruit2, traduzido por Jéssica Akemi

Nota de conteúdo: Esse post contem referências à misoginia internalizada, anti-feminismo, anti-lesbianismo e um monte de raiva ao feminismo radical lésbico.

Esse post é em resposta ao post do blogger ‘’stavvers’’ (link abaixo). Em sua casca, ele argumenta que ‘genitais’ não, ou não deveriam, importar para ninguém.

Se nós apenas pudéssemos ter um poder mágico e a violência iria embora, nós estaríamos livres do patriarcado sem demora. Esta é uma abordagem queer típica à supremacia masculina: ‘’poder e controle não existem SE NÓS DISSERMOS QUE NÃO EXISTE’’.O posto do blog pode ser lido aqui: (Isso foi feito por alguém que aparentemente se diz feminista. Se você É uma feminista atual, você ficará enfurecida no quanto é anti-mulher esse post):http://www.stavvers.wordpress.com/2014/06/04/shit-i-cannot-believe-needs-to-be-said-i-dont-dwell-on-your-genitals/

Vou começar colocando minhas cartas na mesa aqui. Eu não acredito em nada ‘natural’ quando isso vem em uma organização social de supremacia masculina. Tudo no mundo é dado social e politicamente significância para beneficiar os homens, como uma classe, à custa das mulheres, como uma classe. Sim, especialmente, o amado pênis. O pênis é o centro da supremacia masculina. Simbolicamente e realmente.O pênis tem sido usado pelos homens como uma arma violenta contra as mulheres por séculos. Por séculos, mulheres aprenderam que, se elas sentem asco, ou medo, do pênis, então há algo errado com elas. Elas necessitam terapia ou intervenção médica ou seus sentimentos serão ignorados em favor das ‘necessidades inatas’ dos homens (sic). Lésbicas têm recebido tratamentos de choque, por dias, por rejeitarem os homens e seus pênis. Essa é uma mentira do patriarcado estabelecido que as mulheres que estão em falta se elas rejeitam o pênis. Elas são ‘não-naturais’, egoístas, doentes ou loucas.Interessante, por alguém que os apresentam como ‘’interseccionalistas’’,

Stavvers apoia uma abordagem de modelo médico em relação a nossos genitais (veja o alcance dos escritos de mulheres feministas incapazes sobre o modelo social vs modelo médico e.g. Jenny Morrishttps://muse.jhu.edu/login?auth=0&type=summary&url=/journals/hypatia/v016/16.4morris.html).

Staverrs diz que a única razão para alguém se interessar nos genitais é para ‘assistência médica’ e até nisso ‘’para a grande maioria de nós, isso nunca virá a ser o caso’’.

Então… stavvers nunca leu, nunca ouviu, ou está completamente desinteressada nisso, no corpo do trabalho feminista que crítica como, debaixo do patriarcado, os homens se apropriaram do processo de parto (e.g.http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11251720). Mulheres são medicalizadas, ‘tratadas’ e comumente abusadas em nome da ‘medicina’ institucionalizada pelo patriarcado – tudo por possuírem seus genitais insignificantes e a habilidade de reproduzir.

Mulheres que não dão à luz são mais raras do que aquelas que dão (uma estimativa de 25% da população feminina do Reino Unidohttp://www.telegraph.co.uk/women/womens-life/9847642/Helen-Mirren-confronts-the-final-female-taboo.html). Isso significa que a maioria das mulheres experimentam o aborrecimento da intervenção masculina em relação a seus genitais em nome da ‘assistência médica’ (sic) durante o parto. Até mesmo as mulheres heterossexuais que não têm filhos sabem da invasão do contraceptivo designado por opiniões masculinas. Isso faz um absurdo o argumento dela que ‘’para a grande maioria de nós, (‘assistência médica’ para os genitais delas) nunca virá a ser o caso’’. A habilidade de reproduzir das mulheres é controlada e regulada pela supremacia masculina.

Genitais femininos – que possuem o poder sobre eles e como eles são caracterizados sobre a lei de supremacia masculina, especialmente comparados ao pênis – é uma questão central do feminismo. Por stavvers ter entendido mal esse ponto que ela reduziu isso ao ‘’essencialista’’, sendo difícil de acreditar. Nas terras queer, isso é uma deliberação comum, a manobra do feminismo radical é chamar a análise da conexão entre a reprodução e a opressão ‘’essencialista’’ feminina.Isso não é uma surpresa, especialmente para aquelas de nós que vêm observando esse mundo político às avessas dos ativistas queer/trans, que pressionam as mulheres a aguentarem o pênis na agenda queer. O fraco ‘’campo da esquerda’’ é a pressão que vem de um então chamado discurso de ‘esquerda’ ‘alternativa’ (com uma retórica revolucionária atraente, mas escorada por uma agenda incrivelmente conservadora). Ame o pênis senão você é uma fanática ‘’na maioria das vezes, isso é uma mulher cis (sic), que são basicamente apenas fanáticas!’’ http://stavvers.wordpress.com/2014/06/04/shit-i-cannot-believe-needs-to-be-said-i-dont-dwell-on-your-genitals/#comment-17415

Ela prossegue reduzindo a significância social e política do pênis, como sendo meramente sobre o que pode ser feito sexualmente – com ou sem o pênis – entre duas pessoas. Queer sempre reduz o feminismo a isso porque eles possuem uma política que é uma forma profundamente conservadora de individualismo. Como se, debaixo do patriarcado, nós pudéssemos apenas esquecer as estruturas de poder vigentes e focar apenas nos atos isolados de sexo, independentemente do que tem sido feito com eles ou por eles.

Com certeza, muitas mulheres conhecem o pênis em um contexto não consensual. Nós somos estupradas e abusadas sexualmente diversas vezes, e sabemos, portanto, que o pênis se iguala a uma arma violenta através de experiências pessoais. Mas, hey, nós somos apenas ‘’fanáticas’’. Entretanto, isso é aceitável para stavvers que um homem rejeite seu pênis por ‘’disforia de gênero’’, é algo diferente de fanatismo. ‘’Eu absolutamente posso vincular esses laços à disforia!’’ ela diz entusiasmada (e então continua chamando ‘’a maioria das mulheres cis (sic)’’ de fanáticas por nosso asco ao pênis). Observe, stavvers, sua identificação-masculina está se mostrando. Há um pouco de lesbofobia nisso. Ela diz que ela sabe que os homens pensam sobre sua ‘cunt’ (sic) [genital feminino] o tempo todo. Agora, ela está preocupada que as mulheres pensem demais sobre isso, pois assim ela não se sente segura também em espaços reservados às mulheres. Bem, bem, isso me soa parecido com um estereótipo, a lésbica predatória procurando pelas vaginas das mulheres para devorar. E sim, você, feminista revolucionária, você, as mulheres pensam sobre suas genitais o tempo todo. Você passou de mulher preocupada com sua segurança diante de homens a um salto sobre outra mulher obcecada com suas genitais?? Como assim??

Esse é um contador para a definição de lésbica que um pênis é envolvido. Muitas lésbicas e feministas radicais antes de mim chegaram nesse ponto. Eu incluo que tudo bem para qualquer mulher, seja qual for, rejeitar um pênis em um mundo onde o pênis tem um significado opressivo como uma arma de poder, controle e violência. Isso, querida stavvers, é feminismo básico. Que, seja lá o que você esteja expondo no post do seu blog, isso não é feminismo. Nunca o feminismo será sobre chamar mulheres de ‘fanáticas’ por rejeitarem homens.

Esse é apenas um argumento entre uma multidão deles sobre porque mulheres que rejeitam homens são chamadas ‘fanáticas’. E então, você deve estar se perguntando, ‘’Por que alguém daria a esse post de blog em particular algum tempo ou qualquer tipo de esforço?’’. Eu teria muita simpatia por essa perspectiva, seria realmente de se esperar… Ao menos que as feministas lésbicas radicais assistissem o que está acontecendo e falassem nossas verdades, anti-feministas, no corpo de ‘libertadores queer’, iriam refazer com sucesso uma agenda conservadora antiquíssima: mulheres devem aceitar homens – em qualquer forma ou corpo ou supremacia masculina presente – ou qualquer mulher será culpada ou punida. Essa é uma posição que manteve o patriarcado intacto por séculos – por que isso mudaria agora?

http://sisterhoodispowerful.wordpress.com/2014/06/07/penis-revulsion-its-understandable-not-bigotry/

Breve resenha de algumas teorias lésbicas – jules falquet

10-Jan-15
INTRODUÇÃO

 

Este trabalho procura sintetizar e dar a conhecer algumas teorias, reflexões e lutas das lésbicas e de seus movimentos em diferentes partes do mundo. Se origina em um primeiro texto escrito em francês para a rubrica “lesbianismo” do Dicionário Feminista recentemente publicado pelo grupo de investigação feminista GEDISST. Isto explica em parte seu estilo e seu caráter de “catálogo”, que apresenta correntes às vezes bastante opostas [1]. Aqui deixo de lado, consciente e propositalmente, muitos temas mais conhecidos, como a patologização e repressão do lesbianismo, e também grande parte das tendências insertadas no movimento homossexual misto.

Vinculando-se geralmente com lutas contra a Aids, e depois com reivindicações pelo “matrimônio” e a igualdade de direitos, estas tendências se marcam em uma defesa da “preferência sexual” e da “tolerância” e em uma busca de “reconhecimento” por parte da sociedade heterossexual. Se perfilam portanto como lutas pela liberdade individual e a integração, que, embora importantes, não questionam a fundo o sistema social.
Aqui quero na verdade resgatar elementos menos conhecidos que tendem a uma crítica radical, tanto da sexualidade em seu conjunto, como da heterossexualidade enquanto sistema político, e do sistema patriarcal, racista e classista imperante. Também quero assinalar que o presente texto se baseia sobretudo em grupos e reflexões vindas do mundo francófono por uma parte, norte-americano por outra, e também latino-americano e do Caribe. A história lésbica da Ásia, África e Oceania, deverá ser buscada em outras partes. Finalmente, devo também grifar que pela mesma situação política de hegemonia ocidental, tendem a ser produzidas mais teorias nos países do Norte e por parte de mulheres brancas, urbanas e de classe média, teorias que gozam de mais ampla difusão que as que se originam em

outras lésbicas, o que reflete este artigo e que não deixa de ser una limitação.

Neste texto então, que convida sobretudo à aprofundação, apresento seis pontos que buscam reconstruir certa ordem cronológica e afiamento político-lógico embora a custo de simplificações e arbitrariedades, como toda reconstituição a posteriori e desde uma posição de implicação no movimento. Primeiro, evoco a relatividade do que se chama “lesbianismo” e ao mesmo tempo, a importância de usar o termo “lésbica” frente a uma concepção geral-masculina da homossexualidade. Em um segundo momento, abordo os conflituosos laços do movimento lésbico com os movimentos homossexual e feminista, assim como os fundamentos teóricos do movimento lésbico autônomo que se forma progressivamente. A continuação, apresento outros desenvolvimentos da teoria e das lutas lésbicas, em especial as contribuições e questionamentos das lésbicas não-brancas e dos setores populares. Finalmente, evoco as teorias liberais “pró-sexo” e queer, que se perfilam mais bem como um retorno à posições fortemente influenciadas pelo pensamento masculino.

 

1. Variedade das práticas sexuais e amorosas entre mulheres e suas interpretações

Em diferentes culturas e épocas, há existido mulheres que se relacionam sexualmente, amorosamente e/ou afetivamente com outras mulheres. Os exemplos são dos mais variados. Se encontra uma larga lista de poetas, que em primeira pessoa deram testemunho de sua vivência lésbica, desde Safo, da antiga ilha de Lesbos, até a

afro-norteamericana Audre Lorde, falecida em 1993, que foi por sua vez teórica, militante e notável escritora (Lorde, 1982, 1984). Na India na época pré-védica,

se encontram mitos que falam do papel destacado das mulheres e esculturas muito explícitas de relações sexuais entre mulheres (Thadani, 1996). Em Zimbabwe, a

recém desaparecida Tsitsi Tiripano e o grupo lésbico-gay GALZ no qual militava, são uma prova fidedigna de que o lesbianismo existe em culturas africanas (Aarmo,1999). Em Sumatra, Indonésia, as tomboys são mulheres “masculinas” que estabelecem relações afetivas com outras mulheres (Blackwood, 1999). A antropologia por sua vez assinalou há muito o caso das e dos berdaches nas populações indígenas das planícies do norte do continente americano: são pessoas que, apesar de haver nascido homens ou mulheres, são consideradas socialmente como pertencentes ao sexo/gênero oposto e portanto buscam companheira de seu próprio sexo [2]. De forma mais geral, várias populações indígenas do continente manejam a noção de pessoas de “duplo espírito”, que muitas vezes possuem poderes mágicos-xamânicos e cujo comportamento sexual poderia ser visto como homossexual no marco das concepções ocidentais atuais (Lang, 1999).
Porém, cada sociedade constrói e interpreta essas práticas sexuais e amorosas entre mulheres de forma diferente, e sua visibilidade e legitimidade variam enormemente

segundo a concepção que cada sociedade tem do que é ser mulher ou homem, como o analiza a antropóloga francesa Nicole Claude Mathieu em um profundo artigo sobre a diversidade das formas de articulação entre sexo, gênero e sexualidade (Mathieu, 1991). De fato, há sociedades por exemplo que somente concebem a existência de

um gênero (o masculino), que logo se divide em dois sexos, como a sociedade africana !Kung! Por sua vez, a sociedade Inuit, próxima do círculo polar, atribui um(s) gênero(s) aos recém nascidos segundo aquele(s) ou aquela(s) pessoa(s) que nesta se reencarnaram : assim, uma bebê fêmea pode ser considerada socialmente como um homem, se nela regressa o espírito de seu avô. Porém, ao chegar à idade

reprodutiva, sofrem uma re-alocação social em seu sexo biológico, com vistas ao matrimônio reprodutivo. Em várias sociedades africanas, existe matrimônio entre mulheres, porém isso não significa que sejam lésbicas. Mais se trata de uma forma para mulheres mais velhas e relativamente ricas assegurarem uma descendência, obtendo-a da mulher mais jovem que tomam como esposa e que tem relações sexuais com homens para este fim.

Em meio a esta complexidade de arranjos culturais em torno ao sexo, ao gênero e à sexualidade, não é tão simples definir, nem o que é uma mulher, muito menos então o que é a heterossexualidade e a homossexualidade. Porém, na maioria das culturas hoje conhecidas e existentes, dominam arranjos sociais netamente patriarcais e baseados na heterossexualidade como norma obrigatória. Muitas religiões se encarregam além disso de condenar absolutamente tudo o que não serve explicitamente à reprodução. Portanto, as relações sexuais e amorosas entre mulheres são quase sempre por sua vez tabus, severamente condenadas e invisibilizadas. Daí que essas relações hajam sido muito pouco estudadas e muitas vezes deformadas e tratadas com pouca seriedade científica, como o exemplifica o caso das famosas Amazonas. Delas se há dito alternativamente que viviam na Grécia antiga ou na Amazônia, e se inventou toda classe de fantasias em torno a suas supostas formas de vida, mesclando essas mitificações com o estudo posterior das ferozes guerreiras do rei de Dahomey. Até hoje, nenhum estudo histórico sério demonstrou a existência das Amazonas, nem muito menos pode dar conta de suas práticas sexuais, apesar de que constituem um dos mais poderosos símbolos do lesbianismo.

Apenas recentemente, e no pensamento ocidental, é que se começa a atribuir às pessoas uma personalidade e identidade sexual específica e (relativamente) fixa, com base em suas práticas sexuais. Ainda assim, somente progressivamente se constituiu a categoria e o termo lésbica. Algumas historiadoras documentam a aparição do termo “tribadismo” para nomear as relações sexuais entre mulheres no começo do século XVIII (Bonnet, 1995). Já pela metade do século XIX, a medicina e sobretudo a psiquiatria nascente (seguida pela psicanálise) começam a interessar-se pelo que chamam o “terceiro sexo”, intervindo fortemente em sua categorização como “invertidas(os)” e sua patologização, e buscando sua “curação” (Lhomond, 1991).
A sexologia, que aparece nos finais do século XIX, continua esta tendência classificadora e normalizadora (Jaspard, 1997). Havelock Ellis, um de seus fundadores, desenvolve a hipótese de uma origem congênita da homossexualidade,

com a esperança de subtrair à(o)s homossexuais da repressão e das tentativas de curação. O modelo sexológico se complexifica ao incorporar elementos da psicanálise, igualmente determinista, embora já não localize a causa da homossexualidade na biologia senão que na Psicologia.

Basicamente, Freud interpreta a homossexualidade feminina como uma simples simetria da homossexualidade masculina e uma prova de “imaturidade” no desenvolvimento psicossexual das mulheres. Simultaneamente, na Europa, nos anos

vinte e trinta, as lésbicas se fazem bastante visíveis: em Paris, o célebre casal norteamericano que une Gertrude Stein e Alice Toklas organiza círculos literários no

bairro artístico de Montparnasse. Em Berlim se multiplicam os lugares de sociabilidade lésbica antes de que o fascismo arrasasse com tudo, assassinando ou obrigando ao exílio ou à clandestinidade às lésbicas e homossexuais. Em Londres,

Radclyffe Hall publica sua célebre obra “O Poço da Solidão” que lhe custará a violenta condenação da sociedade bem pensante [3] (Tamagne, 2000). Por outro lado, na França a literatura heterossexual e a indústria da moda popularizam o ambíguo personagem de la garçonne, mulher “moderna” de cabelo curto e moralidade desafiadora, mas que em si mesma não necessariamente é lésbica.

2. Lésbicas ou “homossexuais femininas”?

Embora muitas vezes se usem de forma relativamente indistinta os termos “lésbica”, “homossexual feminina” ou “mulher gay”, existe um debate político em torno ao tema, derivado da reflexão feminista. De fato, a palavra homossexual se refere a um

conjunto de práticas sexuais, amorosas, afetivas, entre dois ou mais pessoas do mesmo sexo. Estas práticas individuais, se vêm a ser publicamente conhecidas, geralmente levam à estigmatização e à repressão. Podem ser dadas a conhecer publicamente em forma voluntária pelas pessoas envolvidas, por meio do coming out

ou “saída do armário”, e assim desembocar em “identidades” orgulhosamente reivindicadas. Assim como a palavra gay, o termo da homossexualidade tem a vantagem de marcar uma diferença com a população heterossexual e assinalar que aquelas e aqueles que se relacionam sexualmente ou amorosamente com pessoas de seu mesmo sexo têm uma vivência diferente de quem se apega à norma social da heterossexualidade. Porém, o paralelismo que estabelece o termo “homossexual” ou gay com a situação dos homens é muito redutor e enganoso. O feminismo demonstrou amplamente que a opressão patriarcal coloca as mulheres em uma posição social estruturalmente muito diferente da dos homens em quase todas as culturas que se conhecem. Para viver seu corpo, exercer sua sexualidade e simplesmente, viver, as mulheres se encontram em condições bastante menos vantajosas que os homens, embora sejam estes homossexuais. Usar o termo “lésbica”, portanto, permite evitar a confusão entre práticas que se bem são todas homossexuais, não têm em absoluto o mesmo significado, as mesmas condições de possibilidade nem sobretudo o mesmo alcance político segundo o sexo de quem as leva a cabo.
É assim na França por exemplo, se usa pouco o termo gay para referir-se às mulheres, e embora seja certo que ultimamente, a palavra lésbica passou na linguagem comum a designar às mulheres homossexuais, inicialmente seu uso foi especialmente reivindicado pelo movimento lésbico feminista para sublinhar o sentido coletivo e político de ditas práticas. Neste contexto, a palavra lésbica se refere a um lesbianismo político, que se planteia como uma crítica em atos e um questionamento teórico ao sistema heterossexual de organização social.
Segundo a análise lésbico-feminista, dito sistema heterossexual descansa sobre a estrita divisão da humanidade em dois sexos que servem de base para construir dois gêneros rigorosamente opostos e forçados a manter relações muito desiguais de “complementariedade”. Esta “complementariedade” não é outra coisa que a justificação de uma divisão sexual do trabalho rígida, que se baseia em uma

impiedosa exploração das mulheres, no âmbito doméstico, laboral, reprodutivo, sexual e no psico-emocional. Neste sentido, ao problematizar e criticar o sistema heterossexual, o lesbianismo em sua dimensão política questiona profundamente o sistema dominante, representa uma ruptura epistemológica fundamental e convida à uma revolução cultural e social de grande alcance.

 

3. Movimento lésbico, movimento homossexual e movimento feminista

O lesbianismo como movimento social aparece em finais dos 60, no mundo ocidental e em muitas metrópoles do Sul. Nasce em uma atmosfera de prosperidade econômica e de profundas mudanças sociais e políticas que incluem tanto o desenvolvimento da sociedade de consumo e a “modernidade” triunfante, como a descolonização e um auge das mais variadas perspectivas revolucionárias. Embora haja sido bastante menos estudado que o movimento dos direitos civis, negro, indígena, estudantil ou de mulheres, é um dos chamados “novos movimentos sociais” que surgem na época, desbordando as organizações de corte classista que dominavam até aquele momento. O movimento lésbico se desenvolve em estreita vinculação ideológica e organizativa com outros dois movimentos muito fortes: por um lado, o movimento feminista chamado de “Segunda Onda”, e por outro, com o movimento homossexual, que se vai construindo rapidamente depois da “insurreição urbana” de 1969 em Stonewall (“insurreição” que responde a uma provocação policial em bares homossexuais de Nova Iorque, e que hoje é celebrada cada ano ao redor do mundo com as manifestações do “orgulho lésbico e gay”).
Porém, progressivamente, o movimento lésbico se vai autonomizando. Por um lado, em diferentes países se repete a mesma experiência: como mulheres, as lésbicas não

tardam em criticar a misoginia, o funcionamento patriarcal e os objetivos falocêntricos do movimento homossexual, dominado por homens (Frye, 1983; Mogrovejo, 2000). Armadas da crítica feminista, explicam publicamente seus

desacordos e fundam suas próprias organizações, como as Gouines Rouges (algo como “Sapatões Vermelhas”) na França. Por outro lado e de forma mais ou menos simultânea, como mulheres homossexuais, muitas lésbicas não terminam de sentir-se

plenamente identificadas com o movimento feminista. Melhor dizendo, o movimento feminista constitui para elas, a princípio, um espaço muito importante no qual lutar e encontrar mulheres que, como elas, combatem os estereótipos e limitações sociais associados à feminilidade, e a opressão das mulheres. Também constitui um bem-vindo lugar de encontro com outras lésbicas, favorável à elevação de sua auto-estima e a sua “saída do armário”. Portanto, muitas lésbicas contribuem muito ativamente à construção do movimento feminista, do qual a princípio se sentem totalmente aparte, seja como pessoas ou como grupos lésbicos. Porém, se vão dando conta com o tempo que algumas feministas as percebem como um questionamento ameaçador a sua posição heterossexual ou a seu lesbianismo “no armário”, o que muitas vezes provoca tensões inter-pessoais. Sobretudo, coletivamente, boa parte do movimento feminista se deixa intimidar pela mensagem social que exige ao feminismo silenciar, invisibilizar e postergar ao lesbianismo para ser minimamente respeitado. Enquanto que as lésbicas lutam por todas as causas das mulheres, mesmo aquelas que não as atingem diretamente (por exemplo, para a anticoncepção ou a interrupção voluntária da gravidez), as demais mulheres se mostram geralmente muito mornas no momento de lutar por causas lésbicas ou questionar a heterossexualidade (CLEF, 1989). Algumas lésbicas começam então a buscar uma via própria, gerando espaços

autônomos de fazer político lésbico.

4. Afirmação teórica do Movimento Lésbico

Frente a este duplo desafio, em finais dos 70, se vão multiplicando os análises teóricos especificamente lésbicos, especialmente desde uma aprofundação das reflexões feministas. Duas grandes pensadoras disparam a reflexão1, em ordem de idéias um pouco diferentes.
Por um lado, a poeta norte-americana Adrienne Rich abre uma profunda brecha com seu famoso artigo “Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence” (Heterossexualidade Obrigatória e Existência Lésbica), publicado em 1980 pela revista feminista Signs (Rich, 1980). Nele, Rich denuncia a heterossexualidade forçada enquanto norma social que exige e causa a invisibilização do lesbianismo, inclusive no mesmo movimento feminista.

Enfoca o lesbianismo na perspectiva de um “contínuum lésbico” que une a todas as mulheres que de uma ou outra forma se afastam da heterossexualidade e tentam criar ou reforçar os vínculos entre mulheres, compartindo suas energias na perspectiva da luta contra o sistema patriarcal. Tendo também refletido em outras ocasiões sobre a maternidade e os laços mãe-filhas e filhos em seu livro “Of Women Born” (Nascida de mulher), assim como sobre o racismo entre mulheres e entre lésbicas, Rich aponta a construção de uma verdadeira “sororidade” feminista, não “natural” e ingênua, senão que voluntária e claramente política, que dá cabida a todas, tanto lesbianas como heterossexuais e bissexuais, na luta pela libertação comum. Assim é como afirma, há quase vinte anos:

“É fundamental que entendamos o feminismo lésbico em seu sentido mais profundo e radical, como sendo o amor por nós mesmas e por outras mulheres, o compromisso com a liberdade de todas nós, que transcende a categoria de ‘preferência sexual’ e a de direitos civis, para tornar-se em uma política de formular perguntas de mulheres, que lutam por um mundo no qual a integridade de todas — e não de umas poucas eleitas — seja reconhecida e considerada em cada aspecto da cultura.” (Rich, 1983).

Por outro lado e quase simultaneamente, a francesa Monique Wittig, radicada há já uns anos nos Estados Unidos, elabora una reflexão bastante inovadora que questiona as bases mesmas da análise feminista.
Enunciado já em uma conferência realizada em 1978 nos Estados Unidos, sua análise é publicada em francês em 1980 pela revistaQuestions Féministes, em dois artigos fundadores: “On ne naît pas femme” (Não se nasce mulher) e “La pensée straight” (O pensamento heterossexual2). Mais além do sistema patriarcal, Wittig planteia a existência de um regime político ainda mais central, que é a heterossexualidade, cujo eixo ideológico é precisamente o que ela chama “O pensamento Straight/Hetero” (Wittig, 2001). Sua análise está firmemente ancorada no feminismo materialista francês, dado que retoma a noção de “classes de sexo”, que faz das mulheres e homens categorias políticas que não podem existir uma sem a outra [4]. Explica:

“Além disso, ‘lésbica’ é o único conceito que conheço que está mais além das categorias de sexo (mulheres e homens), porque o sujeito designado (lésbica) não é uma mulher, nem no sentido econômico, nem no político, nem no ideológico. Porque de fato, o que constitui uma mulher, é uma relação social específica a um homem, relação que outrora estivemos chamando por ‘servaje’ [5], relação que implica obrigações pessoais e físicas, tanto como obrigações econômicas (assignação à residência, tediosas tarefas domésticas, dever conjugal, produção ilimitada de filhos e filhas, etc.), relação da qual escapam as lésbicas, ao negarem-se a tornar-se ou serem heterossexuais. Somos fugitivas da nossa própria classe, da mesma maneira que as e

os escravos norte-americanos o eram quando escapavam da escravidão e se tornavam mulheres e homens livres. Quer dizer que para nós é uma necessidade absoluta: nossa sobrevivência exige contribuir com todas nossas forças para a destruição da classe das mulheres que é apropriada pelos homens. E isso somente pode ocorrer por meio da destruição da heterossexualidade como sistema social, baseado na opressão e apropriação das mulheres pelos homens, que produz um corpo de doutrinas sobre a diferença entre os sexos para justificar esta opressão”.

Com esta reflexão, Wittig senta as bases de uma teoria lésbica autônoma, abrindo caminho para um poderoso caudal de análises e práticas políticas que desembocam na constituição de um verdadeiro movimento lésbico, no qual em alguns casos se separa do feminismo. Por exemplo na França, suas afirmações nutrem os cruéis debates que já haviam começado dentro do movimento feminista, originados, entre outro, por um novo grupo lésbico criado em 1979, Les lesbiennes de Jussieu (As lésbicas da

[universidade] de Jussieu) e que desembocam em uma ruptura política bastante dura apartir de 1980, com a aparição do movimento que será conhecido como o das lésbicas separatistas.
De maneira mais geral, o “lesbianismo político” nasce em diferentes partes e épocas, das rupturas e ao mesmo tempo das tentativas de conciliação com o feminismo.

Portanto, se apresenta sob formas e denominações bastante variadas, às vezes misturadas e difíceis de separar cabalmente. A dificuldade é ainda maior se tomamos em conta a forma em que as teorias viajam de um país a outro, com traduções às vezes aproximadas — dado que um mesmo termo como “radical” ou “separatista” tem conotações muito diferentes segundo os idiomas e sobretudo a história das lutas em cada país —.
Aqui a grandes rasgos e simplificando reflexões bastante complexas, distinguiremos três grandes correntes: o lesbianismo feminista, o lesbianismo radical e o lesbianismo separatista.

O primeiro, o lesbianismo feminista, critica o heterofeminismo por sua falta de reflexão sobre a questão da heterossexualidade, mas não deixa de insistir na necessária solidariedade política das mulheres (como classe de sexo) e na objetiva convergência de interesses que as une a todas contra o heteropatriarcado (Green, 1997). A análise da lesbofobia como uma arma contra o conjunto das mulheres se vincula com essa posição (Pharr, 1988). Efetivamente, embora se centre externamente sobre “os modais” e a aparência, a lesbofobia defende interesses

econômicos masculinos muito concretos no marco da divisão sexual patriarcal do trabalho. Serve por exemplo contra todas as mulheres, que, independentemente

de suas práticas sexuais, aspiram ter acesso próprio aos meios de produção ou a exercer profissões “masculinas” (ou seja: melhor remuneradas ou que levem a ter poder), e que podem ser acusadas em qualquer momento de ser lésbicas e assim condenadas a um verdadeiro ostracismo social.

O lesbianismo radical — tendência marcadamente francófona que se articula em torno ao pensamento de Monique Wittig e da revista quebequense Amazones

d’Hier, Lesbiennes d’Aujourd’hui (AHLA, Amazonas de Ontem, Lésbicas de Hoje [6])— por sua parte, retoma entre outros os trabalhos da feminista materialista francesa Colette Guillaumin sobre o “sexaje” (Guillaumin, 1992), para articular progressivamente uma análise mais complexa da opressão das mulheres. Para esta corrente, as lésbicas certamente escapam à apropriação privada por parte dos homens, mas não se livram da apropriação coletiva, o que as vincula à classe das mulheres e implica lutas conjuntas (Turcotte, 1998, Causse, 2000).
O lesbianismo separatista, finalmente, é teorizado desde 1973 nos Estados Unidos por Jill Johnston3 (Johnston, 31:1973). Tem expressões e conotações bastante diversas segundo os países, mas no geral desemboca na criação ou toma de espaços físicos ou simbólicos por e para lésbicas unicamente, seja se as separatistas criam comunidades ou comunas em casas ocupadas ou no campo, seja se organizem festivais de cinema ou de música, revistas, casas editoriais ou espaços de sociabilidade e de luta política. Ao igual que no feminismo, algumas de suas seguidoras beiram o essencialismo, outras se orientam para a recuperação das deusas e à busca de uma espiritualidade diferente, enquanto que outras se dedicam à criação de grupos políticos.

Fundamentalmente, todas lutam para a (re)criação de uma cultura e de uma ética lésbicas (Hoagland & Penelope, 1988; Hoagland, 1989, Demczuk, 1998).

Todas essas diferentes tendências, muitas vezes mescladas na prática cotidiana, comporão o movimento das lésbicas, com grupos tão diversos como Oikabeth (“Mulheres guerreiras que abrem caminhos e espalham flores”) que começa em 1977 no México, ou o Coletivo Ayuquelén, fundado em 1984 no Chile, durante a ditadura (Mogrovejo, 2000), as Entendidas em 1986 em Costa Rica, ou os Arquivos de pesquisa e cultura lésbica em Paris. Rapidamente, este movimento busca formas de

articulação internacional, entre as quais destacam-se a Frente Lésbico Internacional, criado em 1974 em Frankfurt, ILIS (Sistema de Informação Lésbica Internacional), criado em 1977 em Amsterdam, ou desde 1987, os encontros lésbico-feministas latinoamericanos e do Caribe — enquanto que os grupos lésbicos asiáticos estão organizando diversas redes na década seguinte. Os anos 80 em especial estão marcados por um auge do movimento lésbico, com o florescimiento de revistas, eventos, marchas, lugares de encontro, e inclusive de “arquivos lésbicos”, que começam a constituir uma memória do movimento, desde México até Moscou, passando por Nova Iorque.

5. Multiplicidade de lésbicas
Simultaneamente, aparecem uma série de críticas à hegemonia do modelo lésbico (e feminista) branco, ocidental e de classe média, tanto desde o incipiente meio acadêmico de estudos lésbicos, como desde os grupos ativistas.

No âmbito universitário, onde o lesbianismo é principalmente abordado desde a história e a literatura, começam a se desenvolver pesquisas sobre as “amizades

românticas” entre mulheres do século XIX (Faderman, 1981), resgatando-as como vínculos políticos e desafio à moral vigente, em épocas em que nem sequer o feminismo se atrevia a questionar a heterossexualidade. Porém, muitas vezes, as protagonistas desta valiosa história são mulheres ocidentais e de classe média-alta. Desde outro ângulo, há lésbicas que querem escrever uma história mais ampla,

com perspectivas de classe e de “raça” [7]. Por um lado, aparecem trabalhos que enfatizam a grande contribuição das lésbicas proletárias e não necessariamente brancas à construção de verdadeiras comunidades lésbicas, muito antes da década dos 70, quando entra em cena o feminismo da segunda onda, dominado por mulheres de

classe média vivendo em grandes cidades. Um exemplo disso é o estudo de Davis e Kennedy sobre a comunidade lésbica da provinciana cidade de Buffalo, nos anos

50, nos Estados Unidos (Davis & Kennedy, 1989). Muitas dessas comunidades funcionavam em meio bastante hostil das pequenas cidades e dos bares populares.

Ali defendiam uma visibilidade relativa com base nos códigos amorosos e sociais de butch e femme (dizendo-se butches às lésbicas ‘masculinas’ (Feinberg, 1993 ; Triton, 2000) e femmes às “femininas” (Nestle, 1981). Embora o feminismo desde os anos 70 tenha criticado estes papéis como uma reprodução da heterossexualidade, que já não são necessários nem desejáveis desde a utopia feminista, nas décadas posteriores são de novo reivindicados, tanto no sul como no norte. Suas defensoras os apresentam como uma forma de existência e visibilização bastante valente — sendo as butches um desafio evidente ao monopólio masculino sobre as mulheres e sobre certas maneiras de comportar-se, vestir-se, etc.—. Também insistem que se trata de uma forma deliberada de jogo, burla e subversão dos códigos masculinos e femininos heterossexuais, demasiadamente perfeitamente arbitrários. Sobretudo, afirmam que esta maneira de viver lhes agrada e corresponde a uma busca erótica que afirma, sem complexos, a dimensão sexual do lesbianismo (Lemoine & Renard, 2001). Nesta mesma ordem de idéias, algumas lésbicas reivindicam o termo dyke [8] , bastante depreciativo em sua origem, não apenas como uma forma de escapar à imagem “lisa e limpa”, classe-média e aceitável, das lésbicas, senão que também por suas conotações populares, como é também com o termo Jules na França.

Muitas vezes também proletárias, várias feministas e lésbicas negras dos Estados Unidos começaram a criticar o racismo e o classismo do feminismo desde os anos

70, fundando algumas delas, como Barbara Smith, organizações autônomas, entre as quais Salsa Soul Sisters e Combahee River Collective, localizado em Boston. Este último, que constitui desde 1974 um grupo político pioneiro, produz em 1977 a muito importante Declaração Negra Feminista. Nela, afirma seu compromisso de lutar

“contra a opressão racial, sexual, heterossexual e classista”. Agrega que “Como negras vemos o feminismo negro como o lógico movimento político para combater as opressões simultâneas e múltiplas às que se enfrentam todas as mulheres de cor” (Moraga, Anzaldúa, 1981).
Em 1979, por iniciativa de duas “Chicanas”, Glória Anzaldúa e Cherrie Moraga, nasce o projeto de um livro que recolha as experiências e vozes, e permita unir e visibilizar ao conjunto das mulheres e lésbicas “de cor” dos Estados Unidos. Ali, negras, indígenas, asiáticas e latinas, assim como imigrantes e refugiadas, afirmam sua impossibilidade de escolher entre sua identidade como mulheres e como pessoas de cor.

Denunciam o sexismo e a lesbofobia dos movimentos progressistas e anti-racistas, mas também o racismo e o classismo que se manifestam no movimento feminista

e lésbico — no qual as mulheres brancas, “anglo” ou “caucasianas” as quiseram ter caladas (Moraga, Anzaldúa, 1981; Lorde, 1984). Para que sua palavra não siga negada nem apropriada, criam suas próprias estruturas editoriais, tal como Kitchen Table Press, fundada entre outras por Barbara Smith, Cherrie Moraga e Audre Lorde, que se dedica a publicar exclusivamente trabalhos de feministas e lésbicas de cor (Smith, 1983).

Pouco a pouco, não apenas como feministas senão que especificamente como lésbicas, várias mulheres não brancas afirmam sua existência e suas lutas, seja como lésbicas, negras, black ou afro (Clarke, 1986, Mc Kinley & De Laney, 1995 ; Curiel, 2000), como lésbicas asiáticas (Mason-John, 1995), latinas, originárias ou judias (Bulkin, 1988; Torton Beck 1989; Balka & Rose, 1991). Mutas delas, em seu acionar

político, estão fortemente comprometidas com correntes feministas revolucionárias e “socialistas” [9], com as lutas contra o racismo, nos movimentos anti-imperialistas, e com os grupos de bairros e comunitários que brigam de maneira muito concreta contra os efeitos conjuntos da opressão racista, de classe e de sexo. De fato, muitas se afastam do separatismo lésbico, ao considerar que não podem desligar totalmente suas lutas daquelas das mulheres heterossexuais e dos homens de suas comunidades.

Mais recentemente, em parte dentro do marco do pós-modernismo que critica o sujeito universal, e com uma reflexão sobre o pós-colonialismo, existem notáveis

tendências que continuam a reflexão sobre as identidades culturais múltiplas das lésbicas. Atualmente, em um mundo bastante “globalizado”, muitas lésbicas criticam certa tendência universalista que consiste em projetar sobre o conjunto das lésbicas uma leitura do lesbianismo e uns objetivos de luta bastante ocidentais e classe-medistas.

Certamente, existem práticas sexuais entre pessoas que possuem um “corpo sexuado feminino” em culturas tão diferentes como as de Lesotho, Tahiti, Perú e Tailândia (Wieringa, 2000). Mas classificá-las sistematicamente — desde fora — de práticas lésbicas, muitas vezes constitui uma simplificação reducionista, sobre a qual pesa uma legítima suspeita de pós-colonialismo. Na França e com uma perspectiva bastante crítica, o “Grupo de 6 de novembro”, fundado em 1999, reúne pela primeira vez exclusivamente lésbicas provenientes das imigrações passadas ou presentes, da escravização e da colonização, que denunciam com força o racismo do movimento lésbico francês (Groupe du 6 novembre, 2001).
Com todos seus componentes, a visibilidade dol lesbianismo foi crescendo de uma maneira até então inimaginável, entre outros, ao criar-se vários espaços de convergência internacional. Muitas vezes, as lésbicas vieram aproveitando eventos convocados pelo movimento gay misto para organizar atividades próprias, como a marcha de centenas de centenas de lésbicas que teve lugar em Nova Iorque para os 25 anos deStonewall em 1994, ou os debates de lésbicas durante eventos esportivos como os Gays games em Amsterdã de 1997. Também criam espaços próprios em eventos de mulheres como a Conferencia Mundial sobre a Mulher de Beijin em 1995, e em eventos meramente feministas como os Encontros Feministas Latino-americanos e Caribenhos. Em Latinoamérica e Caribe, apesar de muitas dificuldades ligadas à repressão lesbofóbica, já foram realizados cinco Encontros lésbico-feministas continentais, em México, Costa Rica, Porto Rico, Argentina e Brasil [10].

Ao mesmo tempo em que o movimento se desenvolve e se internacionaliza, grandes organizações como ILIS e sua organização irmã mista ILGA (International Lesbian and Gay Association, Associação lésbica e gay internacional, com estatuto consultivo na ONU) puderam ser criticadas por sua tendência a exportar estratégias organizativas e de ação — bastante institucionais — dos países do Norte em muitos países do Sul (Mogrovejo, 2000). De fato, é notável que ao mesmo tempo em que se desenvolveu o movimento, se institucionalizou consideravelmente. Seus conteúdos estiveram se homogenizando bastante e vieram perdendo radicalidade, constituindo-se em uma sorte de linha geral que parte da luta contra a Aids e se articula agora em torno da reivindicação da liberdade de “preferência sexual [10]”, da “diversidade” e do “matrimônio gay”, no marco da tolerância e da integração social. Isso se pode analisar em parte como sendo o efeito de uma nova aproximação às posições e interesses dos homens gays, ao mesmo tempo que como o resultado das influências das organizações financiadoras do Norte, das quais as novas “instituições” lésbicas se tornaram cada vez mais dependentes, e sobretudo no marco de uma direitização social general.

6. “Revolução Sexual”, Retorno ao gênero, pós-modernismo e despolitização

Os anos 80 são, nos Estados Unidos, marcados pela crise econômica e o reforçamento do moralismo mais conservador, simbolizado pelo desenvolvimento do movimento “Pró-vida” (anti-abortista, mas também anti-feminista e extremadamente lesbofóbico). É a época do auge do movimento lésbico (feminista, separatista ou radical), e ao mesmo tempo de uma “segunda revolução sexual” que desde este mesmo movimento lésbico, se pode ler mais precisamente como um retrocesso teórico e prático, com um retorno ao pensamento masculino-gay e uma releitura

despolitizante do conceito de gênero.
No interior do movimento feminista, estala um forte debate, cujo ponto álgido é a Conferência anual de Barnard College de 1982, que se propunha analisar a

“política sexual” do movimento. Por um lado, se desenvolve uma linha “liberal” em torno à sexualidade, com reflexões como a de Gayle Rubin. Segundo sua análise, o problema radica na hierarquização das sexualidades, situando-se arbitrariamente no ápice a heterossexualidade reprodutiva e monogâmica, enquanto que as sexualidades “desviadas” são discriminadas e condenadas. Desde este ponto de vista, o importante é conseguir uma aliança de todas as “minorias sexuais” que de uma ou outra maneira subvertem a heterossexualidade (Rubin, 1984). Este análise reduz uma vez mais o lesbianismo à sexualidade, e a sexualidade lésbica a uma sexualidade “diferente” entre muitas. Ou seja, se desvincula totalmente o questionamento político global da sociedade originalmente proposto desde o lesbianismo feminista, radical ou separatista.

Indo ainda mais longe nesta direção “pró-sexo” liberal, algumas lésbicas como Pat Califia e o grupo S/M Samois não duvidam em reivindicar abertamente o sadomasoquismo lésbico como uma maneira de empoderar-se por meio da sexualidade (Califia, 1981 y 1993 ; Samois, 1979 y 1981). Numerosas lésbicas e feministas denunciaram vigorosamente esta tendência como anti-feminista, por basear-se na tradicional erotização patriarcal da violência e da dominação. Audre Lorde por exemplo afirma : “Como mulher pertencente a uma minoria, sei perfeitamente que a dominação e a submissão não são temas próprios do dormitório.” (Lorde, 1984). Sem recusar nem a sexualidade, nem a busca do prazer, nem o erotismo (Lorde, 1993), com ela, várias autoras consideram que voltar a reger-se novamente por padrões de conduta sexual típicamente masculinos — e gays — apresentados como o “verdadeiro sexo quente”, demonstra uma queda da auto-estima das lésbicas, que há anos se propunham muito mais uma busca sexual diferente, e congruente com suas aspirações feministas. Colocam que o uso da pornografia e prostituição, embora sejam “lésbicas”, somente reforçam um imaginário patriarcal e multiplica as ambições da indústria do sexo, conduzindo por fim à exploração de mulheres e lésbicas por outras lésbicas (Jeffreys, 1996).
A esta primeira tendência, se une outra, com origens distintos — não a análise da sexualidade senão que do gênero — mas com bastante concordâncias: o pensamento queer4 (estranha/estranho), popularizado pela norte-americana Judith Butler e a italiana estabelecida nos Estados Unidos Teresa de Lauretis5.
Com forte influência pós-modernista e do pensamento gay e psicaanalítico, Butler afirma que o gênero seria uma “performance”, algo fluido, modificável e múltiplo, o que permitiria às mulheres “jogar” sobre um registro identitário variado e modificável (Butler, 1990). As e os “transgêneros”, as e os travestis, as e os transsexuais, os drags-kings e as drags-queens [12], e inclusive as e os heterossexuais dissidentes viriam a romper a trágica bipolaridade dos gêneros e a questionar sua “naturalização” [13]. Existem algumas confluências entre parte do movimento queer e as contribuições das lésbicas e feministas não-brancas, na medida em que ambas correntes possuem interesse na crítica pós-modernista do sujeito “universal” do pensamento “moderno”, que esconde exclusivamente os interesses dos homens brancos, heterossexuais e economicamente privlegiados (hooks, 1990). De Lauretis, por sua vez, faz uma reflexão desde a semiótica da imagem cinematográfica, e conceitua neste marco às lésbicas como “sujeitos ex-cêntricos “, capazes de lançar um olhar novo sobre o mundo. Na França, o primeiro grupo queer, o ZOO, formado en 1998, se inspira em Butler e trabalha a sua difusão e tradução ao francês (Bourcier, 2001 ; Preciado, 2000).
Embora o movimento queer em si não se destaque por seu caráter militante ou de rua, tem um duvidável eco ideológico, por exemplo se medimos pela multiplicação das lésbicas que querem lutar com outras “minorias sexuais”, como o atestam as referências cada vez maiores a um movimento “LGBT” (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero ou Transexuais). Porém, existe uma forte crítica feminista, como a que expôe magistralmente Sheila Jeffreys, que assinala que a perspectiva queer, bastante influenciada por imaginários sexuais e sociais masculinos e sua concepção da “liberação sexual”, tem conotações profundamente individualistas e idealistas que deixam incólumes as bases materiais da exploração, em especial da exploração das mulheres (Jeffreys, 1996). Como o escreve Barbara Smith:
“As e os ativistas queer trabalham sobre questões queer e os temas do racismo, opressão sexual, e exploração econômica não parecem interessar-lhes, apesar do fato de que a maioria das pessoas queerssejam gente de cor, mulheres e de classe trabalhadora. Quando mencionam outras opressões ou outros movimentos, é para construir um paralelismo que sustente a validez dos direitos lésbicos e gays, ou para pensar em alianças com organizações “respeitáveis” [mainstream].6Construir coalições unificadas hoje, que desafiem o sistema e em última instância preparem o caminho para uma mudança revolucionária, simplesmente não é o que as e os ativistas queer têm em mente.” (Smith, 1998).
Para concluir esta apresentação de diferentes linhas de pensamento lésbico, devo sublinhar que a realidade é muito mais complexa e que as influências recíprocas e as

misturas ideológicas múltiplas fazem bastante difícil uma definição unívoca dos grupos e movimentos. Embora sem dúvida tenha ocorrido uma acumulação de força e uma aprofundação teórica e prática do movimento lésbico com o passar de mais de quatro décadas, cada corrente perde e ganha força em ritmos diferentes e na atualidade todas co-existem, as vezes em contexto de unificação ideológica, e de persistência de profundas diferencias políticas, que se originam tanto em realidades cotidianas bastante diferentes, como em utopias divergentes.
Hoje, o lesbianismo como movimento e sobretudo como forma de vida, aflora por todas partes, cada vez mais complexo e variado. Possui — de forma mais ou menos aberta — lugares de sociabilidade e de diversão, espaços culturais e artísticos, uma importante literatura e meios de comunicação próprios, alguns espaços nas margens da instituição universitária, assim como redes políticas que se desenvolvem principalmente no marco de estratégias de visibilidade e de identidade. Essa tendência “comunitária” foi porém criticada, as vezes por seu caráter encerrador, as vezes como a expressão de um modelo gay por demais influenciado pelo movimento homossexual masculino, e outras vezes ainda como uma política reformista de institucionalização que leva à recuperação do movimento e à sua neutralização ou normalização.

A luta contra a Aids contribuiu para reforçar a organização das lésbicas, mas sobretudo muitas vezes as induziu a se aproximar novamente do movimento homossexual misto, no qual muitas vezes desaparece sua problemática própria. Em certos países ou cidades do Norte e do Sul que se contam com os dedos das mãos, foram conquistadas algumas legislações progressistas, que proíbem a discriminação por “orientação sexual” ou que reconhecem a união entre mulheres e concedem algumas das vantagens próprias da união heterossexual — embora os temas da adoção e da procriação seguem sendo problemáticos. Na França, oPACS (Pacto de união civil) foi ganho pela pressão da luta homossexual mista — na qual se destacaram as lésbicas —, enquanto que a Coordenação Nacional Lésbica (feminista e não mista) propunha uma lei específica contra a lesbofobia. No México e no Brasil, entre outros, se seguem caminhos semelhantes. Se pode a respeito falar de conquistas, mas também se pode analisar como um progressivo processo de integração social, no marco de uma despolitização geral em um mundo cada vez mais individualista,

capitalista e racista. A extensão da “cidadania” às lésbicas, aos gays, às mulheres, às pessoas negras ou indígenas pode ser vista como um objetivo de luta para a

aprofundação da democracia, tanto como uma maneira por parte do sistema de integrar e tornar leais novas capas da sociedade a um projeto neoliberal em profunda crise de legitimidade. Em todo caso, essas evoluções não devem fazer esquecer o caráter profundamente radical, subversivo e transformador de algumas propostas políticas lésbicas. Como escreviam as Radicalesbians de Nova Iorque em 1970: “A lésbica é a fúria de todas as mulheres concentrada até o ponto de explosão!”, ou a da lésbica negra Cheryl Clarke que afirma que “Ser lésbica em uma cultura tão supremacista-machista, capitalista, misógina, racista, homofóbica e imperialista como a dos Estados Unidos, é um ato de resistência — uma resistência que deve ser acolhida através do mundo por toda as forças progressistas” (Clarke, 1988).

Hoje, a feminista chilena Margarita Pisano nos interpela:
“Sem repensar um movimento lésbico, político e civilizatório, não poderemos desarticular o sistema. Sem um olhar crítico, não saberemos se é desde dentro do próprio movimento lésbico que estamos traindo nossas políticas e nossas potencialidades civilizatórias. Que custos teve essa sucessão de súplicas à maquinaria masculinista para que nos aceite e nos legitime?”

Finalmente, é preciso lembrar que em geral, o desenvolvimento do lesbianismo foi acompanhado dos avanços e retrocessos da situação das mulheres. Certamente,

houve algumas evoluções favoráveis, mas também retrocessos profundos: a miséria e a exploração das mulheres aumentou mais que nunca na história, sobretudo nos países do Sul, as religiões patriarcais foram reforçadas consideravelmente e o militarismo guerreirista domina. Seria um grave erro esquecer que muitas mulheres no mundo não estamos livres nem felizes e que, em muitíssimos lugares e em especial longe das grandes cidades, o lesbianismo segue sendo tabu, reprimido, perseguido, duramente castigado, e pode inclusive ser pretexto para o simples e vil assassinato. Portanto, resta bastante luta por diante.

Notas

[1]. Se coloca aqui uma dificuldade de tradução lingüística e política-cultural. Por exemplo, os diferentes térmos que uso neste artigo, às vezes sem aspas, como radical ou feminista, não são valorativos nem necessariamente perfeitamente exatos. Tentam ser a tradução semântica e política mais próxima (mas nunca perfeitamente fiel) dos termos com que os diferentes grupos ou tendências se reivindicam. Como estes termos provêm de diferentes contextos políticos e idiomas, e como são muitas vezes objetos de disputa política entre tendências às vezes bastante próximas, sua tradução não pode ser mais que uma aproximação.
[2]. Ao que parece, existem mais homens berdaches que mulheresberdaches, no caso das mulheres berdaches, que vivem como homens, parece que sua sociedade nunca deixa de considerá-las no fundo como mulheres, prova disso é que se dão casos de violação de mulheresberdaches por parte de homens (Mathieu, 1991).
[3]. O personagem do Poço da Solidão, Stephen, é tipicamente uma “invertida” tal como a descreve o sexólogo de então Havelock Ellis, que é amigo da autora e escreve o prefácio da novela. Se trata de uma historia na verdade, de solitária e dolorosa aceitação por parte da protagonista de uma “sorte” inamovível que pôs um espírito de homem em seu corpo de mulher. Na mesma época, Gertrude Stein escreve uma novela muito diferente, que explora as alegrias e ao mesmo tempo as complexidades das relações amorosas entre três jovens mulheres. Porém, tal novela não é publicada senão até finais do século. As lógicas da edição contribuiram para propagar por muitos anos uma imagem bastante negativa e tortuosa do lesbianismo, quando existiam desde já há muito tempo lésbicas que viviam sua sexualidade e sua vida afetiva fora das categorias da sexologia ou da psicanálise.

[4]. Colette Guillaumin, Nicole Claude Mathieu e Christine Delphy são as principais teóricas do feminismo materialista francês (outras vezes chamado “feminismo radical”). Em um de seus livros principais, Sexo, Raça e Prática do Poder, o ensaio “A idéia de Natureza”, Colette Guillaumin postula que as mulheres constituem uma “classe social de sexo” apropriada pela classe dos homens por meio da relação social de “sexaje“, seja individualmente (matrimônio heterossexual) ou coletivamente (por exemplo no caso das solteiras ou das freiras). O “sexaje” é a apropriação do corpo, dos produtos do corpo, do tempo e da energia psíquica da classe das mulheres por parte da classe dos homens. (Guillaumin, 1992, primeira publicação em 1978). Ela deriva a noção de sexaje da de “servaje (servitude)”, que era a condiçãi de quase escravidão das e dos servos da época feudal. Nicole Claude Mathieu, tanto desde a antropologia como desde a sociologia, contribuiu muito sobre as questões de consciência das dominadas e do “consentimento” à dominação, assim como à análise da articulação entre sexo, gênero e sexualidade (Mathieu, 1985, 1991). Christine Delphy por sua vez foi a primeira a analisar o trabalho doméstico gratuito das esposas como um elemento central do “modo de produção doméstico”, que também constitui às mulheres (esposas) em classe social (Delphy, 1970). As três se encontravam entre as fundadoras da revista francesa Questions Féministes nos anos 70, junto com Monique Wittig.
[5]. Da palavra serva/servo.
[6]. A revista AHLA, mencionou durante muitos anos em sua capa “Somente para lésbicas”, marcando assim seu caráter claramente separatista. Porém, se diferencia de outras formas de separatismo por sua inequívoca perspectiva materialista e busca de vínculos com outras lutas e temas. Neste sentido, publicou entre outros um dossiê sobre o dinheiro, outro contra a familia, e um excelente número sobre a opressão da gordura, entitulado “Gordura: obcessão? Não: opressão!” Em 2000, decidiu retirar de sua capa a menção “Somente para lésbicas”, em um afã de afirmar claramente sua vontade de vincular-se com outros grupos em luta.
[7]. Uso este termo “raça” por ser o que me parece menos inadequado. De nenhuma forma penso que existem “raças” no sentido racista da palavra, mas o termo “étnico” me parece refletir de maneira demasiado fraca a perspectiva de grupos e pessoas que colocam a existência do sistema racista como base da organização social, e sua destruição como um objetivo de luta impostergável.
[8]. Se poderia traduzir por “sapatão”. Grupos de dykes on bikes(sapatões motoqueiras) encabeçam às vezes as marchas do orgulho lésbico e gay.

[9]. O termo “socialista” alude aqui a lutas radicais e não social-demócratas. Por exemplo, a Coletiva do Rio Combahee escreve sua Declaração a pedido de contribuição feita ao grupo pela feminista socialista Zillah Eisenstein para sua antologia “Capitalist Patriarchy and the case for Socialist Feminism” (Eisenstein, 1979).

[10]. Para mais informação sobre grupos lésbicos centro-americanos, se podem consultar para Nicaragua, Bolt (1996), para Guatemala, ColetivoMujer-Es Somos e Rummel (1997), para El Salvador, Coletiva lésbica feminista salvadorenha de la Media Luna (1993 y 1994), e para México, entre outros textos, Hinojosa (s/f), um compêndio de artigos publicados pelos grupos Madres Lesbianas (Mães Lésbicas), Musas de metal eAmantes de la luna (2001) e uma tese recente de Alfarache Lorenzo(2000).
[11]. Para uma reflexão crítica sobre a noção de “preferência sexual“, ver Celia Kitzinger (Kitzinger, 1987).

[12]. “Transgênero” se refere principalmente a um questionamento às normas sociais de gênero (sobretudo a vestimenta e as atitudes corporais). “Transexual” tem a ver com uma transformação física (cirúrgica e hormonal). “Travesti” se associa mais com uma transformação momentânea (roupa e maquiagem), geralmente por parte de homens homossexuais. “Drag-kings”, são as mulheres ” reis” que se vestem quase caricaturescamente de homens, em simetria (sempre relativa) com as Drag-queens, homens “rainhas” homossexuais que retomam, levando ainda mais longe, o travestismo das “bichas”.
(Nota da Tradução: acho que a autora definiu mal Transgeneridade. Eu definiria mais bem como sendo a condição subjetiva de quem “atravessa o gênero”, quem se desloca da conformidade socialmente assignada de gênero ao sexo que lhe corresponderia. Pode ser traduzido em uma construção de imagem mas acho que mais que roupas, é a forma como uma pessoa se sente.

[13]. Butler questiona com razão a essencialização do gênero. Desafortunadamente, para tais fins, se apoia na “exótica” literatura francesa mais misógina que existe (psicanalítica e foucaultiana). Além disso, muitas feministas dentro e fora dos Estados Unidos já haviam chegado a este questionamento muitos anos antes com uma sustentação bastante mais sólida e materialista. Porém, frente ao crescente conservadorismo e despolitização do feminismo, especialmente dentro de alguns

departamentos de Gender Studies e “Estudos de Gênero”, seu trabalho vem a reforçar a corrente crítica que tanto necessitamos.

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Este livro se terminou em setembro de 2004 e foi realizado pelas mulheres da oficina de fem-e-libros / creatividadfeminista.orghttp://www.creatividadfeminista.net

autoras@creatividadfeminista.org

tradução ao português por hembrista@riseup.net

1Eu não gostei de como ela colocou aqui, como se os movimentos lésbicos fossem devido a duas intelectuais! O lesbianismo separatista estadunidense e o lesbianismo radical francês assim como outros movimentos lésbicos foram devido a toda uma sorte de jornais, publicações, ensaios, manifestos e ações práticas de lésbicas das quais temos recordação por conta do que deixou escrito, publicado, fotografado. Uma boa referência disso é o site http://lesbianseparatist.tumblr.com/, que exibe grande arsenal de imagens e trechos de publicações, livros, ensaios, sobre o separatismo lésbico estadunidense e outros. Se duas autoras foram as mais traduzidas e difundidas não quer dizer que sejam elas as fontes dos movimentos lésbicos, que surgiram das ruas e de um esforço coletivo, sendo que boa parte dessas lésbicas permaneceu anônima, escrevendo e publicando sob nomes de coletivos e grupos. É de certa forma desmerecer essa história. Porém considero acertado colocar como exemplos, um ao lado de outro, Rich e Wittig como pensadoras paradigmáticas de ideologias que representaram as tendências principais no pensamento lésbico: o feminismo lésbico, por um lado, anglo-saxão, com Rich, que reforça o laço com feminismo e se reivindica na identidade ‘mulher’, e o lesbianismo radical, por outro, representado por Wittig que representou a separação do feminismo e da categoria política mulher, representado no uso independente da identidade lésbica. (N.T.).

2Numa tradução aproximada do termo “Straight” inglês, “O Pensamento Direito”, “Careta” ou “Estrito”, “Quadrado”. É uma gíria popular aplicada a pessoas de ‘orientação sexual’ heterossexual. Straight também se traduz por estrito, por rígido, certo, quadrado, e mesmo tendo sido publicado em francês, ela emprestou a expressão “Straight” do inglês para fazer essa referência. (N.T.)

3Novamente, não sei se é certo dizer que uma pessoa só “criou” o Separatismo lésbico nos Estados Unidos. Grupos separatistas feministas (heterossexuais) já haviam existido antes, que pregavam o celibato sexual como o Cell 16. Mas acho certo dizer que a autora em questão se usou da ideia de Nação Lésbica para dizer que lésbicas constituíam-se numa nação, que é da onde vem a ideia de separatismo. Porém pode apenas ter sido uma intelectual que sintetizou tendências já em andamento no movimento lésbico numa obra escrita. Para mim o que levou lésbicas a se separarem do feminismo era a lesbofobia do mesmo. (N.T.)

4Outra tradução possível também poder ser “bizarro”, “anormal”, “anômalo”, “diferente”. Queer é a forma de se referir genericamente às pessoas gays, lésbicas, travestis, trans, no inglês (N.T.).

5Teresa de Lauretis inventou o termo teoria queer, porém o abandonou e denunciou que o mesmo agora representa uma tendência neoliberal. (N.T.)

6Acho mesmo que usam boa parte de teorias lésbicas principalmente, de negras, mulheres de cor, tercermundistas, que foram citadas, para endossar o conceito da ‘interseccionalidade’, que não passa de um dos métodos camuflados de tentarem desmantelar o feminismo e colocar todas mulheres numa ‘guilt-trip‘ e ‘revisão de privilégios’ inúteis, em políticas de identidade e outras confusões. Usam a ideia das diferenças dentro do feminismo para desmantelar conceitos como os de sororidade e até mesmo a possibilidade das mulheres se articularem por meio da categoria política ‘mulher’ (N.T.)

Resistência Sexual nos arranjos heterossexuais

10-Jan-15

Manifesto do Coletivo Sulista de Escritura de Mulheres.

Lido na Cidade de Nova Iorque, em Abril de 1987, na conferência entitulada “Os liberais sexuais e o Ataque ao Feminismo”.

 

Em contraste com o movimento pró-sexo, nós estamos chamando à nós mesmas Mulheres contra o Sexo (WAS). Para algumas de nós, isso vem sendo uma longa caminhada. Esta análise evoluiu do nosso trabalho como feministas radicais no movimento anti-pornografia. Tomamos a sério as estatísticas sobre o dano sobre as mulheres. Mulheres são danificadas por atos sexuais na Sexualidade. A evidência é assombrosa. Especificamente, nossa análise reflete a conclusão de que pornografia é sexo. Estamos oferecendo uma teoria que descreve a prática da sexualidade no nível de interação e conflito de classe, isto é, num nível político. Queremos enfatizar que ambos em uma apresentação curta e em nosso panfleto “WAS fala”, nós não estamos querendo descrever ou re-descrever as experiências sexuais vividas de todas mulheres. (Nós sabemos que essas experiencias são vividas de várias formas, indo desde a mais alegre à mais humilhante e à assassina); que nós acreditamos que realidade política se conecta com a experiência e psicologia individual e pessoal de cada mulher. Nós não acreditamos que há qualquer fórmula estática que capture essa conexão. Nós oferecemos à comunidade feminista radical uma análise de uma prática: sexualidade, que nós acreditamos ser a causa raíz da subordinação política das mulheres.A prática da sexualidade é tudo que torna socialmente possível ter sexo, isto é, nossa prática de sexualidade é tudo que faz os atos sexuais socialmente ocorrerem e socialmente reais. A prática inclui papéis de gênero: a feminilidade e masculinidade [1] sociais. Esses papéis funcionam para fazer os atos sexuais parecerem naturais e inevitáveis mesmo se eles não o são. Os atos sexuais são centrais para a prática da sexualidade. Os atos sexuais são aqueles atos que homens como um gênero construíram como genitalmente estimulantes ou satisfatórios.

 

Atos sexuais são aqueles atos cujos significados sociais aparentes produzem excitação masculina. Historicamente esses atos vem incluindo: estupro, estupro marital, foot-biding [2], felattio, intercurso[3], auto-erotismo, sexo forçado, estupro de crianças, incesto, espancamento, intercurso anal, uso e produção de pornografia, proxenetismo e outro uso de pessoas prostituídas, cunnilingus, assédio sexual, tortura, mutilação, e assassinato.

 

Para mulheres, esses atos estiveram algumas vezes foram buscados em amor e por meio de desejo e às vezes evitados e resistidos em talvez um nascente despertar da sua função política anti-mulher. A arena material para a orientação de mulheres adultas na sexualidade em geral e atos sexuais em particular foi sendo geralmente heterossexual. Nosso foco neste artigo é na mulher em tais arranjos heterossexuais.

 

Nós acreditamos que a prática da sexualidade é totalmente socialmente construída pelos poderes dos homens como uma classe sexual. Nós não acreditamos que isso é nem uma maldição da biologia nem um presente de Deus. Tampouco acreditamos que é um projeto cooperativo de gênero entre mulheres e homens.

 

Nós acreditamos que a prática é animada por uma dinâmica erotizada de dominância masculina e submissão feminina. O que faz a prática viva e respirar, o que ilumina sua vida social é a hierarquia de classe, ou social _top-bottomism_ (sadomasoquismo) [4]

 

Nós acreditamos que o objetivo concomitante ou, mais propriamente, a função da prática da sexualidade é a subordinação das mulheres.

 

Acreditamos que essa dinâmica de dominação masculina e submissão feminina e essa função concomitante de subordinar mulheres identifica essa prática em um nível político. Deste modo, em nossa análise, qualquer ato informado por uma prática que não tem essa dinâmica e essa função e isso quer dizer, qualquer ato informado por uma prática que não subordina mulheres iria literalmente não ser um ato sexual, mas outra coisa. Sucintamente, se não subordina mulheres, não é sexo.

 

Não aquiecer às necessidades masculino-construídas deve ser chamado de evitação sexual. Mulheres aprendem a reconhecer mesmo sinais sutis do desejo masculino e aprenderam suficientemente como evitar se tornar disponível à este a ponto de conseguir tornar a menção à “dores de cabeça” uma piada comum masculina.  Logo, mulheres TEM de fato dores de cabeça e se vestem e se despem em closets, deliberadamente ganham ou perdem peso, se tornam alcóolatras, desenvolvem outras drogadições, cuidadosamente orquestram agendas e tentam evitar toda comunicação que possam insinuar intimidade.

 

A evitação histórica de sexo pelas mulheres pode, com uma consciência feminista, se tornar um ato de resistência sexual. A resistente sexual entende seu ato como um ato político: seu fim não é somente integridade pessoal para si mesma, mas liberdade política para todas as mulheres. Ela resiste de três formas: ela resiste todas necessidades masculino-construídas, ela resiste a equivocada nomeação de seu ato como puritanismo e ela especialmente resiste à tentativa patriarcal de fazer mais fácil o trabalho de subordinar mulheres por consensualmente construir seu desejo em sua própria imagem opressiva. Um bom exemplo de uma tentativa bem sucedida do patriarcado de alçar-se entre mulheres, de nos foder/construir-nos de dentro pra fora é mostrado nesta carta à Ann Landers :

 

Querida Ann,Uma carta que apareceu na sua coluna há alguns dias atrás poderia ter sido escrita por mim: mesmo número de crianças, casada pelo mesmo número de anos e, aliás, mesmo problema. Para pessoas de fora nós parecíamos ser um casamento perfeito: era o ideal. Exceto quando se falava sobre sexo. Eu evitava isso o quanto eu podia, e tolerava isso quando eu tinha que passar por isso. Então o inevitável ocorreu: uma pequena vagabunda no escritório de Tom se jogou pra cima dele. O dia que ele me contou que eu não teria que me incomodar mais com sexo porque ele tinha uma boa substituta, eu quase morri. Eu fui ao meu médico e pedi por ajuda. Ele me recomendou que eu fosse à um psicólogo e me sugeriu dois livros que, dez anos antes, teriam sido banidos por serem pornografia hardcore. Bom Ann, seu conselho salvou meu casamento. Eu decidi ser o agressor, algo que eu nunca havia sido antes. Então eu pûs em prática o que havia lido nestes livros. Meu marido estava impressionado e também estava eu. Pela primeira vez, eu desfrutei o sexo. Nós desenvolvemos um esplêndido relacionamento na cama, e não havia mais sinais da vadia. Eu agora sei que eu era frígida porque eu era ignorante e puritana, mas tudo aquilo está acabado agora e eu estou mais feliz hoje que eu estaria em toda minha vida. Por favor imprimam esta carta se vocês acham que isso pode ajudar a alguém mais.

 

Esposa Esclarescida

 

Isto foi primeiramente revelado em 1974; E foi justamente reimpresso em fevereiro de 87. A carta e a resposta nunca questionaram a prática da sexualidade e a forma que a prática impede as opções merecidas da esposa.

 

A escolha inicial autônoma desta mulher era uma de evitação sexual mas esta escolha era vista como não válida. Ela fez sua segunda escolha sob a ameaça de perder seu marido. Ela foi ensinada a desejar o prazer sexual masculinamente construído. A normalidade de tal coerção do desejo faz o requerimento de que nossa sexualidade é nossa, falso. Enquanto o preço de não escolher sexo é o que no presente é para qualquer mulher, sexo é de fato compulsório para todas as mulheres.

 

Sexo é compulsório para todas as mulheres porque o preço de não escolher isso é invalidez social e exclusão. Não há lugar socialmente estimado ou lugar neutro para as mulheres que não forem aquiecer à alguém em algum momento de alguma forma.

 

Por definição masculina, os relacionamentos que baseiam nosso self social, senso de eu e valor próprio são um pacote de medidas, com amor, segurança, apoio emocional e sexo todos indo juntos. Seu valor como um pedaço de cú se torna claro quando você pára de ser aquele pedaço.

 

A resistente sexual entende que por baixo da etiqueta de incompatibilidade sexual, por baixo da mistificação está a verdade da equação política: mulher equivale sua capacidade como uma vagina. A resistente sexual traz essa equação oculta à vista, arrastando toda prática da sexualidade à luz de escrutínio feminista.

 

A resistente sexual recusa aceitar o pacote de medidas do desejo masculino. Ela demanda o direito de não seguir o preceito sexual que diz “ceda ou caia fora”.

 

A resistente sexual deve ter o direito de manter todos aqueles aspectos não-sexuais, não subordinativos de sua relação que tem valor pra ela.

 

Resistência sexual foi renomeada e ridicularizada como puritanismo, virginidade e incompatibilidade sexual. [5]

 

Resistência sexual foi um chamado histórico à autenticidade feminista. Isto é o que muitas mulheres vieram fazendo quando demonstraram suas reivindicações de integridade, possessão própria de nossas vidas e corpos.

 

Isto faz a fala da recusa silenciosa das mulheres em validar e valorizar o desejo masculinamente construído. Por performar o ato político de resistência sexual, o desequilíbrio de poder é desafiado e a prática da sexualidade exposta.

 

Eu acredito que os atos de resistência sexual podem ser parte do processo de transição que irá desmantelar a prática da sexualidade.

 

***

 

 

retirado de http://sisyphe.org/spip.php?article4127

 

Notas da tradutora:

 

[1] Estava originalmente como “the social femaleness and maleness”, traduzi como feminilidade e masculinidade, apesar de que feminilidade seria em inglês ‘feminity’, não há uma tradução para femaleness e maleness, que indica um estatuto de sexo desses sujeitos. Aceito comentários.

[2] Foot-Binding: Enfaixamento dos pés, prática realizada na China até a revolução chinesa, e em algumas partes do país ainda permanece o costume de atrofiar os pés de crianças nascidas meninas até a idade adulta, de forma que tenham os pés pequenos, que é considerado sexualmente excitante para os homens nessa cultura. Mulheres que não tivessem os pés assim não poderiam conseguir casar-se futuramente, assim que as mães já os enfaixavam desde pequenas. Os pés vão crescendo deformados e as mulheres apresentam no futuro, enormes complicações, dores na coluna e dificuldades de movimento. O texto faltou comentar na minha opinião outras práticas parecidas, como por exemplo a mutilação do clitóris em países africanos de influência mulçulmana, ou a prática existente em muitos países de Ásia e Oriente médio e África, do casamento infantil. O que comentar sobre os brincos que são postos nas meninas quando nascem para identificá-las enquanto meninas? Dá pra não ler feminilidade como proxenetização de meninas desde que nascem para serem vendidas futuramente como mulheres no contrato sexual patriarcal?  Estas são práticas erotizadas, são atos sexuais. Como Mackinnon coloca, sexo no patriarcado é o desejo em sua forma de gênero. A generização da sexualidade é a sexualidade da desigualdade, a Heterossexualidade, a sexualidade patriarcal que é arma de extermínio e guerra contra as mulheres. Femicídios, incesto, abuso, são práticas sexuais masculinas.

[3] Intercurso: Pênis na Vagina, a sigla nas discussões feministas radicais vem sendo PIV (pênis na vagina).

[4] ‘Top-Bottonism’: Um neologismo com a idéia da dinâmica ‘top-bottom’ (dominante-submissivo) do BDSM (sadomasoquismo).

[5] A autora parece ter se esquecido de mencionar a acusação de lesbianismo, que é também severamente punido. Outra forma de endorsar [hetero]sexualidade compulsória.

Aliás acredito que a sexualidade aqui neste artigo poderia ser perfeitamente entendida e lida em termos de heterossexualidade compulsória. Se a heterossexualidade é compulsória e de força de coerção social, pode-se falar em escolha?

REDSTOCKINGS MANIFESTO

10-Jan-15
REDSTOCKINGS foi um dos grupos fundadores do movimento de libertação das mulheres dos 60, nos Estados Unidos. O nome é um neologismo tomado do termo “bluestockings” (“meias azuis”), que se costumava aplicar às mulheres intelectualizadas no século XIX, aqui modificado para “redstockings” (meias vermelhas), que aí se reivindicava como sendo a cor da revolução.Caracterizadas por ações como demonstrações públicas, teatro de rua, ações diretas, e por difundirem um periódico próprio, o “Feminist Revolution” (Revolução Feminista), a organização surgiu de um grupo de feministas radicais que se opunham ao feminismo liberal como o representado pela Organização Nacional de Mulheres (NOW), que viam como una forma de avançar o movimento de mulheres unicamente em termos de reformas institucionais. Hoje em dia as membras remanescentes do grupo mantém um projecto de disponibilização do arquivo histórico produzido pelo mesmo, chamado “História para Uso Ativista”. Algumas coisas podem ser obtidas no website http://www.redstockings.org, de onde foi extraído o manifesto que segue.

***

 

REDSTOCKINGS MANIFESTO, 1969

 

I. Depois de centenas de lutas individuais e lutas preliminares políticas, as mulheres estão se unindo para alcançar sua libertação final da supremacia masculina. Redstockings dedica-se a construir essa unidade e conquistar nossa liberdade.

II. Mulheres são uma classe oprimida. Nossa opressão é total, afetando cada faceta de nossas vidas. Somos exploradas como objetos sexuais, criadoras, serventes domésticas e trabalho barato. Somos consideradas seres inferiores, cujo único propósito é melhorar a vida dos homens. Nossa humanidade é negada. Nosso comportamento prescripto é forçado pelas ameaças de violência física.

III. Identificamos os agentes da nossa opressão como homens. A Supremacia Masculina é a mais antiga e a mais básica forma de dominação. Todas as demais formas de exploração e opresão (racismo, capitalismo, imperialismo, etc) são extensões da supremacia masculina: homens dominam mulheres, uns poucos homens dominam o restante. Todas estruturas de poder ao longo da história foram homem-dominadas e masculino-orientadas. Os homens estiveram controlando todas instituições políticas, econômicas, políticas e culturais e mantiveram esse controle com força física. Eles usaram o poder para manter às mulheres em uma posição inferior. Todos os homens recebem benefícios econômicos, sexuais e psicológicos da supremacia masculina. Todos homens vieram oprimindo às mujeres.

IV. Tentativas foram feitas para mover a carga de responsabilidade dos homens para instituições ou para as mulheres. Nós condenamos esses argumentos como evasões. Instituições sozinhas não oprimem; elas são meramente ferramentas do opressor. Culpabilizar instituições implica que homens e mulheres são igualmente victimizad@s, e isso obscurece o fato de que os homens se beneficiam da subordinação das mulheres, e dá aos homens a desculpa de que eles foram forçados a serem opressores. Pelo contrário, qualquer homem é livre para renunciar sua posição superior, sempre que esteja disposto a ser tratado como uma mulher por um outro homem.

‎Nós também rejeitamos a idéia de que mulheres consentem ou que devem ser culpadas por sua própria opressão. A submissão das mulheres não é o resultado de lavagem cerebral, estupidez ou enfermidade mental mas pelo contrário, resulta da pressão diária vinda dos homens. Nós não necessitamos mudar a nós mesmas, os homens que sim o devem.

A mais caluniosa evasão de todas é a de que as mulheres podem oprimir aos homens. A base desta ilusão é o isolamento das relações individuais de seus contextos políticos e a tendência dos homens a ver em qualquer desafio legítimo a seus privilégios uma perseguição.

V. Consideramos nossa experiência pessoal, e nossos sentimentos sobre essa experiência, como a base para uma análise da nossa situação comum. Não podemos depender das ideologias existentes uma vez que são todas elas produtos de uma cultura supremacista masculina. Nós questionamos cada generalização e não aceitamos nenhuma que não esteja confirmada pela nossa experiência.

Nossa tarefa principal no presente momento é a de desenvolver consciência de classe feminina por meio da experiência compartilhada e expondo publicamente a fundação sexista de todas as instituições. Os grupos de autoconsciência não são “terapia”, conceito que supôe a existência de soluções individuais e falsamente assume que as relações homem-mulher são puramente pessoais, se trata sim do único método pelo qual podemos assegurar que nosso programa para a libertação está baseado em realidades concretas de nossas vidas.

O primeiro requisito para criar consciência de classe é a honestidade, no privado e no público, com nós mesmas e com as demais mulheres.

VI. Nos identificamos con todas as mulheres. Definimos nosso melhor interesse como sendo o das mulheres mais pobres, as mais brutalmente exploradas brutalmente exploradas. Repudiamos todos privilégios econômicos, raciais, educacionais ou de status que nos dividem das demais mulheres. Estamos determinadas a reconhecê-los e eliminar qualquer discriminação que possamos ter com nós mesmas e com as demais mulheres.

Estamos comprometidas a alcançar democracia interna. Faremos o que for necessário para assegurar que cada mulher em nosso movimento tenha oportunidades iguais de participar, assumir responsabilidade e desenvolver seu potencial político.

VII. Convocamos todas nossas irmãs a unirem-se com nós em luta.

Convocamos a todos os homens a deixarem seu privilégio masculino e apoiar a libertação das mulheres para o interesse da humanidade e delas mesmas.

 

Lutando por nossa libertação nós sempre tomamos o lado das mulheres contra seus opressores. Não vamos perguntar o que é “revolucionário” ou “reformista”, e sim somente o que é melhor para as mulheres.

 

O tempo das pequenas batalhas individuais passou. Agora vamos até o fim.

 

(7 de Julho de 1969).

Dez mentiras sobre sadomasoquismo

10-Jan-15

Dez mentiras sobre sadomasoquismo por Melissa Farley — Media Watch

1. Dor é prazer; humilhação é desfrutável; bondage é libertação.
2. Sadomasoquismo é amor e confiança, não dominação e aniquilação.
3. Sadomasoquismo não é racista nem antissemita mesmo quando a gente ´encena´ senhores de escravos e africanos escravizados, nazistas e judeus perseguidos.
4. Sadomasoquismo é consensual; ninguém se machuca se você não quer se machucado. Ninguém nunca morreu por ‘cenas’ sadomasoquistas.
5. Sadomasoquismo é apenas sobre sexo. Isso não se estende pro resto da relação.
6. Pornografia sadomasoquista não tem relação com a sociedade sadomasoquista em que vivemos. “Se isso te faz bem, vá em frente.” “Nós criamos nossa própria sexualidade.”
7. Lésbicas “no sadomasoquismo” são feministas, devotadas a mulheres, e uma comunidade apenas de mulheres. Pornografia lésbica é “por mulheres e para mulheres”.
8. Uma vez que lésbicas são superiores a homens, nós podemos “jogar/atuar” com sadomasoquismo numa forma libertária que heterossexuais não podem.
9. Atuar novamente o abuso o cura. Sadomasoquismo restaura (cura) injúrias emocionais vividas em assalto sexual da infância.
10. Sadomasoquismo é dissidência política. É progressivo e até “transgressivo” naquilo que quebra as regras da ideologia sexual dominante.

Embora formulada por seus atuais advogados como uma questão de libertação sexual, direitos de uma minoria, ou mesmo terapêutico, eu considero sadomasoquismo lésbico a ser primariamente uma questão de éticas feministas. Eu acredito que lésbicas que abraçam sadomasoquismo, seja teoricamente ou na prática, estão apoiando o sangue nutriz do patriarcado. “Os símbolos, linguagem e estilo das lésbicas-chiques sadomasoquistas são os símbolos, linguagem e estilo da supremacia masculina: violação, impiedade, intimidação, humilhação, força, ridicularização, consumismo.” (De Clarke, 1993).
Escolher sadomasoquismo, dada nossa opressão, é um ato de profunda deserção. As ideias sobre as quais estou escrevendo agora não são novas (por favor, veja as referências no final desse artigo), mas esperançosamente elas serão úteis como sumário que poderá ser usado por feministas, pra que vejam que muito do que sadomasoquistas clamam simplesmente não é a verdade.

Mentira #1: Dor é prazer; humilhação é desfrutável; bondage é libertação.

Isso é uma grande mentira. Parte da razão pela qual nós estamos vulneráveis a essa mentira é que muitas de nós fomos criadas em uma cultura em que noções religiosas de que punição é amor e sofrimento é redenção. Uma jovem conhecida que militava no time da tripulação me mostrou uma camiseta que dizia: “O que não me mata me fará mais forte.” Como mulheres nós somos ensinadas que amor é devoção, desprendimento de si a despeito da dor sofrida. Nós acreditamos que amor é dor porque nós continuamos nos machucando nele. Mulheres são ensinadas a não acreditarem em seu senso ou intuição. Nós somos ensinadas que dor, sofrimento e humilhação são desafios pelos quais devemos ansiar porque eles ensinam coisas importantes na vida. Depois disso, o que eles poderão fazer a nós, a que mais não podem eles nos ambientar? Nós aprendemos a “consentir” com subordinação, até nos tornarmos culturalmente subservientes a isso. Se correntes e uma coleira representam rebelião e “estar no controle,” então Madonna é nossa “rebelde” Barbie e Ted Bundy seu Ken. (from Morgan, 1993)

Mentira #2: Sadomasoquismo é amor e confiança, não dominação e aniquilação.

Sadomasoquismo tem a ver com aniquilação. Contrariamente à lenda popular de que sadomasoquismo expande a sexualidade de alguém, acredito que só restringe e em últimas consequências destrói um ser sexual. Subordinação, humilhação, e tortura são todos sinais de deliberadamente destruir o eu. Eu recentemente li um artigo sobre a forma que o patriarca do Texas, Koresh, juntava “sexo, violência, amor e medo” de forma a controlar os membros de seu culto. Essas técnicas não são novas; pessoas têm por muito tempo machucado umas às outras em nome do amor, religião e políticas. O sadomasoquismo lésbico de hoje em dia está todo vestido de uma nova roupagem: o figurino de uma “escolha de estilo de vida,” “minoria oprimida[/marginalizada],” “liberação sexual.” Apesar da violência que revira meu estômago, eu aprecio a honestidade de Jan Brown que dá recorte à retórica liberal sobre os prazeres do sadomasoquismo, e atinge o cerne da questão. Num artigo de Outlook, 1990, intitulado, “Sexo, Mentiras e Penetração, uma Butch finalmente ‘confessa’”, Brown escreve: “Sexo que é gentil, passivo, igualitário, não nos move. [Lembram-se quando nós] enfatizávamos a simples diferença entre fantasia e realidade? Bem, nós mentimos. O poder não é a habilidade de controlar uma imagem violenta. Ele está na volúpia de ser dominado, forçado, machucado, usado, objetificado. Nós nos masturbamos com o estuprador, Hell’s Angel, papai, o nazi, o policial. Nós sonhamos com o sangue de alguém nas nossas mãos, com risos e choros por piedade. Algumas vezes, nós queremos nos abdicar nas mãos do enforcador. Nós queremos ter liberdade pra ignorar o ‘não’ ou ter nosso próprio ‘não’ ignorado”.

Mentira #3: Sadomasoquismo não é racista nem antissemita, mesmo que nós “atuemos” como proprietários de escravos e africanos escravizados, nazis vs judeus perseguidos.

Meu silencio sobre sadomasoquismo lésbico terminou quando eu vi duas sadomasoquistas antissemitas num festival de mulheres. Uma das mulheres que vestia um yarmulke estava caminhando como um cachorro presa por uma coleira em seu pescoço, levada por uma mulher em “couros” nazistas. Quando eu protestei, a mulher em couro polidamente ouviu e concordou em remover sua própria insígnia nazista e yarmulke do sua cativa. Eu tive a impressão de que ela nunca sequer considerou as implicações políticas, isto é, o antissemitismo, da “cena” que ela estava atuando. Identificar-se como/com um/a nazi (seu uniforme), em qualquer contexto, é se identificar não somente como uma sadica sexualmente dominante, mas também como alguém que odeia judeus, alguém que quer que judeus sofram e sejam aniquilados. Mascarar-se como uma judia, (vestindo um yarmulke), presa a uma correia, não somente é se identificar como masoquista sexualmente submissa. É também abraçar a humilhação e a tortura dos judeus sob nazis e o antissemitismo: o judeu é aquele que se machuca, e aqui, veja como ela gosta disso. Alguns jornais gays liberais “censuram” anúncios da KKK, mas ainda publicam anúncios pessoais para leitores procurando por negros, ou latinos ou asiáticos escravos sexuais. Racismo parece ser mais aceitável a eles se este é erotizado. De alguma forma, se erotizada, a humilhação, sadismo e tortura do racismo e antissemitismo se tornam aceitáveis. Tortura sempre tem um componente sexual para isso. Se uma feminista radical desafiar o mesmo jornal na questão do sadomasoquismo, nós somos chamadas de “censuradoras.” Toda a questão de censura é usada pra intimidar-nos e silenciar diálogo crítico sobre sadomasoquismo.

Mentira #4: Sadomasoquismo é consensual; ninguém se machuca se você não quer ser machucado. Ninguém nunca morreu por ´cenas´ sadomasoquistas.

“Esse é o foco no desejo do bottom (submissa/o) que distingue sadomasoquismo de assalto.” (Califia, 1992) É de alguma forma OK consentir com a própria humilhação e vitimização de alguém? Eu não creio. Só porque nós “consentimos” à dominação ou abuso, não significa que esta não é opressiva. “Pode uma mulher que fugiu de um assalto sexual pelo seu pai e acabou fazendo programa por sobrevivência ter consentido? Pode uma mulher que aprendeu lições sexuais do incesto ter consentido com uma sexualidade na qual ela não obtém nenhum prazer uma vez que ela não possui poder?” (Cole, 1989) Uma sobrevivente de abuso ritual, tendo passado por sua própria Inquisição na infância, pode ter consentido quando ela re-atua tortura sexual na idade adulta, o que aciona suas memórias enquanto adulta? A habilidade de machucar com palavras não deveria ser subestimada. A injúria do estupro é trazida de novo pelas palavras, armas, que nos definem como objetos e que nos dizem que nós merecemos qualquer coisa que tomamos. O auto-ódio das mulheres resulta tanto de assaltos verbais como de físicos. Alguma forma de abuso verbal está envolvida na maior parte das cenas sadomasoquistas. Quando essas palavras viciosas são transportadas pra um contexto de excitação sexual, elas possuem um impacto poderoso. Palavras sexuais sádicas contribuem para a auto-depreciação da mulher. Sádicos falam da boca pra fora de consenso, ignoram os sistemas poderosos que criam desigualdade e tornam consenso significativo impossível. Nessa cultura nós não temos experiência de relacionamentos com igualdade de poder. “Não é o reconhecimento de todo o sadomasoquismo que ainda há em nossas psiques que entra em conflito com feminismo, o que nós temos um problema com é a falta de vontade de refletir seus significados políticos.“ ( Fritz, 1983) Violência extrema algumas vezes ocorre durante “jogos” sadomasoquistas. Eu fui informada de muitas instâncias onde palavras de “segurança” foram ignoradas durante a “cena” sadomasoquista. Eu também soube que mulheres já morreram durante atividades sadomasoquistas e que essas mortes somente são abafadas – elas não são amplamente reconhecidas.

Mentira #5: Sadomasoquismo é apenas sobre sexo. Isso não se estende pro resto da relação.

Sadomasoquismo tem tudo a ver com sexismo, racismo e classe no mundo real. É muito relacionado à auto-hostilidade internalizada. Uma membra da Samois escreveu:”Para ser um bom bottom [masoquista], para agradar minha amante, é um sentimento muito poderoso. As lições que aprendi na minha cama, elas podem levar a outros aspectos da minha vida e ver como isso me faz poderosa…para aproveitar cada momento do que eu estou fazendo.” (Linden et al., 1982) Eu vejo lésbicas abraçando a hierarquia de dominação/submissão que feministas gastaram suas vidas todas tentando eliminar nas relações heterossexuais. Assim como o racismo e antissemitismo são erotizados no sadomasoquismo, a dominação e sexismo em si mesmo são erotizados nas relações sadomasoquistas. O relacionamento sexual sádico estabelece o tom pro resto da relação. Submeter-se e desistir durante um desacordo, por exemplo, se torna um ato sexual. E a violência física real pode, e de fato ocorre, como natural extensão de desigualdade na relação sexual. Bater em alguém é usualmente um ato sádico. Assédio e estupro ocorrem em relacionamentos lésbicos – e eles são normalizados pelos modelos sexualmente dados. O sarcasmo coercitivo e dominante do sadista é algumas
vezes forçado pra dentro de nossas comunidades. Em 1988, eu postei uma notícia para uma oficina chamada “Os efeitos das práticas sexuais sadistas/violentas em não participantes: um grupo de suporte; fechado para participantes sadomasoquistas e advogadores.” Assim que um pequeno grupo de nós sentou no chão e começou a conversar, seis ou sete mulheres com chicotes vieram e ficaram, de braços cruzados, atrás de nós. Elas não disseram nada; a intenção de intimidar estava clara. Outro exemplo dos efeitos penetrantes do sadomasoquismo numa comunidade ocorreram em 1990, quando os organizadores de um largo festival de mulheres escreveram sobre como atividade sadomasoquista de algumas mulheres infringia no direito de outras mulheres de “se moverem livremente e seguramente sem medo e horror.”

Mentira #6: Pornografia sadomasoquista não tem relação com a sociedade sadomasoquista em que vivemos. “Se isso te faz bem, vá em frente.” “Nós criamos nossa própria sexualidade.”

Nós internalizamos fantasias sadomasoquistas porque esta é a sexualidade quenos foi empurrada pelas gargantas desde o dia em que nascemos. Como mulheres fomos criadas pra sermos as “bottoms:” lésbicas “bottoms” tendem a exceder “tops” [sádicas] de 10 pra 1. “O que te faz bem” é largamente construído pela opressão social: racismo, sexismo, classismo. Nós nascemos com uma sexualidade inata onde nenhum desses
elementos são aprendidos ou manipulados. Mesmo que muitos liberais, advogadores pró-pornografia neguem qualquer relação entre sadomasoquismo e a violência no resto da cultura, já não é mais possível descontar os efeitos causais da pornografia na violência contra mulher. Diana Russell recentemente publicou um sumário de pesquisa sobre as formas em que pornografia foi mostrada pra causar prejuízo às mulheres. (Russell, 1993) Eu acredito que seu argumento pode ser aplicado a pornografia lésbica exatamente da mesma forma: pornografia, seja hétero ou lésbica, promove desigualdade e erotiza os relacionamentos desiguais. Atualmente, assim como nossos hábitos de comer, sexualidade é completamente condicionável. Quando nós ensaiamos abuso sadista na fantasia, pornografia, e jogos sexuais, nós legitimamos sua autoridade em nossas mentes, e podemos acabar ajudando outras autoridades nas nossas vidas a manter-nos em sujeição de outras formas. Sadomasoquismo está por toda parte nessa cultura – só dê uma boa olhada no seu lugar de trabalho, sua família, sua igreja.

Mentira #7: Lésbicas “no sadomasoquismo” são feministas, devotadas a mulheres, euma comunidade só-mulheres. Pornografia lésbica é “por mulheres e para mulheres”.

Pat Califía disse que preferia estar fixada numa ilha deserta com um garoto masoquista do que com uma lésbica baunilha. Bottoms são vistos como “genéricos, trocáveis, e substituíveis.” (Califia, 1992) Califia está comprometida com a regra do sadista, não com qualquer preferência sexual particular.” Sexo definido como uma commodity/mercadoria [sadomasoquismo] leva ao mercado onde o gênero de uma prostituta e cliente é irrelevante comparado ao tipo e custos dos serviços providos.” (Clarke, 1993) Enquanto lésbicas que estão “no sadomasoquismo” definem a si mesmas como lésbicas, suas práticas sadomasoquistas são bissexuais. Eu não tenho nenhuma crítica política à bissexualidade – o que eu estou criticando é a postura sadomasoquista como sendo a de lésbicas devotadas da comunidade de mulheres. Pornografia pseudolésbica, isso é, fotos de mulheres que estão imitando comportamentos ´lesbianos’, tem sido um elemento favorecido na pornografia masculina heterossexual desde que esta foi primeiramente publicada. Ela vende. Apesar do fato de que esta é muitas vezes promovida como sendo de autoria e distribuída por e para mulheres, pornografia “lésbica” vende vorazmente a homens héteros.

Mentira #8: Uma vez que lésbicas são superiores a homens, nós podemos “performar” com sadomasoquismo numa forma libertária que heterossexuais estão impedidos.

Eu não penso que mulheres são biologicamente superiores a homens. De fato, eu vejo essa noção como perigosa e reacionária: “Anatomia é destino” não é exatamente uma ideia feminista. Atitudes e comportamentos sadistas e masoquistas entre lésbicas, de fato, são bom exemplo de como nós internalizamos ideias abusivas assim como todo mundo faz. Nós estamos seduzidas pela dominação masculina – porque nós vemos que é ali que poder reside. A gente ainda se ilude se pensarmos que é possível “encenar” o estuprador sem se tornar o estuprador.

Mentira #9: Re-atuar o abuso o cura. Sadomasoquismo restaura injúrias emocionais em assalto sexual da infância.

Isso é uma mentira e realmente me perturba. Uma grande porcentagem de mulheres “no sadomasoquismo” têm histórias de assalto sexual na infância, do que aquelas que não são participantes em sadomasoquismo. Mesmo assim, sadomasoquismo obscurece a verdadeira dor e abuso de mulheres. Como pode você dizer que a diferença entre “real” e “fingido” quando alguém tem flashbacks e se torna a criança de novo no meio da tortura sexual “consensual”? Algumas sentem um desejo intenso, até mesmo compulsivo em torno da aniquilação sexual que é expressa em atividade sadomasoquista que espelha o abuso sofrido quando crianças. A noção de que atuar o abuso é terapêutico e o elimina vem da teoria da catarse: faça isso uma vez, traga isso pra fora do seu sistema, então você vai sair dele. Não há evidência de que a catarse trabalhe como uma solução para conflito social ou psicológico, ainda assim essa teoria é usada pra racionalizar a disseminação de pornografia. Pornografia não parece ter servido como uma panela de pressão libertária para homens, fazendo assim com que mulheres se libertem do estupro. Ao contrário, pornografia parece ter funcionado como uma propaganda pró-estupro. Catarse sadomasoquista não parece recuperar o abuso de qualquer forma: uma mulher escreveu “depois de dezessete anos de [abuso sexual infantil], as lésbicas que conheci apenas queriam que eu fizesse mais do mesmo. Eu tive pesadelos e prejuízo de ambos.” (Anônima, 1990) Sadomasoquismo é a repetição, não a terapia, de abuso sexual infantil. Alguns sugeriram que sadomasoquismo pode atualmente ser psicologicamente viciante. Eu ouvi de mulheres descrevendo a si mesmas como estando “em recuperação do sadomasoquismo,” da mesma forma que elas falam de vício alcoólico. Talvez o vício físico a certos tipos de traumas
comece com complexas reações físicas para prolongar o abuso na infância, que é então revivido nos relacionamentos sadomasoquistas adultos.

Mentira #10. Sadomasoquismo é dissidência política. É progressivo e até “transgressivo” naquilo que quebra as regras da ideologia sexual dominante.

A postura de sádicas e masoquistas como “transgressiva” pode estar confundindo aqueles que não são familiarizados à teoria feminista. Por definição, o objetivo último do feminismo é acabar com sadomasoquismo. Nosso sistema é sadomasoquista ao seu extremo, como celebrar isso pode ser qualquer forma de rebelião verdadeira? (Fritz, 1983). Os valores políticos do sadismo são ofensivamente antifeministas, totalitários e direitistas. Sadomasoquismo é negócio como sempre; relações de poder como sempre; raça, gênero e classe como sempre. Sadomasoquismo é uma versão ritual de dominância e submissão. Sadomasoquismo não é um desvio criativo da norma comportamental heterossexual. É a exata definição qualitativa das relações entre homens e mulheres. Sadismo é a extensão lógica do comportamento que surge do poder masculino. (Wagner, 1982) Nós vivemos num mundo misógino, e mulheres têm tão pouco poder político, que é fácil fantasiar sobre absoluto poder pessoal do que com organização política por mudança. (Clarke, 1993). Muitas jovens lésbicas recentemente disseram pra mim que suas fantasias com sadomasoquismo eram sua “salvação” num mundo onde elas não veem qualquer possibilidade de obter poder real. Dykes sadomasoquistas jogam-atuam poder e prestígio num mundo que destrói qualquer esforço de organizar por poder real. O jogo-performance ajuda-nos a esquecer o quanto somos odiadas e prejudicadas. E esquecer é que é o real perigo.

(para contatar a autora escreva: mfarley@prostitutionresearch.com)Referencias:
Anonymous, letter to Lesbian Connection, January-February 1990, Vol. 12, Issue 4,
page 11.
Atkinson, Ti-Grace. Amazon Odyssey, 1974.
Brown, Jan. “Sex, Lies, and Penetration, a Butch Finally ‘Fesses Up,” Outlook, 1990.
Califia,Pat. “The Limits of the S/M Relationship,” in Outlook, Winter, 1992, pages 16-
21.
Clarke, De. “Consuming Passions: some thoughts on history, sex, and free enterprise,”
in Unleashing Feminism: critiquing Lesbian Sadomasochism in the Gay Nineties,”
(Irene Reti, ed.), 1993, HerBooks, Santa Cruz, CA.
Cole, Susan. Pornography and the Sex Crisis, 1989.
Dworkin, Andrea. Pornography: Men Possessing Women, New York, Putnam’s, 1979.
Dworkin, Andrea. Woman Hating, New York, E.P. Dutton, 1974.
Fritz, Leah. “Is there Sex after Sadomasochism?” Village Voice, Nov. 1, 1983, pages
24-25.
Linden, Robin R.; Pagano, Darlene R.; Russell, Diana E.H.; Star, Susan
Leigh (eds.) Against Sadomasochism, a Radical Feminist Analysis, 1982.
Millett, Kate. Sexual Politics, New York, Doubleday, 1970.
Morgan, Robin, Editorial, Ms., May-June, 1993, Vol. III, Number 6
Morgan, Robin. The Demon Lover: on the Sexuality of Terrorism, 1989
Reti, Irene. “Remember the Fire: Lesbian Sadomasochism in a post-Nazi
Holocaust World”, in Unleashing Feminism: critiquing Lesbian
Sadomasochism in the gay nineties, (Irene Reti, ed.), HerBooks,
Santa Cruz, CA.
Russell, Diana E. H. Against Pornography: the Evidence of Harm, Russell
Publications, 2018 Shattuck Ave., Berkeley, CA, 94704, 1993.
Wagner, Sally Roesch, in Linden, et al, Against Sadomasochism, 1982.

¿Por qué el drag ha escapado la crítica de feministas y la comunidad LGBTQ?

10-Jan-15

De Meghan Murphy.

No voy intencionalmente a muchos shows de drag. No lo hago como una decisión política o personal; de hecho, no es algo en lo que piense mucho. Supongo que esa forma de entretenimiento nunca me ha interesado lo suficiente. Dicho esto, el drag ha existido y por tantos años que este tipo de performance es considerado prácticamente parte de la cultura popular: hay muchos documentales acerca de la cultura del drag y los drag queens, hay shows de drag en bares gay, en las colectas de fondos y otros eventos. Es casi imposible uno no sepa qué es. Pero porque no es una gran parte de mi mundo, había escapado mi radar en términos de un análisis feminista.

La otra noche estuve en un bar y una porción de la velada tuvo un show con drag queens. Mientras miraba, me di cuenta de lo aceptado que es el drag por liberales y progresistas– gente que sin miramientos denunciarán cosas como el “blackface” (pintarse la cara de negro para imitar a una persona afrodescendiente) o “yellowface” (pintarse la cara para imitar a una persona de raza asiática), lo cual es totalmente entendible por la mayoría de la gente como un acto racista.

¿Por qué el drag es distinto? Pregunto en serio. Quizás hay algo de lo que no me estoy dando cuenta.

Para mi, es lo mismo que una apropiación cultural o el modo en que la gente de raza blanca se ha mofado de la gente negra, de gente asiática, de grupos indígenas y, básicamente, cualquier otra raza que no sea la suya propia, bajo la excusa del “performance” o la “sátira”. ¿Por qué es lindo o entretenido cuando son hombres los que se mofan de las mujeres a través del drag? ¿Por qué no se considera un modo de apropiación en relación al género? ¿Por qué los progresistas y feministas mainstream no han hecho una crítica de estos shows, en general?

Me imagino que la defensa de estos shows de drag incluyen argumentos diciendo que la imitación de la feminidad es tan exagerada que no se mofa de las mujeres, sino que se mofa de una versión caricaturesca de feminidad extrema. Sin embargo, no me convence que eso de convertir a las mujeres en caricaturas extremas para reírnos de ellas sea de algún modo “progresista”. Al contrario, me parece regresivo. Debe haber una razón por la cual las mujeres no le hacen esto a los hombres: lo de convertir la masculinidad en entretenimiento o en una broma.

¿Por qué es gracioso que los hombres se vistan como mujeres y no que las mujeres se vistan cho hombres? Hay algo en todo esto que dice que la feminidad –y por lo tanto, las mujeres– son un chiste (tal como cuando personas de raza blanca se disfrazan de “indios” en Halloween convirtiendo a los grupos indígenas y sus culturas en un chiste o un disfraz que uno se quita o se pone cuando quiera). Si ser mujer fuera tan fácil como quitarse y ponerse un disfraz…

El año pasado, un drag queen llamado Daytona Bitch fue expulsado de un evento de orgullo gay en Toronto por pintarse la cara de negro. Laura Kane reportó: “Ella se vistió como Miss Cleo, una psíquica cliché de los años 90s, con todo y pintura negra”.

“Después de poner su foto en Twitter, recibió varios comentarios de indignación por parte de otros miembros de la comunidad LGBTQ”. Y bien hecho que fue así. Pero qué dice la comunidad LGBTQ del drag? Por qué entiende que la apropiación de una etnia, raza o cultura marginada por el privilegio de raza blanca es ofensivo, pero no entiende que los mismos argumentos pueden aplicarse a un grupo de hombres (que se benefician de privilegio masculino) que se apropian de la feminidad como una forma de entretenimiento?

En un ensayo del 2006 titulado “Imitando a los demás como una forma de control: ¿es el drag sexista/racista?”, Kirsten Anderberg escribe:

“Cuando los hombres se visten en drag y supuestamente imitan a las mujeres, es usualmente sexista en un modo notablemente similar al modo en que los blancos imitan a las minorías raciales… Todos los aspectos que he rehuido como parte de ese antiquísimo “culto de lo que es la mujer”; todos los aspectos falsos, superficiales, comercializados de la ‘feminidad’ de la cual he intentado liberarme, estos hombres lo estaban apropiando como su “condición de mujer”! Toneladas de maquillaje, pelucas y peinados enormes, lencería lacerante, tacones, pantymedias, depilación… y estos hombres en drag dicen que actúan como mujeres también actuaban de manera frívola, estúpida y superficial… me resulta extraño que esto no se vea como puro sexismo.”

Aunque han habido críticas aquí y allá, he visto poco del feminismo mainstream y de la comunidad LGTBQ acerca del sexismo del drag. En un artículo del 2011 llamado “¿Es el drag sexista?”, Kelly Kleiman pregunta: ¿Por qué odiamos el performance cuando se trata de ‘blackface’ pero celebramos la performance en el drag? ¿Es el blackface considerado un insulto y el drag un chiste porque hay alguna diferencia inherente entre éstos, o porque los afro-estadounidenses no tolerarán este ridículo mientras que el movimiento de las mujeres está constantemente preocupado por demostrar que tiene sentido del humor?

Y no puedo dejar de preguntarme lo mismo. A las feministas se nos acusa siempre de no ser “divertidas”, de no tener sentido del humor y, generalmente, de odiarlo todo. Como mujeres, nos esforzamos mucho para ser “parte del chiste”. Fingimos que nos gusta la pornografía, o nos reímos de chistes acerca de la violación, nos auto-cosificamos mientras decimos que nuestra propia opresión nos empodera — estamos apropiándonos de ella y, por lo tanto, está bien. Post-feminismo ingenuo, lo llamaría yo.

Kleiman escribe: “Cuando se ridiculizaba a los afro-estadounidenses se decía ‘¡Mira que tontos que son! Mira como ríen! Eso acaso no prueba que son felices en el enclaustramiento en el que los hemos puesto?’ De la misma manera, los hombres que se visten como mujeres y adoptan comportamientos femeninos estereotipados son graciosos por su comportamiento estereotipado y la audiencia infiere que no son los estereotipos los que son graciosos, sino las mujeres en sí”.

Más allá de todo esto, parece que a los drag queens se les da rienda libre para insultar a las mujeres y adoptar lenguaje sexista (perra, puta, etc), además de dar una imagen cosificada de la mujer de maneras que no se nos perdonan a nosotras, las mujeres, dentro de un contexto feminista.

Después de ver un documental acerca de la famosa drag queen Divine, Julie Bindel escribió: “El interpretó, según dijo su manager, roles de mujeres que eran ‘vulgares’, ‘sucias’ y que eran ‘absolutamente obscenas’. Pero Divine nació en una casa de clase media, conservadora e interpretaba estereotipos asquerosos de mujeres de clase baja para reírse. En sus films Divine llama a sus co-protagonistas mujeres ‘putas'”.

Por lo tanto, un hombre privilegiado tiene el derecho de mofarse de las mujeres y usar lenguaje sexista porque…¿qué? ¿Arte del performance? ¿Humor? Explíquenmelo por favor.

Para aclarar, no creo que todos los drag queens están trabajando intencionalmente a favor de la subordinación de las mujeres (pero quién sabe, no le he preguntado a ninguno), tampoco creo que si usted disfruta de drag shows lo convierta automáticamente en una persona mala y misógina. Pero sí pienso que es significante la falta de voluntad de la comunidad LGTBQ y el feminismo mainstream para hablar acerca del drag como algo que no es más aceptable que cualquier tipo de apropiación cultural o más que los esfuerzos de mucha gente blanca de convertir la etnicidad y la raza en un estereotipo.

Después de que Daytona Bitch fue expulsada, el director ejecutivo del evento, Kevin Beaulieu dijo acerca que la performance “no tiene nada que ver con nuestra misión y nuestro mandato, el cual es celebrar la diversidad de la comunidad LGBTQ en Toronto”. Y esta declaración me lleva a esta pregunta: ¿En dónde están las mujeres dentro de esa “celebración” de “diversidad”? ¿Importamos? ¿O somos sólo un chiste?

http://rabble.ca/blogs/bloggers/feminist-current/2014/04/why-has-drag-escaped-critique-feminists-and-lgbtq-community

A Lésbica Essencial – Sheila Jeffreys – A Heresia Lésbica

10-Jan-15
A Heresia Lésbica
Capítulo 4 – A Lésbica Essencial
por Jéssica Akemi
Os ativistas gays liberais e as feministas lésbicas, nos anos 70, se opuseram à ideia de que a 
orientação  sexual  é  biológica.  Os  anos  sessenta  e  setenta  foram  décadas  importantes  para  o 
construcionismo social. Teoristas sociais se opuseram vigorosamente aos argumentos biológicos 
de inferioridade racial, diferenças de gênero e doença mental. É conhecido que as explicações 
biológicas  fornecem  as  bases  cientificas  para  os  manejos  sociais  conservadores.  Argumentos 
biológicos, argumentos na natureza, podem ser usados para afirmar a certeza e inevitabilidade 
da subordinação das mulheres, da desigualdade racial, da hegemonia heterossexual e das drogas 
e  instituições  para  aqueles  que  sofrem  de  doença  mental.  Nos  anos  80,  a  confidência  no 
construcionismo social foi embalada pela aderência de algumas lésbicas e homens gays à nova 
onda do  determinismo biológico para explicar a orientação sexual. Algumas teoristas lésbica s 
haviam até  começado a  definir  os papeis  de  butch/femme  e  masculinidade  e feminilidade  em 
suas formas estereotipadas como naturais, até inevitáveis, para lésbicas.
A crença na biologia veio, principalmente, de teoristas homens  gays. Isso, provavelmente, 
não surpreende, pois os ativistas gays não aderem ao slogan, ”Qualquer homem pode ser gay?. A 
política  tradicional  gay  masculina  continua  dependente  da  ideia  de  que  a  homossexualidade 
deve ser tolerada porque os homens gays não podem se ajudar. Eles são uma minoria oprimida 
biologicamente, ou se a biologia não for culpada, então há uma ”certa coisa?, ao menos, que fez 
os  homens  gays  inevitavelmente  diferentes.  As  lésbicas  frequentemente  se  abalavam  ao 
descobrir o quão profunda é a confiança dos homens gays com a biologia, por vezes, até mesmo 
naqueles  de  outra  forma  progressiva  política.  Quando  ensinando  estudos  gays  e  lésbicos  em 
uma  classe  noturna  no  começo  dos  anos  80,  eu  percebi  que  os  estudantes  homens  gays 
rapidamente  expressavam  alguma  crença  na  biologia.  A  maioria  das  estuda ntes  lésbicas 
expressava  completa  rejeição  pela  ideia.  Frequentemente,  as  lésbicas  já  haviam  sido 
heterossexuais,  esposas  e  mães,  e,  frequentemente,  nunca  haviam  pensado  que  amariam  uma 
mulher, até bem depois da adolescência. Uma explicação biológica não faria sentido em termos 
de suas experiências ou políticas. 
A diferença considerável sobre a biologia entre os homens gays ativistas e as lésbicas feministas
ficou evidente na campanha do Reino Unido contra a seção 28 da Ação Governamental Local 
de  1988.  A  proeminência  de  porta-vozes  gays  foi  à  televisão  para argumentar  que  a  emenda 
contra a ”promoção da homossexualidade? foi um disparate porque a homossexualidade é inata e 
não  pode  ser  promovida.  As  lésbicas  estavam  atônitas.  Isso  era  o  oposto  da  política  lésbica 
feminista  e,  julgando  pelo  debate  pela  emenda  na  Câmara  dos  Comuns,  parecia  que  eram 
precisamente esforços feministas lésbicos para promover o lesbianismo que estavam causando 
alarme nos legisladores conservadores. Parecia  haver uma política fundamental diferente aqui, 
e, ainda que alguns ativistas gays fossem críticos a essa posição biológica, eles não estavam  em 
ascensão [1]. 
Em 1987 houve uma conferência de estudos gays e lésbicos em  Amsterdam, na qual o tema 
era „Essencialismo  versus  construcionismo social?. Isso  parecia  ser uma controvérsia que estava 
pressionando aqueles que planejaram a conferência. A introdução dos papeis coletados afirma 
„Há  uma  década  há  uma  crescente  controvérsia  entre  estudiosos  gays  e  estudiosas  lésbicas, 
centrada  entre  duas  teorias  científicas  rivais  e  suas  implicações  para  a  homossexualidade: 
essencialismo e construcionismo. ? [2]. As lésbicas feministas estavam simplesmente perplexas que 
uma questão que elas achavam ter respondido vinte anos atrás ainda excitava interesse em 1987. 
O  fato  é  que  tal  questão  podia  ser  vista  como  suficientemente  importante  para  encenar  uma 
conferência inteira em torno da sugestão de que uma crença no essencialismo devia estar viva , e
em um lugar fora da comunidade lésbica feminista. Teoristas lésbicas feministas continuavam 
ocupadas  desafiando  a  instituição  da  heterossexualidade,  sugerindo  que  todas  as  mulheres 
podem  escolher  serem  lésbicas,  exceto  pelas  restrições  impostas  pela  heterossexualidade 
compulsória. Considerar se elas eram lésbicas essencialmente, não era uma questão. 
Nos  anos  90,  a  diminuição  do  construcionismo  social  na  comunidade  gay  continuava  em 
ritmo  acelerado.  Em  1991,  os  resultados  das  pesquisas  do  Dr.  Simon  LeVay,  caracterizado 
como um „gay ativista?, foram publicados nos EUA. LeVay estudou os neurônios dos homens 
gays  que  morreram  de  AIDS, e  dos  homens  que  não se  declaravam  gays  e  qu e  morreram  da 
mesma causa. Ele encontrou uma área minúscula do hipotálamo que era, em média, duas vezes 
maior em homens heterossexuais, do que em mulheres heterossexuais ou homens homossexuais. 
Ele  sugeriu  que  essa  variação  de  níveis  de  hormônios  antes  do  nascimento  „conectava?  o 
hipotálamo  à  heterossexualidade  ou  homossexualidade.  Desde  então,  outro  estudo  da 
Universidade  da  Califórnia  Escola Médica, aparentemente apoiava suas descobertas. LeVay vê 
seu  trabalho  como  realmente  positivo  para  o  fim  da  discriminação  contra  gays.  Ele  sempre 
acreditou que a homossexualidade era biologicamente determinada, e preparou-se para provar 
que  esta discriminação anti-gay podia ser combatida com  o fundamento  de  que  os gays  eram 
condenados pela natureza por seu comportament o, e que deviam ser tratados com misericórdia, 
como qualquer grupo que não pode ajudar a si mesmo.   Este é um velho argumento que recorda 
a  virada  do  século.  Esta  é  uma  ideia  que  morreu  duramente.  Mas  isso  não  se  adapta  à 
experiência  lésbica  ou  à  teoria  feminista  lésbica.  LeVay  ainda  não  havia  tido  acesso  aos 
neurônios  das  lésbicas,  mas  estava  convencido  que  encontraria  neles  semelhanças  com  os 
neurônios de homens heterossexuais em sua área crucial.
É significativo que LeVay também acredita que a biologia é  responsável pelas diferenças no 
comportamento  de  machos  e  fêmeas.  Ele  pensa  que  as  mulheres  são  verbalmente  mais 
competentes  que  os  homens,  e  os  homens  são  mais  competentes  espacialmente  do  que  as 
mulheres,  devido  à  diferença  nos  neurônios.  Ele  consegue  associar  estas  diferenças  nos 
neurônios com o fato dos homens gays serem ”menos fortes com a mão direta do que os homens 
heterossexuais?.    (Campaign, 1992) [3]. LeVay é claramente preparado para acreditar que  qualquer 
número de diferenças estereotipadas entre homens e mulheres são resultado da biologia, sem
qualquer  evidência  além  de  seus  próprios  palpites.  O  mais  preocupante  é  que  ele 
acredita  que  „os  impulsos  sexuais  masculinos  e  femininos  são  determinados 
biologicamente?. Uma visão fundamental da teoria feminista é a que o comportamento
sexual  masculino  é  aprendido,  e  não  natural.  Não  haveria  outra  forma  de  libertar  as 
mulheres da violência sexual. A sabedoria de LeVay sugere o contrário: 
Em  geral,  em  todo  o  reino  mamífero,  os  homens  são  mais 
promíscuos  que  as  mulheres.  Os  homens  têm  o  potencial  de 
serem pais de um  número  ilimitado  de filhos. Sai  mais barato 
para eles inseminarem uma fêmea, então  é do interesse deles ser 
tão  promíscuos  quanto  podem.  Para  uma  fêmea,  isto  é 
completamente diferente… Não há dúvidas em minha mente que 
esta  característica  é  determinada  biologicamente.  Há  algo  nos 
neurônios  de  machos  e  fêmeas  que  faz  com  que  sejam  assim. 
Agora, se você olha homens gays e lésbicas, esta característica 
não  é  revertida  pelo  sexo.  Na  verdade,  esta  característica  nos 
homens  gays  não  é  mais  restrita  por  falta  de  vontade  das 
mulheres  –  então,  o  céu  é  o  limite.  A  maioria  dos  homens 
heterossexuais  não  tem  tantas  relações  sexuais  quanto  querem 
porque as mulheres não deixam. [4]
Levay nos mostra que estes argumentos biológicos sobre ”genes  gay? podem nos conduzir 
diretamente a argumentos biológicos que justificam a opressão das mulheres.
É  preocupante  que  a  teoria  de  LeVay  venha  sendo  tratada  com  entusiasmo  por  algumas 
imprensas gays e ao menos com curiosidade simpática pelos outros. O retorno do essencialismo 
parece  estar  em  pleno  andamento.  As  feministas  foram  particularmente  hostilizadas  pelas 
explicações  biológicas  deterministas  porque  a  própria  ideia  do  feminismo,  a  possibilidade  de 
seu  nascimento,  depende  da  luta  contra  a  ideia  de  que  o  biológico  constrói  diferenças 
psicológicas entre os sexos. Após uma boa fundamentação de tal batalha não é possível para as 
lésbicas feministas serem otimistas quanto a explicações biológicas sobre a homossexualidade. 
Homens gays podem ser porque a liberdade deles como homens não depende da mesma forma 
do combate ao biologismo.
A  ”diferença?  das  mulheres  ou  a  feminilidade  foi  explicada  pela  teoria  lésbica  feminista 
como uma invenção masculina, e a submissão das mulheres à feminilidade como uma projeção 
nas mulheres das fantasias dos homens, ou como uma separatista coloca isso:
Os homens projetam nas fêmeas as próprias deficiências deles 
(covardia,  irracionalidade,  inanidade,  desonestidade,  traição, 
mesquinhez,  etc.)  e  empurram  para  as  fêmeas  uma  matriz  de 
maneirismos  femininos  inventados  pelos  machos  e  estilos  que 
encorajam  a  fraqueza,  dependência,  submissão  e  geral fuckability [5].
A  feminilidade tem sido  experimentada pelas lésbicas feministas simplesmente como uma 
brutal  restrição  da  liberdade,  como  tortura  do  corpo.  As  lésbicas  estão  mais  livres  para 
abandonar  estas  ordens  e  expressar  total  rejeição.  A  mesma  escritora  faz  a  feminilidade  soar 
bastante brutal:
    
…nós  somos  supostas  a  acreditar  que  é  natural  querer 
requebrar  em  cima  de  sapatos  de  pau,  o  rosto  mascarado  com 
produtos  químicos  fedidos  e  escabrosos,  unhas  compridas  e 
sangrentas, corpos operados dietaexercitados -depilados-plásticos, 
envoltos  em  vestidos  expositivos,  vozes  anormalmente  altas, 
gestos „?fofos?? e flertes agressivos, e a mente focada em agradar 
os homens a qualquer preço. [6]
Feministas  heterossexuais  demoliram  o  mito  da  feminilidade  efetivamente  também,  mais
notavelmente  Naomi  Wolf  no  Mito  da  Beleza [7].  Ela,  tal  como  outras  teoristas  feministas 
anteriores a ela, mostra o quanto a indústria  fashion  e da beleza levam as mulheres a causarem 
grandes  danos  a  seus  corpos,  e  até  a  passarem  fome  até  a  morte  através  de  d istúrbios 
alimentares. O que é surpreendente é que a feminilidade venha sendo, atualmente, reintroduzida 
à cultura lésbica como uma nova e revolucionária possibilidade erótica.
Nos anos 70, lésbicas feministas, nas quais eu me incluo, usavam crachás dizendo „Qualquer
mulher pode ser uma  lésbica?  e  nós acreditávamos  nisso. Acreditamos nisso  não só por bons 
motivos políticos, tal como nossa resistência a teorias biológicas de comportamento sexual e de 
gênero, mas porque, para muitas de nós, essa foi nossa experiência. Milhares de mulheres que 
nunca  consideraram  conscientemente  o  lesbianismo  como  uma  possibilidade,  deixaram  os 
homens e cometeram todas as suas energias emocionais e sexuais para as mulheres, e continuam 
cometendo  isso  hoje [8].  A  ideia  do  lesbianismo  político,  como  esse  fenômeno  é  geralmente 
chamado, foi polêmico todo o tempo. As lésbicas políticas foram acusadas por alguns de não 
serem lésbicas „reais?, pois elas eram vistas como voltadas às mulheres mais por razões políticas 
do  que  por  uma  determinação  vitalícia.  Mas  nenhuma  lésbica  feminista  teria  pensado  em 
argumentar  que  lésbicas  e  mulheres  heterossexuais  eram  simplesmente  duas  categorias 
biológicas distintas. 
Joan  Nestle,  a  principal  propagandista  da  nova  encenação  de  papeis  lésbicos,  afirma 
categoricamente  que  ”Eu  penso  que  a  frase  Toda  mulher  é  uma  Lésbica  em  potencial,  não  é 
mais  útil? [9].  Ela  diz  que  isso  era  simplesmente  um  ”dispositivo  retórico” ,  e  agora  é  hora  das 
lésbicas  e  mulheres  heterossexuais simplesmente reconhecerem suas ”escolhas” diferentes. As 
lésbicas  devem  agora  ”parar  com  o  bullying  em  mulheres  por  suas  posturas  sexuais,  para 
encerrar o assunto de que apenas Lésbicas fazem escolhas?. O ”bullying? que ela tem em mente 
provavelmente  compreende  o  excitante  trabalho  teórico  de  lésbicas  feministas,  tais  como 
Adrienne  Rich  e  Monique  Wittig,  que  analisam  a  heterossexualidade  como  uma  instituição 
política. Um novo feminismo que materializa as categorias sexuais do sistema sexual de 
supremacia masculina engatinhou até aqui sob a retórica da escolha. E para os pornógrafos da 
nova encenação de papeis, os terapeutas da encenação  de papeis, que esse novo essencialismo 
flui. Particularmente, isso não é surpreendente. Eu argumentarei aqui que na raiz da crença na 
encenação de papeis há, inevitavelmente, uma fundação essencialista.
A feminilidade e a masculinidade retornaram à comunidade lésbica no contexto de reabilitar 
o jogo de papeis do começo dos anos 80. Ainda que houvessem lésbicas não afetadas por tais 
desenvolvimentos, a diminuição do fetichismo de gênero nos anos 60 e o impacto do feminismo
providenciaram uma libertação para muitas das lésbicas que previamente usaram tais papeis. 
Julia Penelope é uma teorista lésbica que escolheu abandonar a encenação do papel de  butch. 
Ela estava horrorizada em ver uma revalidação e em 1984 ela atacou a nova encenação de 
papeis de uma perspectiva feminista radical forte e clara.
O impulso de reviver os rótulos ?butch’’e „?femme? e injetar 
alguma honorabilidade em seus significados (embora 
tardiamente) falando sobre ?sentimentos viscerais??, ?intuições??
e ?poder? é a manifestação lésbica da ala backlash da direita 
contemporânea e, além disso, encorajada pela nostalgia dos anos 
50 ”Dias Felizes?), e a ilusão de segurança que temos ao voltar ao 
que imaginamos ter sido ”dias melhores? (geralmente porque
não vivemos neles), e falar sobre ?recuperar nossa herança? [10].
Como Penelope aponta, a nova encenação de papeis foi legitimada com recursos da história 
lésbica, geralmente dos anos 50.
Outra lésbica que abandonou o papel de butch explica que ela definia-se nos anos 50 como 
uma butch e aspirava ser uma ”Grande Butch Má”, que via as femmes como ”muito menininhas 
ou inadequadas para serem butch”. Ela ficou assombrada por qualquer lésbica hoje poder ”alegar 
ignorância dos elementos de  ódio às mulheres que permearam as tradicionais identidades butch-femme”.
É fácil sentir nostalgia pelos bons e velhos, maus e velhos 
tempos… Há uma emoção em conquistar. Há uma emoção em ter 
poder sob alguém, seja literalmente ou figurativamente. Mas, 
para mim, estes velhos papeis eram terrivelmente deformados, e 
levou muito tempo para que eu me libertasse de suas garras [11].
Ela explica que a rigidez dos papeis foi aliviada pelos „anos 60 hippie?, que permitiam 
homens ter barba e cabelo comprido. Mas o que ela descreve como o “grande avanço” veio com 
o Movimento de Libertação das Mulheres, através do qual ela aprendeu a “combinar a força e a 
sensibilidade, e a ampliar seus conceitos de sexualidade e sensualidade”. Ela conclui:
Neste ponto parece louco por em risco este caráter pelas 
emoções baratas de jaqueta preta de couro e vestidos de boneca… 
Nós não temos mais qualquer desculpa para deixar a cultura 
popular punk definir para nós o que é sexy, o que é romântico, 
pelo que vale a pena viver [12].
Mas a busca de „emoções baratas? através da encenação de papeis através da comunidade 
lésbica brotou nos anos 80 e 90 e, de fato, colocou em risco a sobrevivência da crítica lésbica 
feminista da masculinidade e feminilidade. A imitação do sistema político de classes  da 
heterossexualidade demonstra uma exatidão impressionante na recente literatura de encenação 
de papeis. Os encenadores não vêem humor em seu projeto, mesmo em suas manifestações mais 
improváveis, talvez porque o humor iria perfurar o rumor abrasivo, o que é suposto que seja o 
principal benefício do mesmo. O Desejo Persistente, uma encenação de papeis de antologia, 
editada por Joan Nestle, revela a extensão extraordinária que os promotores da encenação de 
papeis são preparados para passar em sua imitação de alguns dos aspectos da heterossexualidade 
mais politicamente opressores. Os propagandistas da encenação de papeis rejeitam qualquer 
sugestão que suas práticas podem ser politicamente construídas
e derivadas da opressão da mulher.
Um artigo de Paula Austin, uma ”negra que se identifica femme?, dá um quadro 
representativo do modo que essa encenação de papeis imita a antiquada heterossexualidade. 
Austin percebeu que é uma femme  enquanto estava em um relacionamento com uma lésbica 
chamada Rhon. Austin opina que ”Eu estava convencida que ela havia escondido, em algum dos 
recessos de sua calça, um pênis? [13]. Rhon é atraente por ser ”durona, a dyke mais durona com 
quem já estive?. Sobre outra amada Buddy, ela escreve „Eu amo a dureza, o rústico de poder e 
violência, a força, o indício de ser possuída? [14]. Austin confessa uma angústia sobre sua ”femmenilidade” e se isso é politicamente correto, mas claramente decide ignorar suas preocupações. 
Essa é sua descrição de sua ”femme-nilidade”:
Ser uma femme, para mim, significa vestir uma saia curta e 
apertada, cinta-liga e salto alto quando vou sair.  Isso significa 
parar na frente do espelho, passar rímel e batom marrom 
avermelhado. Isso significa comprar uma blusa de corte baixo 
para revelar um pouco de decote algumas noites. Isso significa 
sorrir, ou às vezes fazer beicinho quando minha mulher coloca 
seu braço em volta da minha cintura e com a outra mão vira meu 
rosto para beijá-la. Isso significa sussurrar, “Eu sou sua, me 
possua” quando fazemos amor. Isso significa sentir-se sexy [15].
Esta, tal como outras descrições da nova encenação de papeis, tem uma característica Mills 
and Boon. Mas o que é irônico é que entre as mulheres heterossexuais são rejeitadas como 
desigualdade de gênero. A geração de mulheres jovens heterossexuais encontraria tal material 
para uma audiência heterossexual francamente embaraçosa e até Mills and Boon estão tendo que 
vender levemente mais personagens igualitárias para os anos 90. O indício de poder e 
violência? que excita Austin  é provável que signifique abuso real na heterossexualidade e, 
frequentemente, significam o mesmo nas relações lésbicas também.
O modelo de relacionamentos de encenação de papeis descrito na antologia tem um sabor de 
vida rural, folclórica, operária, alma americana, heterossexualidade dos anos 50. Femmes 
recebem suas butches em casa depois de um dia difícil, geralmente realizando trabalho manual, 
mas às vezes uma ocupação profissional, e prosseguem a oferecer a elas conforto contra um 
mundo áspero. Como Nestle expressa isso, ”Quando ela vem pra casa por mim, eu devo 
acariciar as partes dela que foram desgastadas, tentando fazer o trabalho dela em um mundo de 
homens? [16]. Quem adivinha o que as femmes são supostas a fazer o dia todo, assar bolos? Então 
a femme é suposta a fazer sua butch sentir-se segura o suficiente para deixar ela ser vulnerável, 
revelada ao fazer amor, mas a masculinidade dela deve ser protegida: ”Eu sei como fazer amor 
ao/ Seu corpo de mulher/ Sem levar sua masculinidade embora” [17]. O papel de femme, como esse 
da dona de casa tradicional, é para nutrir o poder de sua butch, então ela pode manter seu lugar 
na classe dominante masculina e seu poder sob ela.
Embora isso possa parecer muito perplexo de uma perspectiva feminista, a idealização das
dinâmicas precisas de poder que mantêm as mulheres subordinadas e abusadas através de 
relacionamentos heterossexuais é vista como positiva pelos novos encenadores de papeis. Mas 
então eles parecem ter afirmado uma declaração de independência do movimento feminista. 
Alguns repudiam o seu antigo feminismo, outros dizem que nunca foram feministas. Lyndall 
MacCowan, uma femme, explica em O Desejo Persistente que ela nunca se identificou como 
feminista ou como sendo uma mulher. Ela diz que quando ela saiu do armário na década de 
setenta:
Isso seria herético, então, como isso continua sendo agora, ser 
uma lésbica e declarar que o feminismo tem um significado 
pequeno para mim –  imagine tentar ser uma ateísta na Europa 
central do século XIV. Ainda que tal afirmação seja verdadeira, e 
seja importante dizer isso, porque o feminismo veio para ofuscar 
o significado do lesbianismo. Não é que eu não acredite que as 
mulheres são oprimidas, mas eu nunca fui capaz de me identificar 
com esse grupo abrangente “mulher”. Eu nunca estive perto de 
ser oprimida como uma mulher como eu sou como lésbica. [18]
MacCowan afirma que ser uma lésbica significa “saber que não sou uma mulher” [19]. Ainda 
que ser uma lésbica femme, atualmente, sujeite ela diretamente à opressão da mulher. Paula 
Austin escreve sobre a dificuldade de ter que sofrer assédio sexual dos homens por parecer uma 
mulher heterossexual e pode-se  imaginar que MacCowan, que favorece um traje similar, teria o 
mesmo problema.
Declarações raivosas sobre o comportamento autoritário e bullying de feministas lésbicas 
entre aquelas de categorias como MacCowan ou JoAnn Loulan, que realmente queriam ser 
femmes, são comuns na literatura de encenação de papeis. Esta abordagem  as alivia da 
responsabilidade de terem conscientemente adotado ideias feministas nos anos 70.  Ao invés de 
realmente terem sido vitimas silenciadas quando estavam no movimento lésbico feminista, é 
provável que elas simplesmente mudaram suas mentes para se adaptarem ao fashion do 
backlash conservador.
Está nas explicações oferecidas pela encenação  de papeis que o essencialismo por trás da 
ideologia butch/femme é uma explicação biológica mais clara e sem rodeios que não é 
geralmente sugerida, embora esteja retornando em algumas áreas. Loulan sugere que a 
homossexualidade é hereditária, uma ideia abandonada até pela maioria dos sexólogos, uma vez 
que os psicanalistas se popularizaram antes da Segunda Guerra Mundial.
Algumas de nós apenas nascemos dessa forma. Isso é 
provavelmente genético: homossexualidade acontece fortemente 
em algumas famílias. Eu conheço uma mulher que tem seis 
irmãos e irmãs e todos, menos um, são gays [20].
Ela diz que ”nós podemos contar” com histórias de homossexualidade acontecendo em 
famílias ”para provar que sim, um dos componentes é nosso DNA? [21]. Pode parecer 
surpreendente o fato da vasta maioria de lésbicas e homens gays ter pais heterossexuais não 
abalar o recurso do argumento hereditário. É interessante que ela quer usar uma combinação de
explicações usando tanto a genética para uns quanto a ”escolha? para outros. A variedade 
genética é aparentemente identificada por si própria, se você diz que você é genético, então você 
é. Esta combinação é reminiscente da velha ideia sexológica de que os homossexuais são 
divididos em invertidos e pervertidos. Invertidos eram os congênitos que não podiam se ajudar e 
isso merecia simpatia, e os pervertidos haviam escolhido deliberadamente serem maus. 
Interessante este pensamento de alguém como Loulan, que  teve uma queda pelo feminismo nos 
anos 70, e mudou tão facilmente para a sexologia tradicional. Isso sugere um conservadorismo 
profundo e enraizado que a experiência dela no feminismo não foi capaz de alterar. Loulan tem 
aflições em sugerir que toda a homossexualidade é genética porque ela está consciente que isso 
pode ser usado para sugerir um „defeito genético? e ela não pensa que o lesbianismo é 
”patológico”. 
Na explicação da encenação de papeis, Loulan opta por uma explicação psicológica em 
termos de arquétipos. Ela diz que as lésbicas têm certos arquétipos enterrados profundamente 
em seu inconsciente coletivo que não pode ser discutido. Cada um é “uma imagem que 
determina reações comportamentais e psicológicas inconscientes” [22]. A encenação de papeis 
então, não é o resultado de um determinismo biológico, mas psicológico. Os arquétipos lésbicos 
mais comuns são ”os conceitos de butch  e femme  e, recentemente, andrógino também” [23]. A 
encenação de papeis arquétipos é aparentemente tão determinante que todas as lésbicas estão, de 
alguma forma, conectadas à encenação de papeis, mesmo que não admitam isso. Ela descreve 
„esse erotismo lésbico de butch e femme? como algo que cada uma de nós está conectada, que 
cada uma de nós foi feita para negar, rebaixar, e envergonhar-se…” [24]. Isso deixa aqueles que 
permanecem querendo negar isso  em uma espécie de falsa consciência. O público dela tende a 
estar neste estado ignorante. Ela diz que quando ela pergunta ao público se eles já se 
classificaram em uma escala butch/femme, 95% diz que sim, mas quando ela pergunta se a 
encenação de papeis é importante para elas, 95% diz que é ”insignificante em suas vidas” [25]. A 
única explicação, para Loulan, é que 95% das lésbicas estão  negando e é o triste dever de 
Loulan tentar abri-los para os prazeres da encenação de papeis. Sexólogos tradicionalmente 
retomam tais incríveis responsabilidades e não recuam da ideia de ter que mudar o 
comportamento sexual das mulheres em massa para ajustarem a essas prescrições.[26]
Joan Nestle, em uma palestra de 1985 sobre encenação de papeis, ofereceu uma versão da 
teoria de arquétipos. Ela diz que quando conheceu uma butch ela experimentou „algum tipo de 
básica e pré-histórica previsão uma da outra?[27]. Outra participante da palestra, Jewelle Gomez, 
assegurou que a encenação de papeis é natural e inevitável. Ela vê butch e femme como 
representando os ”dois pólos que a natureza presenteia a cada um de nós? [28]. Como evidência ela 
apresenta a sabedoria popular do yin e yang da religião oriental. Ela considera que essa 
sabedoria popular se perdeu na religião puritana da Europa Ocidental, que fez com que as 
pessoas esquecessem que „há dois lados dentro dos indivíduos?. Provavelmente, o feminismo,
que questionou a sabedoria popular de todas as ideologias patriarcais sobre a natureza essencial 
de gênero, compartilhou deste trágico esquecimento. Este essencial dualismo, ela descreve 
como ”um principio natural, um princípio natural, psicológico, biológico, emocional e 
fisiológico?[29]. Isso não deixa muito espaço para opositores conscientes.
Também há lésbicas acadêmicas, como terapeutas sexuais, envolvidas em promover o novo 
essencialismo da encenação de papeis. Saskia Wieringa é uma antropóloga que reivindica que
cometeram o erro, devido a uma consciência feminista, de ver a cultura ocidental de 
butch/femme como „bastante ultrapassada?. Então ela experiment ou a cultura bar lésbica de 
Jakarta e Lima e percebeu o „quão estreito meu próprio, então chamado,  lesbianismo político
era?[30]. A descoberta de alguma coisa similar à encenação de papeis ocidental em outras culturas 
convenceu ela da pobreza da abordagem construcionista social do lesbianismo. Ela determinou 
que fatores psicobiológicos devessem estar envolvidos. A existência da encenação de papeis em 
outras culturas fora do ocidente podia ser usada para suportar a abordagem feminista 
construcionista social. Se a encenação de papeis lésbica é relacionada à encenação de papeis 
heterossexual, então seria de se esperar que isso fosse particularmente forte nos períodos e 
culturas onde a diferenciação de cada gênero foi forçada mais estritamente dentro da 
heterossexualidade. Isso pode explicar a cultura bar de Jakarta e Lima mais facilmente do que a 
invenção de alguma essência da encenação de papeis.
Explicações feministas da encenação de papeis que vinculam isso aos papeis de sexo da 
supremacia masculina são severamente rejeitadas por seus proponentes. Loulan atribui a ideia 
feminista de que a encenação de papeis lésbica é „imitação dos papeis macho/fêmea? ao ódio
próprio das lésbicas, nosso medo que as lésbicas sejam tão inferiores quanto na versão da 
heterossexualidade. Ela diz que „em algum lugar, em nosso mais profundo eu homofóbico, nós 
concordamos que as lésbicas são uma versão substituta do modelo heterossexual?, quando na 
realidade ”butch e femme  nao têm nada a fazer com o macho e fêmea? [31]. A encenação de papeis 
é ”algo profundamente feminino? que, ao invés de derivar de macho/fêmea, deriva de alguma 
outra raiz, um arquétipo ou principio  dos quais tanto os papeis macho/fêmea quanto os papeis 
lésbicos derivam, um dualismo na natureza. Isso significa que ao invés de i mitar o original 
heterossexual, as lésbicas adquirem seus papeis independentemente e da mesma fonte natural
que os homens e mulheres adquirem. É um pouco surpreendente então que o grande dualismo 
original na natureza seja tão especifico sobre quem aspira e quem expira, mas parece ser assim. 
Essa é a descrição de Loulan da ”energiafemme?:
Uma certa leveza, um certo brilho, um certo interesse  em cada 
pequeno detalhe sobre o que minha melhor amiga disse à pessoa 
que ela conheceu na mercearia. Uma ligação com colunas de 
fofocas cheias com pessoas que eu não conheço e nunca 
conhecerei [32].
Provavelmente, lésbicas que sofrem  de depressão não podem ser femmes, uma vez que elas 
carecem do brilho requerido. As entrevistadas da pesquisa dela que se identificaram como 
femmes irritaram  Loulan por serem  „mais prováveis de iniciar a limpar e decorar a casa, cuidar 
das crianças, organizar atividades sociais e fazer a verdadeira socialização? [33]. Ela nota que esses
são também papeis macho/fêmea. Isso pode até sugerir que  a femmeness tem algo para fazer 
com a subordinação feminina aprendida mais do que os grandiosos arquétipos no céu.
Lyndall MacCowan afirma que a masculinidade e a feminilidade na heterossexualidade são 
apenas dois gêneros, e realmente pode  haver algo mais. Butch e femme são gêneros também, 
”gêneros lésbico-específicos? e parte da variedade potencialmente grande. Ela acredita que 
”Sistemas de gênero são uma cultura universal? e não é verdade que „um sistema de gênero 
sempre implica em sexismo e homofobia? [34]. O gênero é apenas opressivo se limitado em uma 
sociedade particular de dois e ”rigidamente correlacionados? com o sexo biológico. De acordo 
com esta interpretação incomum  do gênero como simplesmente uma categoria corroída, ela vê a 
„androginia? como um gênero lésbico também. Claramente, encenadores de papeis devem 
repudiar uma análise feminista de gênero se eles tiverem respeito próprio e acreditarem que são 
jogos inofensivos. Então, eles buscam procurar confusão sobre o que o gênero é.
Uma análise feminista veria o gênero como sendo uma categoria política. Na verdade, uma 
classe política, na qual os seres humanos são colocados de acordo com a sua posse ou não de 
um pênis. Estes que possuem a forma do gênero masculino, não simplesmente por uma 
interessante categoria erótica, mas pela classe de papeis no sistema de opressão chamado 
supremacia  masculina, no qual as mulheres estão sofrendo e morrendo. A diferença de poder 
entre as duas classes de gênero é erotizada para ser entendida como sexo sob a supremacia 
masculina. Portanto, para muitos, para fazer sexo eles precisam ter um gênero e relacionar-se 
com alguém do gênero oposto. „Gênero? como um modo de estímulo sexual é diretamente 
derivado do gênero como mecanismo de regulação do sistema de classes da supremacia 
masculina. MacCowan termina sua peça dizendo que é ”tempo de reivindicar o direito de foder 
com o gênero? [35]. Mas é difícil ver como a repetição servil do papel do feminino no qual uma 
mulher tem sido educada, tentando viver como uma heroína Mills and Boon, é „foder? com tudo, 
de qualquer forma. E as oportunidades para as mulheres heterossexuais para „foder? parecem 
ainda mais limitadas. Se elas praticarem a feminilidade, ninguém notará, e se praticarem a 
masculinidade, elas podem encontrar alguma oposição dos homens. 
Lésbicas feministas que se opõem à encenação de papeis são chamadas „andróginas? na 
literatura de encenação de papeis. As lésbicas feministas, geralmente, não usam esta palavra 
para aplicar a si mesmas porque não significa a eliminação da masculinidade e f eminilidade, o 
que é o projeto feminista. Androginia representa a combinação de masculinidade e feminilidade 
em uma pessoa. Janice Raymond vê a ideia da androginia como fundamental para justificar a 
heterossexualidade como instituição política: 
    
…realidade-hetero e relações-hetero são construídas no mito 
da androginia. „?Tu, como uma mulher, deve unir-se a um 
homem?? para cumprir o suposto propósito cósmico de reunir o
que foi misticamente separado em macho e fêmea. Argumentos 
que suportam a primazia e prevalência de relações heterossexuais 
são, de algum modo, baseados na polaridade cósmica de machofêmea na qual as metades perdidas procuram ser reunidas. [36]
Androginia é um conceito que feministas lésbicas rejeitam. Não pode ser por acidente que, 
por isso, as encenadoras de papeis usem isso para referirem-se às feministas. Elas procuram 
desenhar aqueles que especificamente rejeitam e procuram desmantelar o gênero dentro de seus 
papeis venenosos. Loulan chama o projeto feminista de demolição de hierarquias de Poder e 
procura por igualdade de ”imperativo andrógino?[37]. Ela está, particularmente, desconsiderando 
qualquer propósito de igualdade em relações sexuais.
A lésbica que adere ao imperativo andrógino idealiza um 
relacionamento que não possui diferenças de poder… Não há 
qualquer jeito de manter um relacionamento de qualquer tipo livre 
de poder. O fato de haver duas pessoas trocando energia significa
que elas estão passando poder para frente e para trás. [38]
Estas são as excitantes possibilidades eróticas oferecidas pelas diferenças de poder 
introduzidas ou formalizadas nos relacionamentos lésbicos através da encenação de papeis que 
explicam  esta nova popularidade. Isso não deriva da natureza, imperativo psicológico ou 
tradição. As novas encenadoras de papeis apelam para a história lésbica para legitimar suas 
práticas, como se elas estivessem simplesmente continuando uma tradição honorável. Eu 
argumentei em outro lugar que esta procura por reabilitar a encenação de papeis nos anos 80 
estava acontecendo por diversas razões, especificamente, as eróticas. [39] A nova encenação de 
papeis é uma variedade do recente sadomasoquismo moderno. Isso não se assemelha à 
contrapartida histórica porque os papeis de gênero explodiram pela teoria feminista e não eram 
mais compulsórios, certamente, não por aquelas que agora estavam promovendo eles que são 
bem versados em tal teoria. A repressão política dos anos 50 fez da encenação de papeis uma 
força de proteção quando uma de um casal lésbico pode ”passar? pela rua, e ser difícil para 
algumas lésbicas pensarem além da diferença de gênero por causa da propaganda abafada das 
esferas separadas e diferença das mulheres que impregnou a década. As décadas de 80 e 90 são 
um tempo diferente. Uma avançada pesquisa feminista crítica da heterossexualidade de Jill 
Johnston a Adrienne Rich e Monique Wittig decifrou o vazio da heterossexualidade tradicional 
e nomeou isso como uma instituição de controle político da mulher. Uma imitação das leis desta 
instituição não podia ser realizada fora da ignorância nos anos 80 por aqueles que estavam 
impregnados na teoria feminista.
A encenação de papeis na década de 80 é pornografia suave comparada com a pornografia 
hard core de lésbica S/M. Isso providencia a emoção da erotizada diferença de poder sem os 
extremos de violência e vulgaridade. Merrill Mushroom descreve as vantagens da encenação de 
papeis usando os lemas do S/M, tais como vulnerabilidade, confiança e poder.
As dinâmicas básicas de butch-femme referem ao envolvimento 
de poder, confiança, vulnerabilidade, ternura e carinho. Quando 
eu, como uma butch, pedia a minha amada ”Dê isso para mim, 
baby, agora?, indo o mais profundo dentro dela quanto eu podia 
penetrar; e ela se solta completamente fluía para mim… Algumas 
vezes eu quero que ela me tenha naquele instante, e então eu a 
seduzo como uma femme seduz uma butch – seduzo ela a me ter 
ao invés de querer que eu a tenha. Algumas vezes a própria butch
dela vai dominar, e ela vai Ter Seu Jeito comigo, e eu vou deixar. [40]
Mushroom permanece vendo a si mesma como uma butch, apesar de uma troca de papel um 
pouco controlada. As desvantagens da encenação de papeis foram esquecidas nessa nova versão 
na qual é suposta a ser mais apenas um jogo do que de verdade. Há outras razões para a 
revitalização da encenação de papeis. Lésbicas querem descrever os problemas em seus 
relacionamentos, particularmente em torno da sexualidade, e na falta de uma linguagem 
feminista, agora que esse feminismo é tão desprezado e descartado, a linguagem  da encenação 
de papeis parece útil.
A terapeuta sexual JoAnn Loulan, em seu livro A Dança Erótica Lésbica, expressa que sua 
visão da encenação de papeis é sobre a construção de categorias corroídas. Butch/Femme para 
ela é sobre como escolher uma parceira sexual e o que fazer com elas.  Para ela, o lesbianismo é 
uma prática sexual e esta prática sexual, por ela mesma, ao fazer isso, que faz o lesbianismo 
revolucionário. A crítica feminista da encenação de papeis é referida pelos propagandistas como 
lesbianismo „dessexualizado?. Loulan nota que ela „não pode deixar de comentar sobre a 
dessexualização da nossa cultura? [41]. Contribuintes de O Desejo Persistente produzem o mesmo 
argumento. Madeline Davis observa:
    
Frankly, eu não entendo não ter papel identificado. Claro, eu 
acredito quando elas dizem que não são, mas tudo isso me parece tão „o 
mesmo? para mim,  e um tipo chato. Elas estão tão ocupadas pegando 
nas mãos e remexendo e cantando sobre ?encher e transbordar? [42].
Arlene Istar reclama sobre o feminismo, ”Nós temos limitados nossas opiniões sobre 
dessexualizar nossa comunidade? [43]. Lyndall MacCowan explica que „butch  e femme são 
construções de gênero que surgem de uma definição sexual de lesbianismo? [44] e que ”Butch e 
femme foram feitas invisíveis porque a sexualidade lésbica foi feita invisível? e prossegue numa 
rejeição explícita da temeridade do feminismo lésbico  em dar ao lesbianismo um significado 
político.
É hora de dizer explicitamente que a análise lésbico-feminista 
vincula a opressão das mulheres com o gênero, papeis de sexo, 
sexualidade, e a orientação sexual é tanto simplista quanto incurável, e 
sobrevive a habilidade para abastecer um movimento para a libertação 
de mulheres – não apenas lésbicas. [45]
A sexualidade da encenação de papeis, como demonstrada em coleções tais como O Desejo 
Persistente, imita a felação heterossexual clássica e relações religiosamente a fim de realizar o 
potencial dessas práticas para satisfações sadomasoquistas. Uma butch prestativamente explica 
a excitação de penetrar para ela: ”… foder entre iguais é impassível… Quando nós fodemos, nós 
possuímos. Quando nós somos fodidas nos tornamos a posse? [46]. Joan Nestle descreve ser fodida 
com um dildo, ”… ela desce e desliza o pênis em mim… ela começa a mover seus quadris em 
empurrões curtos e fortes? [47]. Pat Califia tem um poema na coleção sobre ela querer ter um pênis 
com linhas como ”Imagine o  dilatado e rígido comprido/empurrado dentro de você,? ”Fodendo 
você até eu chegar/ Ficando em você até eu ficar duro novamente? [48]. As palavras usadas para 
foder no poema são ”empurrar, introduzir e arquear?, „furar?, „machucar, preencher e perfurar 
em você? [49].
Mais surpreendente que a imitação das relações sexuais brutais é a prática da felação. Ou 
seja, o ato da felação em um dildo. Jan Brown explica que a razão para esta prática é que é essa 
a definição da dominação e submissão. ”Isso é sobre o estímulo de dominar, ter e degradar. Isso 
é sobre a feroz necessidade  de submeter. De servir a alguém? [50]. Nestle também descreve a 
felação. Para que não careçam do potencial erótico para a mulher amarrada nisso, Nestle inventa 
uma variação. ”Eu tomo uma das mãos delas e envolvo em torno da base, então ela pode sentir 
meus lábios como eu movo nela… lambendo o pênis de lavanda? [51].
As práticas de encenação de papeis, descritas na determinação delas em imitar o sexo 
heterossexual tradicional, inclui violência não consensual. O poema acima de Pat Califia sobre 
perfurar e machucar também menciona o alcoolismo e violência da butch. Scarlet Woman 
escreve sobe o que poderia em um contexto heterossexual ser passível de algumas jurisdições 
pela acusação de estupro marital. A mulher acorda ”Debaixo de mãos rápidas, alarmada em 
excitação instantânea? e ”Você move mais rápido do que posso acreditar? enquanto ”Meu 
cérebro está dormente? [52]. Mas isso é representando como aceitável porque a vítima fica excitada 
no decorrer do evento. Talvez não seja surpreendente que quando as dinâmicas da 
heterossexualidade são imitadas nas dinâmicas de atividade e passividade, então o estupro é 
provável de se tornar uma possibilidade real entre mulheres.
É um segredo aberto entre proponentes do sadomasoquismo lésbico que a sexualidade da 
crueldade é vinculada ao abuso sexual de crianças. Praticantes defendem o S/M afirmando que é 
esse o único modo que elas podem experimentar o prazer sexual porque seu abuso amarrou 
abuso e prazer tão rigorosamente juntos que para elas qualquer possibilidade de um erotismo de 
igualdade está impedida. Dos escritos das encenadoras de papeis isso parece bastante claro que 
há ligações similares entre a compulsividade  da prática do S/M moderado e a opressão das 
mulheres. Jan Brown, em The Persistent Desire nos diz que ela trabalhou como uma prostituta 
de rua na década de 70. Como uma butch adulta, ela nos diz que ela e suas amigas encenadoras 
de papeis mentiram para as feministas para tentarem fazer suas práticas sexuais parecerem 
respeitáveis. „Nós explicamos a elas que mesmo que muitas de nós pudessem masturbar em 
estupro coletivo, torturar, papai em nossas camas, e outras imagens inegavelmente incorretas, 
mas não era nada de se perder o sono? [53]. Elas enfatizaram a diferença entre a fantasia e a 
realidade, e que elas estavam no controle de suas fantasias. Mas ela diz, „nós mentimos?. Na 
verdade, a falta de controle que é atraente. O poder das fantasias mente:
    
…na  luxúria  de  ser  dominada,  forçada,  machucada,  usada, 
objetificada.  Nós  masturbamos  o  estuprador,  o  Hell’s  Angel
[motociclista], o papai, o Nazi, o policial, e todas as outras imagens que 
não  havia  nada  a  fazer  com  o  tipo  de  sexo  lésbico  que  implica 
murmúrios de carinho, acariciamento de seios, e longo e lento trabalho 
de língua. E, sim, nós também sonha mos em tomar. Nós sonhamos com 
o sangue  em nossas  mãos, em rir com  os choros de  misericórdia. Nós 
vestimos o uniforme e a arma; nós arrastamos nossos pênis para fora de 
nossas  calças  para  dirigir  a  um  corpo  relutante.  Algumas  vezes, 
queremos  dar as mãos à  estrangulada. Algumas  vezes, nós precisamos 
ter um pênis tão duro quanto verdadeiro entre nossas pernas, para ter a 
liberdade  de  ignorar  o  „?não??  ou  para  ter  nosso  próprio  „?não?? 
ignorado. [54]
Brown explica que as fantasias surgem diretamente da opressão das mulheres porque ”muitas 
de  nós  tem  graduação  na  universidade  de  autodestruição?.  Elas  são  ”sobreviventes  das  ruas, 
sobreviventes de incesto?, viveram com ”namorados abusivos? ou ”abusavam de substâncias? e 
”mantinham muitos tipos de cicatrizes?. Mas o sexo que é crueldade erotizada é a salvação delas 
e ”nos  mantêm  vivas  –  fora das prisões  e  enfermarias trancadas,  relacionamentos abusivos,  e 
probabilidade  de  brigas  ruins  em  bares? [55].  Brown  explica  bastante  diretamente  o  quanto  a 
encenação de papeis erotiza a verdadeira experiência material da brutalidade.
Um  poema  em  Leitora  Femme-Butch  cria  o  mesmo  ponto.  A  narração  poética  de  Sonja 
Franeta explica que ela ouvia os sons de seu pai batendo e abusando de sua mãe e ”descobriu 
como limpar/a ferida diretamente  em mim? [56]. Ela estava batendo nela mesma. Mais uma vez,
erotizar a crueldade é visto como a solução na qual ”nossa dor se tornará prazer? e esse tempo  é 
expresso  em  cinto  de  fivela,  botas,  jaqueta  de  couro,  navalha  e  ser  ”forte?.  A  ideia  de  que  a 
sexualidade da encenação de papeis, como outras formas de S/M, é um tipo de ritual religioso 
de masoquismo que vai salvar ou compensar pela verdadeira dor é um refrão comum.
Não  são  apenas  encenadores  de  papeis  libertários  que  caem  na  falácia  essencialista.  Três 
lésbicas  radicais  separatistas,  moradoras  de  Oakland,  Califórnia,  que  têm  perspectivas 
inquestionavelmente feministas sobre sadomasoquismo e feminilidade, estão usando a ideia de 
butch  e  femme  de  modos  que  compartilham  alguns  das  implicações  mais  profundas  e 
problemáticas  da  perspectiva  libertária  que  nós  vimos  acima.  Bev  Jo,  Linda  Strega  e  Ruston 
atacam o que elas veem como opressão das  butchs  pelas femmes. Elas não veem  butch  e femme
como  categorias  eróticas,  de  qualquer  modo.  As  definições  delas  são  políticas.  Elas  veem 
butches como ”aquelas que, como garotas, rejeitaram a feminização, e recusaram-se a encenar o 
papel designado pelos homens para as mulheres? e femmes como ”aquelas que aceitaram o papel 
feminino,  em  vários  graus,  como  garotas? [57].  Elas  rejeitam  a  ideia  da  encenação  de  papeis 
inteiramente e acreditam que lésbicas devem se abster de qualquer comportamento „masculino? 
e ”feminino?. Mas elas acreditam que  butch  e  femme  são categorias que todas as lésbicas caem, 
sem exceção, que elas são as ”identidades de núcleo básico? que ”todas as Lésbicas têm? [58]. Elas 
perguntam ”É possível não ser Butch nem Femme? e respondem ”não? [59].
Elas parecem ter decidido usar o vocabulário  de  encenação  de papeis com a finalidade  de 
endereçar uma questão de significância política. Esta é a diferença na experiência entre lésbicas 
que sempre se viram como lésbicas e lésbicas que ”passaram? a adotar roupas femininas ou que 
se  assumiram  lésbicas  depois  de  algum  tempo  vivendo  como  heterossexuais  e  ganhando  os 
privilégios  que  as  lésbicas  de  há  muito  tempo  eram  incapazes  de  adquirir.  Elas  definem  as 
lésbicas que carregam o padrão da visibilidade lésbica como bravas heroínas da libertação das 
lésbicas, e como  butches. Joan Nestle, que vem de uma política muito diferente, faz o mesmo 
ponto. Realmente, a admiração  pelas  butches  visíveis, expressada pelas novas  femmes, parece 
emanar  de  alguma  culpa  compreensível  sobre  a  suposição  dos  privilégios  de  passagem. 
Femmes, como  muitas delas assinalam, são apenas visíveis quando nos braços de uma butch. Jo, 
Strega e Ruston têm uma abordagem diferente. Elas convocam todas as lésbicas a simplesmente 
abandonarem os privilégios de passagem e desistirem da feminilidade, então as ”butches? não 
sofreriam mais pela visibilidade delas. Esta é uma solução positiva lésbica mais dinâmica.
Mas o uso delas do vocabulário de encenação de papeis em situações nas quais dificilmente 
parece  apropriado  faz  enfraquecer  pontos  políticos  importantes  que  elas  estão  fazendo.  Para 
dizer que crianças a partir de dois anos fazem uma decisão de aceitar ou rejeitar a feminilidade, 
estão trancando elas mesmas em um sistema pelo que elas vão durante toda a vida oprimindo 
butches  ou sendo oprimidas como  butches, fazendo  ressaibo  do essencialismo. Isso aumenta a 
rigidez das categorias  butch/femme  e não permite mudanças. Elas procuram reverter o que elas 
veem  como  a  opressão  de  butches  pelas  femmes,  mas  ao  fazerem  isso,  criam  uma  nova 
hierarquia.  Butches, que elas veem como bastante raras, possivelmente 5 a cada 100 lésbicas, 
são ”muito mais próximas de nosso estado inato e natural?, de ser uma fêmea.  Femmes  nunca 
serão  capazes  de  tornarem-se  ”naturais?  e  então  são  relegadas  a  estarem  em  uma  categoria 
inferior  durante  toda  a  vida.  A  criação  de  tais  divisões  desnecessárias  não  pode  ajudar  na 
construção  da  comunidade  lésbica  feminista.  Duas  lésbicas  que  parecem  e  se  comportam 
identicamente,  ambas  em  blusa  xadrez,  jeans  e  botas,  podem,  de  fato,  de  acordo  com  esta 
análise, permanecerem em estados de categorias diferentes por todas as suas vidas.
De acordo com isso, esta análise de butches  e femmes  pode ser identificada pela cognoscente 
de observação, mesmo que elas não saibam o que elas são, ”Você pode geralmente dizer quando 
você  conheceu  alguém  pela  primeira  vez  se  ela  é  Butch  ou  femme? [60].  Algumas  pistas  para 
reconhecer  são  fornecidas  sob  o  título  de ”Uma  Lista  Honesta  Femme  de  AutoReconhecimento?.  A  femme  explica que  quando ela conhece  outras lésbicas, ela sente ”menor 
diferença  com  fêmeas?,  e  com  uma  butch  ela  sente  uma  ”barreira  potencial?.  Ela  sente  ela 
mesma ”movendo como uma  Fem, e automaticamente usando alguns gestos femininos? [61]. O que 
mais ela percebe é que ”ativistas feministas gostam de costurar, bordar, cozinhar, e outras coisas 
designadas ?trabalho de mulheres? sente que estas coisas que pertencem a ela e à ”esfera de 
ação? dela. Parece que o grande arquétipo no céu está em ação novamente.
O trabalho dessas três lésbicas também contém mais clara e convincente análise feminista tal 
como o de Linda Strega do movimento para a feminilidade na comunidade lésbica na década de 
80. Linda Strega chama a feminilidade lésbica de ”A Grande Definição?. Ela explica que outras 
lésbicas ”verbalmente atacaram? ela em aglomerações sociais sobre por que ela quis ”vestir um 
uniforme? [62]. Neste ataque social no que as lésbicas feministas sempre tenderam a usar, camisa e 
jeans, é o paralelo do ataque literário seguido pelas encenadoras de papeis, como Margaret
Nicholls. Como Strega pontua, aquelas que podem com mais justiça serem vistas como vestindo 
uniforme, são certamente as lésbicas que escolheram imitar a tradicional feminilidade designada 
pelos  machos.  De  alguma  maneira,  as  recentes  lésbicas  feministas  se  veem  como 
verdadeiramente  corajosas  por  mudarem  uma  pequena  fração  do  mundo  ocidental  que  não 
aplica a feminilidade compulsória em mulheres lésbicas feministas. Strega sugere que mais do 
que ser um ato de heroísmo, o retorno à feminilidade é sobre ”passar? para ganhar privilégio.
No fim dos anos 80, se tornou mais e mais difícil declarar que tal e tal mulher ”parece uma 
lésbica?. Protestantes lésbicas irritadas diriam que não há nenhuma coisa como „de que modo 
uma lésbica se parece?. Bem, como Strega, eu penso que não é assim. Há uma tradição histórica 
de lésbicas rejeitando a feminilidade de diferentes formas, e diferentes extensões, mas a rejeição 
da feminilidade tem sido, como eu sugiro, um tema comum. Lésbicas tendem a  declarar 
dignidade humana contra as indignidades sociais da feminilidade designada pelo macho. 
As lésbicas em discotecas feministas nos anos 70 e começo dos anos 80 não pareciam muito 
diferentes das lésbicas de discotecas tradicionais, camisa, camiseta e jeans predominavam, e 
cabelo curto. A estratégia política de parecer como lésbicas é mais do que apenas um desejo 
pessoal de estar aquecida, confortável e na posse de liberdade de ação, muito útil em um mundo 
onde homens atacam mulheres. Esta é uma estratégia importante para a criação da liberdade 
lésbica. No local de trabalho, em suas famílias de origem, na rua, lésbicas que „parecem como 
lésbicas?, e seus agressores sabem o que significa  estar em risco. Por mais que lésbicas e 
mulheres rejeitem a feminilidade, mais fácil se torna para outras mulheres escapar das normas 
femininas degradantes, e mais difícil se torna a discriminação contra lésbicas.
A nova encenação de papeis é o fundamentalismo do lesbianismo. Como o fundamentalismo 
em todas as religiões patriarcais, fundado sobre e designado para manter a opressão das 
mulheres através da aplicação da dominação masculina e submissão feminina, assim também é a 
encenação de papeis lésbica. Isso requer o mesmo embasamento próprio entusiástico das 
mulheres e alcança isso. Isso é explicado pela mesma mitologia de biologia ou yin e yang. A 
encenação de papeis lésbica precisa ser explicada como parte do muito grave, em todo o mundo, 
backlash contra a libertação de mulheres, na qual algumas mulheres são, assim, abraçando a 
opressão delas com obediência servil e repetição compulsiva, mas muito mais estão se 
rebelando. A dança erótica da encenação de papeis, o ritmo da escravidão, a dominação 
masculina e submissão feminina, um velho ritmo, de fato, mas não natural. 
Notas:
1.  Veja Alderson, Lyn e Wistrich, Harriet (1988). ”Cláusula 29: Perspectivas Radicais Feministas?. Em
Apuros e Conflitos. No. 13. PP. 3-8. 1. (Durante a passagem a Seção 28 se torna, em um ponto, Cláusula 
29. 
Em 1987 houve uma conferência de estudos gays e lésbicos em  Amsterdam, na qual o tema 
era ”Essencialismo  versus  construcionismo social?. Isso  parecia  ser uma controvérsia que estava 
pressionando aqueles que planejaram a conferência. A introdução dos papeis coletados afirma 
”Há  uma  década  há  uma  crescente  controvérsia  entre  estudiosos  gays  e  estudiosas  lésbicas, 
centrada  entre  duas  teorias  científicas  rivais  e  suas  implicações  para  a  homossexualidade: 
essencialismo e construcionismo. 
2.   Altman, Dennis et al (Eds.) (1989). Que Homossexualidade? Londres: Imprensa dos Homens Gays.
Introdução p. 6.
3.  Campaign (1992). ”Nós Nascemos Para Ser Gay?? No. 199. p. 69. Outubro. Austrália. 
4.  Ibid.
5.    Jo, Bev, Strega, Linda e Ruston (1990). Dykes Amam-Dykess. Oakland, California: Battleaxe. p. 168. 
6. Ibid.
7. Wolf, Naomi (1990). O Mito da Beleza. Londres: Vintage.
8. Para uma descrição da minha decisão de tornar-me uma lésbica política, veja: Holdsworth, Angela
(1988). Fora da Casa de Bonecas. Londres: BBC Publicações. Minhas razões estão citadas nos capítulos  7 e 8.
9. Nestle, Joan (1988). Um País Restrito: Ensaios e Histórias Curtas. Londres: Sheba. p. 124.
10. Penelope, Julia (1984). ”Que Passado Estamos Reivindicando??  Vidas Comuns, Vidas Lésbicas. No. 13. p. 42.
11. Koertge, Noretta (1986). ”Butch Imagens? 1956–86.? In Éticas Lésbicas. Vol. 2. No. 2.
p. 103.
12. Ibid. 
13. Austin, Paula (1992). ”Femme-inismo.? In Nestle, Joan (Ed.). O Desejo Persistente.
Boston: Publicação Alyson, p. 362.
14. Ibid. p. 363.
15. Ibid. p. 365.
16. Nestle, Joan (1992b). „My Woman Poppa.? p. 348.
17. Califia, Pat (1992b). „O Poema Femme.? p. 418. 
18. MacCowan, Lyndall (1992). ”Re-coletando Historia, Renomeando Vidas: Estigma Femme e a Feminista dos anos 
Setenta e Oitenta.? p. 309. In Nestle, Joan. p. 309.
19. Ibid. p. 311.
20. Loulan, JoAnn (1990). A Dança Erótica Lésbica. São Francisco: Spinsters. p. 193.
21. Ibid. p. 194. 
22. Bolen, Jean Shinoda citada em Loulan, JoAnn (1990). p. 17.
23. Ibid. p. 20.
24. Ibid. p. 29.
25. Ibid. p. 43.
26. Veja o capitulo ”A Invenção da Mulher Frígida? no meu livro (1985). A Celibatária e Seus Inimigos.
27. Citado em Loulan, JoAnn (1990). p. 98.
28. Ibid. p. 49.
29. Ibid. p. 50.
30. Wieringa, Saskia (1989). ”Uma Crítica Antropológica do Construcionismo:
Berdaches e Butches.? In Altman, Dennis et al (Eds.). Que Homossexualidade? p. 215. 
31. Loulan, JoAnn (1990). p. 48.
32. Ibid. p. 102.
33. Ibid. p. 102.
34. MacCowan, Lyndall (1992). p. 318.
35. Ibid. p. 323. 
36. Raymond, Janice G. (1986). Uma Paixão para Amigas: Relativo à Filosofia da Afeição Feminina. Londres: A 
Imprensa das Mulheres, p. 12. Boston: Beacon Imprensa.
37. Loulan, JoAnn (1990). p. 73.
38. Ibid. p. 76.
39. Veja meu capitulo (1989). ”Butch  e Femme: Agora e Depois?. No Grupo de História Lésbica (Eds.). Não é Uma 
Fase Passageira. Londres: A Imprensa das Mulheres. 
40. Mushroom, Merrill (1983). ”Confissões de uma Butch Dyke.? Vidas Comuns, Vidas Lésbicas. No. 9. p. 43.
41. Loulan, JoAnn (1990). p. 203.
42. Davis, Madeline (1992). ”Epilogo, Novo Anos Depois.? In Nestle, Joan (Ed.) p. 270.
43. Istar, Arlene (1992). ”Femme-Dyke.? In Nestle, Joan (Ed.) p. 382.
44. MacCowan, Lyndall (1992). p. 306. 
45. Ibid. p. 306.
46. Brown, Jan (1992). ”Sexo, Mentiras e Penetração: Uma Butch Finalmente “Admitem”.? Em Nestle, Joan (Ed.) p. 
411.
47. Nestle, Joan (1992). ”Minha Mulher Papai.? p. 350.
48. Califia, Pat (1992). ”Gênero Fode Gênero.? Em Nestle, Joan (Ed.) p. 423.
49. Ibid. p. 424.
50. Jan Brown (1992). p. 413.
51. Nestle, Joan (1992). ”Minha Mulher Papai.? p. 349.
52. Scarlet Woman (1992). ”Role Sobre Mim e Me Traga uma Rosa.? Em Nestle, Joan (Ed.).
O Desejo Persistente. p. 352. 
53. Brown, Jan (1992). p. 411.
54. Ibid. p. 412.
55. Ibid.
56. Franeta, Sonja (1992). ”Bridge Poem.? In Nestle, Joan (Ed.). The Persistent Desire.
p. 375.
57. Jo, Bev, Strega, Linda, and Ruston (1990). pp. 140–141. 
58. Ibid. p. 139.
59. Ibid. p. 157.
60. Ibid. p. 147.
61. Ibid. pp. 150–151.
62. Ibid. p. 163.

vídeos em feminismo radical, herstória das mulheres, etc

10-Jan-15

Nem todos tem legenda ao ativar, mas alguns sim. Retirado do blog whenwomenwerewarriors.wordpress.com

Os básicos: O que é feminismo radical?

Radical vs Liberal Parte 1
<http://www.youtube.com/watch?v=YkXrS0NnQM0…>
Parte 2 <http://www.youtube.com/watch?v=7rcxnLO06CA> Parte 3
<http://www.youtube.com/watch?v=9PEZKllQKOQ>

Lierre Kieth de Deep Green Resistance explica a diferença entre feminismo Radical e Liberal. É um bom começo se você acha os dois termos confusos. Em qualquer caso, é um bom refrescador de mente para quem está a mais tempo.
(3 vids total aprox. 30 mins)

Neoliberalismo e a Deterioração do Feminismo
<https://www.youtube.com/watch?v=kDcTt0emXhE>

Será que o movimento de libertação das mulheres morreu ou tomou uma nova forma? A sociologista Dr. Gail Dines explora a forma na qual feminismo esteve mudando nos anos recentes entre a segunda e a terceira onda feminista e os danos que isso causou ao movimento de mulheres (1hr 6mins).

Onde estão todas as radicais? – Quando feminismo fica moderado
<https://www.youtube.com/watch?v=f6L9rO1v6OY>

Este vídeo é similar ao podcast que você não pode mais ver, mas a cobetura é ótima. Por Meghan Murphy e iremythpurr, ele cobre a perda da forte presença feminista radical no discurso feminista mainstream e explica as razões por que isso teria ocorrido. Possui partes de falas de Andrea Dworkin e uma entrevista original com Sheila Jeffreys (1hr 37mins)

Políticas Sexuais
Dra. Sheila Jeffreys sobre Kate Millett Parte 1
<https://www.youtube.com/watch?v=Gg0LrEcDC4w>

Parte 2
<https://www.youtube.com/watch?v=t9JaqtMH9fo>

Sheila Jeffreys revê a teoria de Kate Millett,  seu livro Sexual Politics (Políticas Sexuais, tem em português), e o impacto que ele teve no movimento feminista (1hr total com ambos vids)

Gênero

Radfem Gender 101 <http://www.youtube.com/watch?v=Ot8cBm0YmXo>

Rachel Ivey do Deep Green Resistance explica a crítica feminista radical do gênero. (27 mins)

Pornografia e Prostituição

Tráfico, Prostituição e Desigualdade
<https://www.youtube.com/watch?v=zpYegz1OqHA>

Dra. Catherine Mackinnon explica por que as noções de consentimento, agência e por que as noções de consentimento, agência e escolha obscurece o dano feito às mulheres pela indústria do tráfico e prostituição. Excelente fala, recomendadíssima. (1hr 27mins)

Feminismo e Prostituição

<http://www.youtube.com/watch?v=scOlrYokdJM>

Kajsa Ekis Eknan, autora do livro por ser lançado, Being & Being Sold (Ser e Ser vendida), explica por que prostituição é danosa para mulheres como indivíduas e como classe. (21 mins)

Como Pornografia Cria o Cliente de Prostituição

<https://www.youtube.com/watch?v=Ng172g_F8rM>

A socióloga Dra. Gail Dines explica a forma na qual pornografia socializa garotos para se tornar sexualmente exploradores com mulheres e faz caso da cultura de estupro nesta fala. Ela explica como a construção do gênero masculino é perigosa para mulheres e priva homens de sua própria humanidade. (55 mins)

Duas Ex-Estrelas Pornô Stars Desvelam a Verdade sobre Pornografia
<http://www.youtube.com/watch?v=jRZZAuPyG7I>

Duas bravas ex- estrelas pornôs, Shelley Lubben e Jenni Case, fala sobre suas experiências nessa indústria. (33 mins)

Prostituição, Pornografia e Tráfico
<http://www.youtube.com/watch?v=R_7y_FQWTXk>

Uma fala de Andrea Dworkin sobre indústria pornô. Necessário.
(23 mins)

Pornografia

 

<http://www.youtube.com/watch?v=L9j7-zZks08>

Um documentário de 1991 sobre pornografia por Andrea Dworkin. Inclui entrevistas com sobreviventes da pornografia. (47 mins)

Herstory

Algumas feministas Norte-Americanas – Documentário sobre o Movimento de Mulheres nos 70s
<https://www.youtube.com/watch?v=BMxxFe4J1UQ>

Um belo documentário filmado durante os 70s com as mulheres que nos deram o movimento de mulheres nos EUA. Nossas antepassadas (obrigada irmãs!). Este vídeo é brilhantemente positivo e reminicente de onde as feministas radicais de hoje vieram. (55 mins)

Lefties: Angry Wimmin
parte 1
<https://www.youtube.com/watch?v=Apo72n01ESI>

parte2

<https://www.youtube.com/watch?v=Tn7bZM9okY8>

parte 3

<https://www.youtube.com/watch?v=TSHQpRXlTzE>

parte 4
<https://www.youtube.com/watch?v=gX5wOxRhvec>

 

The Burning Times

<http://www.nfb.ca/film/burning_times/>

Um documentário sobre a história de mulheres e crianças queimadas como bruxas pela Europa por um período aproximado de 400 anos. Absolutamente bela peça de herstória aqui. Não a perca! (56 mins)

Espiritualidade da Deusa

Deusas relembradas

<http://www.nfb.ca/film/goddess_remembered/>

Did you know that our ancestors all over the world used to worship
Goddesses, especially a great mother Goddess as the central deity of all
spiritual practice? This documentary covers the old Goddess religion that
was lost when violent, patriarchal religion took over the Earth through war
and domination. (54 mins)

Espiritualidade das Deusas parte 1
<https://www.youtube.com/watch?v=TXK56oG03nQ…> Part 2
<https://www.youtube.com/watch?v=Y9TCz3m_23g…> Part 3
<https://www.youtube.com/watch?v=vRH0v36kBwc>

Dra. Catherine Mann (Dra. Catwoman) explora a espiritualidade das Deusas pelo mundo nesta palestra. Ela é um pouco liberal no seu feminismo, mas sua pesquisa e trabalho é fantástico. Este é um clip adorável da herstória das mulheres. (3 vids approx 20 mins)

Wickedary

<https://www.youtube.com/watch?v=KCYqS84zjCU>

Leitura da Dra. Mary Daly reading from her book Wickedary. (5 mins)

Gathering the Goddess

<https://www.youtube.com/watch?v=nTaTGsh7Cvc>

Entrevista com Zsusanna Budapest, uma Wiccana Dianica da Hungria, que vem impulsando uma reivindicação da religião da Deusa pelo mundo. Ela vem espalhando formas de bruxaria somente de mulheres por décadas. (10 mins)

Retorno ao gênero: o pós-modernismo e a teoria lésbica e gay – Sheila Jeffreys

09-Jan-15
Retorno ao gênero: o pós-modernismo e a teoria lésbica e gay 
Sheila Jeffreys
 (Capítulo 5 do livro The Lesbian Heresy/La Herejía Lesbiana/A Heresia Lésbica, em projeto de tradução coletiva)
Nos anos 80, produziu-se um repentino entusiasmo pela obra dos Mestres do pós-modernismo- Foucault, Lacan e Derrida – seguido de sua incorporação à teoria feminista. Algumas críticas feministas sinalizaram que esse fato causou certa despolitização do feminismo. No campo da teoria gay e lésbica, a obra das grandes figuras masculinas do pós-modernismo, assim como a de outros teóricos inspirados neles, tem sido recebida com ainda mais entusiasmo. Não deveria ser surpreendente que a chamada teoria lésbica-e-gay, a saber, aquela que homogeneíza lésbicas e homens gays, se mostre tão atrativa aos olhos desses últimos. Tudo que remeta de forma demasiadamente explícita ao feminismo é contemplado com suspeita. No momento atual, o projeto de elaborar uma teoria lésbica independente aparece como uma empresa extravagantemente separatista. As estrelas da nova teoria lésbica-e-gay, Judith Butler e Diana Fuss, ambas mulheres, se dedicam a reciclar um feminismo fundamentado nos Mestres pós-modernos – na sua maioria gays – que no fira a sensibilidade dos gays. Não é uma tarefa fácil. Como conseguir, por exemplo, que o fenômeno do travestismo seja considerado não apenas aceitável, mas também revolucionário para a teoria lésbica-e-gay, quando sempre havia sido um tema sumariamente controverso para a teoria feminista desde que as lésbicas se distanciaram do movimento de liberação gay? Isso só é alcançável pelo retorno ao gênero, pela invenção de uma versão inofensiva do gênero, com a qual as lésbicas e os gays possam jogar eternamente e serem revolucionários ao mesmo tempo.
        A versão de gênero introduzida pela teoria lésbica-e-gay é muito distinta do conceito de gênero das teóricas feministas. Trata-se de um gênero despolitizado, asséptico e de difícil associação com a violência sexual, a desigualdade econômica e as vítimas mortais de abortos clandestinos. Aqueles que se consideram muito distantes dos escabrosos detalhes da opressão das mulheres redescobriram o gênero como jogo. E essa perspectiva é bem recebida no mundo da teoria lésbica-e-gay porque apresenta o feminismo como uma diversão, e não como um desafio irritante.
        Uma análise preliminar de quem são esses novos porta-vozes da teoria lésbica-e-gay pode nos ajudar a entender a razão da escolha dessa política em concreto. Enquanto as destacadas feministas dos 70 faziam sua formação profissional em ciências políticas, história e sociologia, essa nova variante procede dos estudos literários e culturais, assim como dos estudos fílmicos. Temos, por exemplo, o livro compilado por Diana Fuss, Inside/Out. Lesbian Theories, Gay Theories. Judith Butler exerce a docência em um Centro de Humanidades e, por consequência, não pertence necessariamente ao campo da crítica cultural. As outras dezoito autoras procedem do campo da literatura, dos meios de comunicação, dos estudos fílmicos, da fotografia e da historia da arte. Não há razão para que uma crítica de arte não possa realizar contribuições valiosas ao desenvolvimento da teoria política; entretanto, talvez seja um sinal preocupante que tudo o que a nova geração de alunas e professoras lésbicas e alunos e professores gays chamam de “teoria” venha do mundo das artes e não das ciências sociais. Talvez isso explique o fato de que nessa nova teoria não há lugar para o antiquado tema das autenticas relações de poder, nem tampouco para a economia ou para uma forma de poder que não simplesmente flui, mas que se encontra nas mãos de classes e elites determinadas. A teoria pós-moderna outorgou um lugar preeminente à linguagem dentro do político: a palavra se tornou realidade e o crítico cultural se converteu em ativista político, soltando a pena enquanto a dona de casa maltratada por seu marido por esquecer uma teia de aranha em um canto da sala se torna extremamente invisível. 
        Atentemo-nos agora às autoridades citadas pela nova teoria lésbica-e-gay. Nas notas da sua introdução, Diana Fuss cita Judith Butler, Derrida em várias ocasiões, Foucault, nove homens e duas mulheres. O que é bastante surpreendente, levando em conta o importante corpus de teoria lésbica-feminista original que poderia servir de fonte de inspiração; mas essas obras não existem para a nova teoria lésbica-e-gay. Não há referencias a Mary Daly, Audre Lorde, Janice Raymond, Julia Penelope, Sarah Hoagland ou Charlotte Bunch. Desapareceram com as separatistas de pensamento que advogam por uma teoria lésbica na qual os homens gays não tem lugar.
        A raiz do problema de gênero para a nova teoria lésbica-e-gay se encontra na ideia de predomínio da linguagem e das oposições binárias que procede de Lacan e Derriba. A linguagem adquire uma importância sem par. Enquanto outras feministas consideram a linguagem um fator importante, que faz parte de um panorama composto por outras forças opressoras que perpetuam a opressão das mulheres – as restrições econômicas, a violência exercida pelos homens, a instituição da heterossexualidade -, para as novas defensoras pós-modernas da teoria lésbica-e-gay a linguagem se converte em um assunto primordial. A linguagem atua através da construção de falsas oposições binárias que controlas misteriosamente a maneira de pensar e, consequentemente, de agir. Um desses binômios – masculino/feminino – é o mais crucial para a opressão das mulheres, assim como para a das lésbicas e gays.
        A feminista pós-moderna exclui os homens de sua análise. O poder se converte, em sentido foucaultiano, em algo que navega por aí  em perpétua reconstituição, sem sentido real e sem conexão alguma com pessoas reais. Consequentemente, Judith Butler associa o poder a certos “regimes”, afirmando que “os regimes de poder do heterossexismo e do falocentrismo perseguem seu próprio crescimento por meio de uma constante repetição de sua própria lógica”. Em outro lugar, antropomorfiza a heterossexualidade: 
 
O fato de que a heterossexualidade está em contínuo processo de auto-interpretação é prova de que se encontra em perigo constante: “sabe” da possibilidade de que desapareça.
Uma heterossexualidade com tese de doutorado! Normalmente, uma analise feminista questionaria em interesse de quem ou de que se constituem esses regimes, e a pergunta, por sua finalidade, não pareceria estar fora de lugar. E aí os homens voltariam a aparecer.
        O conceito de gênero que utiliza Butler se encontra igualmente distanciado de todo contexto que envolva relações de poder.
        O gênero da repetida estilização do corpo, uma serie de atos repetidos dentro de um marco regulador altamente rígido, que com o tempo se cristalizam e criam a aparência de uma substancia ou de uma existência natural.
        Em outra parte do livro, afirma que “o gênero é uma forma de travestismo (drag)”. Dessa forma, o gênero significa uma maneira de sustentar o corpo, uma atuação, uma aparência, e não é surpreendente que a conclusão de Butler seja de que todas as formas de intercambio genérico, como o travestismo e os jogos de papeis entre as lésbicas, são atos revolucionários. Nesse enredado, não fica claro onde se encaixa a vulgar e verdadeira opressão das mulheres. Se um homem cruel maltrata a mulher com a qual vive, é porque ela adotou o gênero feminino em sua aparência externa? Ela solucionaria sua situação se durante um dia adotasse o gênero masculino, se aparecesse vestida com uma camisa social e sapatos de couro? Quando o gênero se converte em ideia ou em aparência, a opressão das mulheres efetivamente desaparece. Algumas teóricas feministas radicais ressaltaram que a ideia de gênero tende a ocultar as relações de poder do sistema de supremacia masculina. O conceito de gênero sempre foi bem aceito pelas feministas liberais e socialistas e, mais recentemente, também pelas pós-modernas.
        No passado, quando as teóricas feministas de qualquer ideologia política se referiam ao gênero, sempre o entendiam como algo que pode ser superado ou subtraído. Tanto as feministas heterossexuais como as lésbicas se sentiam insultadas quando eram chamadas de femininas ou masculinas. Consideravam-se – e muitas seguem se considerando – conscientemente contrárias ao gênero e não queriam nenhum trato com este, resistindo a representas qualquer um deles. Algumas escolheram a via da androginia; entretanto, as teóricas feministas radicais apontaram as limitações dessa aproximação. A ideia da androginia se apoia na perpetuação dos conceitos de masculino e feminino: é uma suposta combinação das características de ambos e, por consequência, os reifica antes de abandoná-los. Durante mais de vinte anos as feministas e feministas lésbicas trataram de rebater o gênero, se negando a atuar de acordo com suas regras; na atualidade, algumas pós-modernas tem qualificado esse projeto não apenas de malsucedido, como também inalcançável. Dentro da teoria feminista, Butler chama de movimento “pró-sexualidade” aquele que sustenta que a sexualidade “se constrói sempre em termos de discurso e poder, entendendo parcialmente o poder como certas convenções culturais heterossexuais e fálicas”. Corrobora com essa definição e afirma que é impossível construir uma sexualidade que esteja à margem dessas convenções: se a sexualidade é uma construção cultural dentro das relações de poder existentes, o postulado de uma sexualidade normativa “antes”, “às margens” ou “à revelia” do poder representa uma impossibilidade cultural e um sonho politicamente inviável, que atrasa a missão concreta e atual de repensar todas as possibilidades subversivas, para a sexualidade e para a identidade, dentro dos próprios termos do poder.
        O feminismo, na sua acepção habitual, tem sido considerado impossível. A teoria pós-moderna é utilizada para apoiar o projeto libertário sexual e, mais concretamente, o sadomasoquista.
        A maioria das feministas dos 70 e dos 80 lutou a favor da eliminação do gênero e da sexualidade falocentrica. Tratamos de criar algo novo e distinto. E agora descobrimos que perseguíamos algo impossível. Minhas jovens alunas lésbicas me dizem “não há dúvida de que o gênero está presente nas relações”. Não são conscientes de que com esse comentário ofensivo invalidam vinte anos de luta das feministas lésbicas contra essa situação. É quase tão frustrante como quando, recém iniciada no feminismo, os homens tentavam me ensinar sobre o caráter “natural” da feminilidade e da masculinidade. Os homens já não falam assim, agora o fazem as pós-modernas e os pós-modernos. Essas alunas assumem, em consequência de seu consumo de leituras teóricas pós-modernas, a impossibilidade de evadir do gênero. Segundo Derrida, não se pode escapar a uma oposição binária, somente dar maior peso à parte mais débil, provocando pressões e tensões.
        Quem pretende evitar o binário é tachada de essencialista. O termo “essencialista” adquiriu um significado totalmente distinto e é empregado para denotar as que conservam certa convicção na possibilidade de uma ação social para conseguir uma mudança social. Tempos atrás talvez soubéssemos o que era o essencialismo, uma vez que sinalava a convicção de que homens e mulheres eram separados por uma diferença natural e biológica. As feministas radicais, eternas missioneiras do construcionismo social, discrepavam dessa convicção, ainda que certas teóricas feministas de outras tendências finjam o contrario. A feminista pós-moderna Chris Weesdon insiste, nos seus escritos, na desconcertante afirmação de que as feministas radicais empenhadas em transformar a sexualidade masculina em interesse da liberação das mulheres são, na realidade, deterministas biológicas convencidas da impossibilidade de qualquer tipo de mudança. O que agora se denomina “essencialismo” é a convicção das lésbicas de poderem evitar o estereótipo de gênero, ou da possibilidade de praticar uma sexualidade que não se organiza em torno ao penis ou algum desequilíbrio de poder. O pós-modernismo chama essa convicção de essencialista por confiar na existência de uma essência incognoscível do lesbianismo. Todo o conhecido, o pensado, está baseado no gênero e no falocentrismo e o sistema só pode ser modificado através do desempenho de caminhos alternativos, mas dentro de seus próprios termos. Também puderam, talvez com mais razão, inverter o jogo, acusando de essencialistas aquelas que asseguram que as lésbicas não podem escapar do gênero ou do falocentrismo. Entretanto, queria evitar a invenção e o lançamento de novas versões essencialistas. Basta dizer que a ideia do caráter inevitável do gênero e do falocentrismo me parece uma visão brutalmente determinista e pessimista, que consegue eliminar o projeto feminista dos últimos vinte anos. Concorda com a tendência geral do pós-modernismo de considerar a militância política e a convicção na viabilidade de uma mudança política como uma atitude suspeitável, ridícula ou até mesmo vulgar.
Agora, atentemo-nos no que Butler entende como o potencial revolucionário do travestismo. A construção social do gênero é um velho principio fundamental do feminismo. Não obstante, da mesma maneira que outras descobertas feministas tradicionais e tremendamente manuseadas, parece novo e fascinante aos olhos das seguidoras do pós-modernismo. E, efetivamente, é possível que o seja para toda uma nova geração de mulheres jovens que não tiveram e não tem acesso à literatura feminista dos sessenta e dos setenta, uma vez que essa não aparece nas referencias bibliográficas dos seus cursos. Butler afirma que o potencial revolucionário do travestismo e dos jogos de papéis consiste na capacidade dessas práticas de ilustrarem a construção social do gênero, “descobrindo” que o gênero não possui nenhuma essência ou forma ideal, mas apenas um disfarce (drag) utilizado tanto por mulheres heterossexuais quanto por homens heterossexuais, tanto por lésbicas que “desempenham papéis” como por travestis gays sobre palcos.
O travestismo é uma forma trivial de se apropriar, teatralizar, usar e praticar os gêneros; toda divisão genérica supõe uma imitação e uma aproximação. Se isso está correto – e parece estar -, não existe nenhum gênero original ou primário que o travestismo imite, e sim o gênero é uma imitação para a qual não há original algum.
O gênero, entendido como gestos, ação e aparecencia, pode,  efetivamente, ser considerado um disfarce, travestismo ou, nas palavras da Butler, “representação” (performance). Ao seu modo de ver, a “representação” demonstra a ausência de um “sexo interno ou essência ou centro psíquico de gênero”. Como essa suposta estratégia revolucionaria pode traduzir-se em mudanças? Não fica totalmente claro.
Como, pois…, utilizar o gênero, em si mesmo uma invenção inevitável, para inventar o gênero em termos que denunciem toda pretensão de origem, de verdade ou real como nada mais que efeitos do disfarce, cujo potencial subversivo deve ser praticado uma e outra vez, para que assim possam converter o “sexo” do gênero no lugar de um jogo político pertinaz?
O público que assiste à função do travestismo de gênero deve se dar conta de que o gênero não é nem “real” e nem “verdadeiro”. Mas, depois de dar-se conta, o que mais devem fazer? Ao acabar a função do travestismo, as mulheres e os homens heterossexuais voltarão para casa correndo para desfazer-se do gênero e dizer aos seus cônjuges que não existem tais coisas como a masculinidade e a feminilidade? Não parece muito provável. Se o gênero fosse de fato apenas uma ideia, se a supremacia masculina se perpetuasse somente porque as luzinhas nas cabeças dos homens e das mulheres sobre o erro que é o gênero ainda não foram de todo acendidas, então a estratégia de Butler poderia ter algum tipo de êxito. No entanto, sua concepção da opressão das mulheres é liberal e idealista. A supremacia máscula não se perpetua somente pelo fato de que as pessoas não percebem a construção social do gênero ou por uma desgraçada equivocação que devemos de alguma maneira corrigir. Se perpetua porque serve aos interesses dos homens. Não há razão para que os homens tenham que abrir mao de todas as vantagens econômicas, sexuais e emocionais que lhes oferece o sistema de supremacia masculina, só para que possam vestir-se com saias. Do outro lado, a opressão das mulheres não só é constituída pela obrigação em maquiar-nos. A imagem de um homem com saia ou de uma mulher de gravata não basta para liberar uma mulher de sua relação heterossexual, enquanto o abandono da opressão pode causar-lhe sofrimento social, econômico e provavelmente até mesmo físico, e em algumas ocasiões a perda de sua vida.
Segundo as defensoras dos jogos de gênero, o potencial revolucionário reside não apenas na adoção de um gênero de aparência inadequado,  a saber, a feminilidade por parte de um homem ou a masculinidade por parte de uma mulher. Parece ser que também a representação do gênero previsto pode ser revolucionaria. Faz tempo que essa ideia tem estado presente na teoria gay masculina. Os gays que tem descrito o fenômeno do homem clónico vestido de coro dos 70 não fecharam acordo sobre o papel revolucionário desse fenômeno. Muitos teóricos gays mostraram seu incomodo, coisa bastante compreensível. Ao seu entender, o modelo viril dos gays traía os princípios da liberação gay, que tratava de destruir os estereótipos de gênero, considerando a masculinidade como um conceito opressivo para as mulheres. Outros autores ressaltaram o caráter revolucionário do tipo masculino gay pelo seu questionamento do estereotipo gay afeminado. Por outra parte, também sinalizaram que o potencial revolucionário do gay masculinizado pode permanecer invisível, uma vez que o espectador desatento não o reconhece como gay, mas o toma simplesmente por masculino. De que maneira deveria saber-lo? O argumento do caráter politicamente progressista da masculinidade utilizado pelos homens gays parece, por último, uma simples maneira de justificar algo que certos gays desejam ou que os atrai. A aprovação se inventa depois do fato, talvez porque alguns gays se deram conta do caráter retrogrado da pose masculina que adotavam para “se camuflarem”, se sentirem poderosos ou sexualmente atrativos. Necessitavam justificar-se.
O retorno ao gênero produzido na comunidade dos homens gays a partir de finais dos 70, em termos de um renovado entusiasmo pelos espetáculos de travestismo e por um novo estilo viril, aparece na comunidade lésbica muito mais tarde. Somente nos anos 80 começamos a observar um retorno ao gênero entre as lésbicas, com a reabilitação dos jogos de papéis e a aparição das lésbicas “de carmim”. As ideias das obras dos Mestres pós-modernos se mostraram sumamente convenientes porque constituíam uma justificativa intelectual e permitiam anular e ridicularizar, desde a academia, qualquer objeção feminista. Em Gender Trouble, Judith Butler demonstrou que a psicanálise de “antigamente”, representada por um trabalho de Joan Riviere de 1929, somado a algumas declarações de Lacan sobre a feminilidade como mascarada e paródia, podem ser utilizadas pelas novas teóricas lésbicas e gays procedentes dos estudos culturais em defesa da representação da feminilidade pelas lesbianas como uma estratégia política. Em outro lugar essa representação é chamada “mimetismo”, ainda que essa palavra não se adeque à análise de Butler, dado que sugere a existência de um original que é mimetizado e, de fato, ela não o utiliza. Carol-Anne Tyler explica a ideia do mimetismo da seguinte maneira, recorrendo a Luce Irigaray:
Segundo Irigaray, mimetizar significa “assumir o papel feminino de propósito (…) para fazer visível, através de um jogo de repetições, algo que deve permanecer invisível”. Representar o feminino significa “dizer-lo” com ironia, entre aspas… como hipérbole… ou como paródia (…). No mimetismo e também no campo, a ideologia se “faz” com a finalidade de se desfazer, e assim agregar novos conhecimentos: que o gênero e a orientação heterossexual que deve assegurar-lo são antinaturais e inclusive opressivos.
Entretanto, Tyler critica essa ideia. Afirma que se todo gênero é uma mascara, é impossível distinguir a paródia do “real”. O real não existe. Dessa maneira, o potencial revolucionário se perde.
A ideia do mimetismo esta presente no elogio que algumas criticas culturais fazem de Madonna. Afirmam que Madonna acaba com a ideia de rigidez e autenticidade do gênero, ao assumir a feminilidade como representação. O mimetismo requer a exageração do papel feminino assumido. Ao que parece, é assim que as espectadoras inexpertas devem reconhecer que estão diante de uma estratégia revolucionaria. O excesso de maquiagem ou da altura dos saltos indicaria que o gênero é entendido como representação. Cherry Smyth, nome conhecido da política queer, aponta em uma resenha sobre a obra da fotografa lésbica Della Grace que a indumentária feminina tradicional pode ter um efeito revolucionário:
Na realidade, parte da iconografia foi inspirada nas <trabalhadoras do sexo> e na moda pós-punk, o que confere uma autonomia violenta à elegância femme, e converte o fato de levar mini-saia e de exibir o corpo em um gesto conscientemente antiestético e intimidatório, antes que vulnerável e submisso.
        A encarnação por excelência desse estilo é, segundo Smyth, “a própria Madonna, provavelmente um dos exemplos mais famosos da transgressão queer”. As teóricas feministas que não são nem queer e nem pós-modernas tem grandes dificuldades para apreciar a transgressão da Madonna contra outra coisa que não seja o feminismo, o antirracismo e política progressista em geral. A teórica feminista estadunidense negra bell hooks aponta que Madonna não denuncia as regras da supremacia masculina branca, mas as acata e explora. Segundo hooks, as mulheres negras não podem interpretar o loiro dos cabelos de Madonna como uma “simples escolha estética”, mas que para elas  isso nasce da supremacia branca e do racismo. A autora entende que Madonna utiliza sua “condição de marginal” em Truth or Dare: In Bed With Madonna com o propósito de “colonizar e apropriar-se da experiência negra para seus próprios fins oportunistas, ainda que trate de disfarçar de afirmativas suas agressões racistas”. Aponta que, quando Madonna utiliza o tema da garota inocente que se atreve a ser má, “se apoia no mito sexual racista/sexista incessantemente reproduzido, segundo o qual as mulheres negras não são inocentes e nem chegariam a sê-lo, jamais”.
        Hooks começa seu artigo com uma citação de Susan Bordo que sinala que o “potencial desestabilizador” de um texto só pode ser medido em relação à “prática social real”. Se acatamos o “potencial desestabilizador” do mimetismo segundo essa perspectiva, descobrimos numerosos exemplos em nosso entorno – nos meios de transporte publico, nas festas do escritório, nos restaurantes – nos quais as mulheres adotam uma feminilidade exagerada. É difícil distinguir entre a feminilidade irreflexiva e corrente, e a sofisticada feminilidade como mascarada. Aqui também encontramos certo esnobismo. Mulheres que levam vestimentas muito parecidas são julgadas com critérios distintos, sendo elas antiquadas e ignorantes ou tendo cursado estudos culturais, lido Lacan e tomado a decisão deliberada e revolucionaria de colocar um body.
        Por que tanta agitação sobre esse tema? É difícil acreditar que as teóricas lésbicas pós-modernas realmente entendam o mimetismo e os jogos de papeis como uma estratégia revolucionaria. No entanto, a teoria permite que as mulheres que queiram usar o fetichismo do gênero para seus próprios fins, sejam eles de índole erótica ou simplesmente tradicional, o façam com um petulante sentido de superioridade política. Parece divertido jogar com o gênero e com toda a parafernália tradicional de domínio e submissão, poder e impotência, que o sistema de supremacia política cria. Se a maquiagem e os sapatos de salto agulha representavam dor, gastos, vulnerabilidade e falta de auto-estima para a geração de mulheres que se criaram na década dos 60, a nova geração de jovens nos informa que essas coisas são maravilhosas, uma vez que se tratam de escolhas. Essa nova geração se pergunta incrédula como podemos nos divertir sem depilarmos as sobrancelhas ou as pernas. Enquanto isso, a construção de gênero parece incontestada. Estamos diante do fenômeno da participação de certas lésbicas na tarefa de reforó da fachada da feminilidade. Houve um tempo em que as feministas lésbicas apareciam em público ou na televisão vestidas de uma maneira que escapava deliberadamente do modelo feminino, como uma estratégia de conscientização. Acreditávamos que, dessa forma, mostrávamos  às mulheres uma possível alternativa ao modelo feminino. Atualmente, todas as parodistas, mimetistas e artistas de performance nos dizem que o sistema da supremacia masculina sofrerá uma maior desestabilização se uma lésbica se vestir da mesma maneira que uma mulher heterossexual extremamente feminina. É difícil saber por que. As mais desestabilizadas são, muito provavelmente, as feministas e as lésbicas, que se sentem totalmente desarmadas e inclusive humilhadas por uma lésbica que demonstra e proclama que também quer ser feminina.
        Além do retorno ao gênero, há outro aspecto do enfoque pós-moderno dos estudos lésbicos-e-gays que não parece constituir uma estratégia revolucionaria realmente útil. Trata-se da incerteza radical em respeito às identidades lésbica e gay. Tanto os teóricos como as teóricas adotam uma postura de incerteza radical. Para os incipientes movimentos lésbico e gay dos 70, nomear e criar uma identidade eram princípios políticos fundamentais. Nomear tinha uma importância especial para as feministas lésbicas conscientes de como as mulheres desapareciam normalmente da historia, da academia e dos arquivos, ao perder seu nome quando se casavam.  Éramos conscientes da importância de fazermo-nos visíveis e de lutar por permanecer visíveis. A adoção e a promoção da palavra “lésbica” eram fundamentais, uma vez que estabeleciam uma identidade lésbica independente dos homens gays. Por conta disso, s feministas lésbicas do mundo ocidental intentavam preencher essa identidade de sentido. Estávamos construindo uma identidade política consciente. As feministas lésbicas sempre defenderam um enfoque construcionista social radical para o lesbianismo. Por meio de poemas, trabalhos teóricos, conferencias, coletivos próprios, bem como o trabalho político de cada uma, íamos construindo uma identidade lésbica que se propunha a vencer os estereótipos preconceituosos e predominantes e que devia formar a base para nosso trabalho político. Tratava-se de uma identidade historicamente especifica. A identidade lésbica que constroem as atuais libertarias sexuais e as teóricas da nação queer é radicalmente diferente. A identidade escolhida e construída deve ser correspondente às estratégias políticas que se querem empreender.
        A teóricas e os teóricos do pós-modernismo lésbico-e-gay também refutam o conceito de uma identidade temporalmente estável. Por trás desse empenho existem três questões políticas. A primeira é o medo do essencialismo. Não parece ser uma questão especialmente relevante para as feministas lésbicas, que são conscientes de que sua identidade lésbica é uma construção social deliberada e claramente intencional. Gera preocupação, entretanto, sobretudo aos teóricos gays, involucrados numa cultura gay muito mais arraigada na ideia de uma identidade essencial que a lésbica. A preocupação dos homens gays em relação ao essencialismo é derivada de uma especial atenção da teoria lésbica-e-gay a este tema. Segundo as palavras de Richard Dyer em Inside/Out, a “noção de homossexual”:
(…) parecia se aproximar demasiadamente às etiologias biológicas da homossexualidade que haviam sido utilizadas contra as relações entre pessoas do mesmo sexo e, ao exibir o modelo inexorável do nosso ser, nos privavam da prática política de decidir o que queríamos ser.
A outra questão política que se esconde por trás do empenho da incerteza radical, é a de evitar o etnocentrismo. Um conceito estável sobre a identidade de uma lésbica ou de um homem gay seria necessariamente o reflexo das ideias do grupo racial ou étnico dominante, e não prestaria atenção às consideráveis diferenças vivenciais e práticas das demais culturas.
Dyer aponta:
Os estudos que tratavam de estabelecer uma continuidade da identidade lésbica/gay, através de distintas épocas e culturas, impunham o conceito que temos atualmente na “nossa” sexualidade à diversidade e às diferenças radicais que existem, tanto em relação ao passado quanto em relação às “outras” culturas (não brancas, do terceiro mundo), ocultando as diferenças entre lésbicas e homens gays.
        Do movimento de liberação das mulheres e do feminismo lésbico surgiu uma considerável quantidade de trabalhos realizados por mulheres negras e pertencentes a minorias étnicas, que afirmam suas próprias identidades sem, por meio disso, desestabilizar radicalmente a ideia da existência lésbica. Lésbicas negras, judias, chicanas, asiáticas e indígenas realizaram esses trabalhos afirmando sua identidade lésbica. Essa identidade comum nasce da cultura urbana do ocidente e provavelmente não pode ser trasladada fora desse cenário. As lésbicas indígenas australianas, por exemplo, questionaram o valor que pode ter uma palavra derivada de certa ilha grega para sua própria identidade, afirmando que no amor entre mulheres em uma cultura indígena tradicional não há espaço para uma identidade lésbica urbana. Entretanto, as lésbicas políticas de maneira geral tem fincado o pé na importância de uma identidade reconhecível para a organização das lésbicas na cultura urbana ocidental. O fato de que essa identidade necessite de significado para a maioria dos povos indígenas ou para as pessoas não urbanas não lhe retira sua importância, como instrumento organizador, dentro do seu próprio contexto.
        Outro motivo para suspeitar da identidade lésbica ou gay se apoiava nas noções foucoultianas sobre “o exercício mesmo do poder através da regulação do desejo ao qual a política e a teoria lésbica/gay supostamente de opunham”. Segundo Dyer, se as categorias da homossexualidade foram idealizadas como ferramentas de controle social, devemos observar de que forma a nossa utilização dessas categorias pode contribuir para essa regulação. É útil e proveitoso que recordemos nossa obrigaçao de expressar tanto nossa pratica política quanto nossos pressupostos políticos – por exemplo, o fato de nos chamarmos lésbicas -, com o fim de comprovar que o nosso procedimento não se torne politicamente inútil ou prejudicial. Não obstante, se nos atemos ao uso que se faz nos escritos lésbicos da incerteza radical, nos questionaremos se a limpeza geral não foi longe demais. As autoras pós-modernas anunciam, com fervor, a importância da sua postura subjetiva, afirmando que não poderiam aspirar à universalidade ou à objetividade. As feministas lésbicas desenvolvem sua própria versão – à margem da teoria pós-moderna – nos boletins informativos dos oitenta, onde se encontram descrições da seguinte ordem: “ex-hétero, classe media, obesa obsessa, feminina, libra”, etc; entretanto, habitualmente estavam seguras de todos esses aspectos de sua identidade. Elizabeth Meese nos brinca um exemplo da versão pós-moderna da incerteza radical:
        Como é que a lésbica parece uma sombra – uma sombra de/dentro a mulher, de dentro a escritura? Uma forma contrastada em um teatro de sombras, algo amorfa, com as bordas difusas devido à inclinação do campo visual, da tela sobre a qual se projeta o espetáculo. O sujeito lésbico não é tudo o que sou e está em tudo o que sou. Uma sombra de mim mesma que da fé da minha presença. Não estou nunca de/fora esta lésbica.E sempre dando voltas, assim e assado, aqui e ali. As sombras, para não falar no corpo, compõem uma complexa coreografia na nossa luta por um significado.
        Os textos pós-modernos sobre os temas lésbicos começam com varias paginas desse tipo de reflexões introspectivas sobre a identidade lésbica da autora. Assim mesmo, as acadêmicas pós-modernas tentam empregar os vinte primeiros minutos de suas conferencias questionando sua própria postura subjetiva e deixando pouco espaço para o verdadeiro conteúdo da fala que o público espera com paciência. Possivelmente muitas leitoras lésbicas nunca tenham se sentido como uma sombra, ou complicadas em uma busca formidável por seu significado; não obstante, os textos das feministas pós-modernas estão repletos de balbucios desesperados sobre a dificuldade de falar ou de escrever. Há certa angustia de artista atormentada à qual não nos podemos permitir na nossa luta política habitual, se nos propomos simplesmente a expressar-nos com a maior frequência possível. O texto de Judith Butler em Inside/Out começa com uma angustiada introspecção sobre quem é ela ante uma solicitação de que desse uma conferencia como lésbica:
De principio, pensei em escrever um ensaio distinto, em um tom filosófico: o “ser” de ser homossexual. As perspectivas de ser algo, sobretudo em troca de dinheiro, sempre me causaram certa angustia, uma vez que “ser” lésbica parece ser mais profundo que o simples mandato de converter-me em algo que já sou. E dizer que isso é “uma parte” de mim não aplaca minha angustia. Escrever ou falar como lésbica aparece como um aspecto paradóxico desse eu, nem verdadeiro e nem falso. Trata-se de um produto, a resposta à petição de sair ou escrever em nome de uma identidade que atua em muitas ocasiões como um fantasma politicamente eficaz. Não me sinto confortável com as “teorias lésbicas”, “teorias gays”, uma vez que (…) as categorias de identidade se propõem a ser instrumentos de um regime regulador (…). Não quero, com isso, dizer que em atos políticos não voltarei a me apresentar pelo signo da lesbiana, mas gostaria de conservar uma permanente duvida sobre o significado exato desse signo.
        Um texto como esse parece preocupante, se analisado de uma perspectiva política. Na frase inicial, Butler emprega a palavra homossexual para referir-se a si mesma, algo que uma feminista lésbica não faria nunca. Para grande parte das lésbicas que se uniram à luta política nos 60, e que se negariam a ser incluídas junto aos homens gays em uma mesma categoria designada por uma única palavra, o vocábulo homossexual tem conotações especificamente masculinas ainda maiores que a palavra “gay”. O que indica que Butler pertence ao grupo das novas teóricas lésbicas-e-gays que optaram por abandonar uma política lésbica independente. Seu uso de certar palavras pode ajudar-nos a situá-la  dentro do panorama político, ainda que sua angustia ao perguntar-se onde se situa constitua um problema para a política lésbica e para a política gay. Não é emocionante ou interessante enfrentar as mostras de incerteza radical, ainda que isso não baste como critica. O que temos que perguntar e o que muitas feministas heterossexuais, autoras negras e lésbicas tem se perguntado é o seguinte: é politicamente útil pleitear tantas duvidas sobre a palavra lésbica ou sobre outras categorias políticas, como mulher ou negra, quando os grupos oprimidos que utilizam essas categorias de identidade estão apenas começando a abrir seu espaço na historia, na cultura e na academia?
        Com o questionamento das posturas subjetivas, os teóricos pós-modernos pretendiam obrigar os membros dos grupos dominantes a reconhecer sua parcialidade, para que as leituras pudessem reconhecer que determinados textos formavam parte de um sistema regulador. Tudo isso está bem; entretanto, não são precisamente os membros dos grupos dominantes que aproveitaram a ocasião para demonstrar sua incerteza radical, e não temos motivos para pensar que o farao. Não são os vice-reitores das universidades tradicionais que começam suas conferencias com vinte minutos de titubeios sobre suas posturas subjetivas e seu direito a dizer o que vão dizer. Tampouco são os acadêmicos homens, heterossexuais e brancos, quem majoritariamente aproveitam tal contexto. Ao que tudo indica, são sobretudo as mulheres, as lésbicas e os gays, assim como as minorias étnicas em geral que se sentem obrigados a mostrar sua incerteza radical. Enquanto os regimes reguladores conservam suas certezas, talvez a melhor forma política de combatê-los seja mantendo, nós também, algo de certeza sobre quem somos e o que estamos fazendo. Talvez a obrigaçao de exibir uma atitude de incerteza radical coincida simplesmente com a dificuldade habitual dos grupos oprimidos de se reafirmarem perante a máquina dominante, produtora de mitos. Só faz com que nos sintamos impotentes.
        Diana Fuss dedica um capítulo inteiro do seu livro Essentially Speaking à questão da política de identidade das lésbicas e dos gays. Ao seu modo de ser, as teóricas lésbicas estão mais comprometidas com a ideia de uma identidade essencialista que os gays.
A teoria lésbica atual está geralmente menos disposta a questionar ou abandonar a ideia de uma “identidade lésbica” junto com a política de identidade que deriva dessa essência comum. Por outro lado, os teóricos homens gays referendaram rapidamente a hipótese construcionista social que proclama Foucault, e vêm desenvolvendo análises mais escrupulosos referentes à construção histórica das sexualidades.
        Imagino que essa afirmação tenha gerado uma autentica surpresa para as leitoras feministas lésbicas, porque nossa experiência indica o contrário. Na minha trajetória enquanto docente, pude constatar que a ideia da homossexualidade masculina como uma construção social é mal aceita pela maior parte dos alunos. Por outro lado, não é esse o caso das lésbicas; no final das contas, muitas delas decidiram amar a outras mulheres por razoes políticas, mesmo tendo passado meia vida como esposas e mães e sem sequer imaginar a possibilidade de se sentirem atraídas por mulheres. Muitos poucos homens gays compartem essa experiência. Dificilmente dirão que sua preferência sexual tem motivos políticos e que é consequência de uma decisão consciente de renunciar às mulheres ou à heterossexualidade. Talvez Fuss queira dizer que as autoras lésbicas não promoveram a ideia da construção social, ainda que muitas lésbicas a tenham aceitado a nível vital. Mas essa afirmação tampouco parece razoável. Existe uma abundante bibliografia referente ao lesbianismo político e a ideia da heterossexualidade como instituição política sobre a qual se fundamente a opressão das mulheres. Entretanto, a exceção de algumas alusões a Adrienne Rich, Fuss se omite em relação a esses textos. Talvez não os conheça, ainda que grande parte ainda seja usada nos cursos de estudos das mulheres. Segundo Fuss, as lésbicas aderem ao essencialismo cm maior entusiasmo que os gays pelo fato das mulheres serem mais marginalizadas, pois assim criaríamos identidades que nos garantiriam maior seguridade. Quando, na realidade, deveria se questionar o contrário: por que os homens gays, com menos necessidade de uma identidade essencialista que lhes gerasse seguridade, aderem a essas ideias com maior tenacidade?
        De acordo com Fuss e outras teóricas lésbicas-e-gays pós-modernas, Foucault revelou para o mundo a construção social da sexualidade. E concretamente nos mostrou que as identidades sexuais se vivem de distintas maneiras em distintas épocas históricas. Fuss acredita que o fato de que existiram “escassos análises foucaultianos em torno da sexualidade lésbica, a diferença dos copiosos estudos sobre o sujeito gay masculino”, pode ser resultado de uma suposta maior necessidade das lésbicas de professar um essencialismo político. Uma afirmação verdadeiramente surpreendente. Além do equivoco de atribuir o essencialismo à teoria lésbica, há um problema mais: por que as lésbicas deveriam praticar análises foucaultianos? Por que, para descrever sua experiência, deveriam valer-se da obra de um gay que nunca teve em conta as mulheres, muito menos as lésbicas, e cujas “grandes descobertas” foram precedidas em anos pelo feminismo lésbico? Algumas feministas lésbicas – notavelmente Lillan Faderman – realizaram trabalhos magníficos sobre as formas cambiantes e a evolução do amor entre mulheres ao largo da historia. Não obstante, Fuss não menciona a Faderman.
        Como consegue ignorar o feminismo lésbico e pensar que as lésbicas não poderiam produzir um corpus teórico sem que se pugnem para que possam ajustar-se aos conceitos inapropriados de um homem gay? Deve ser porque Fuss não parte da teoria lésbica e nem do feminismo lésbico. Não compreende que a teoria gay masculina nunca poderá abarcar o lesbianismo por completo. Ao falar da importância das teorias construcionistas sociais sobre a identidade lésbica e gay, sugere que estas contribuiriam à teorização das diferenças existentes entre as lésbicas e os homens gays, se bem essas diferenças não lhe pareçam importantes:
(…) as teorias sociais nos permitem traçar uma importante distinção entre os homens gays e as lésbicas, dois grupos que as investigações sobre as minorias sexuais aglutinam ainda que, de fato, não se construam exatamente da mesma maneira.
        Poderíamos ir mais longe e dizer que as lésbicas e os gays se constroem, na realidade, de maneira radicalmente diferente; entretanto Fuss, com seu enfoque consequentemente lésbico-e-gay, opta por ser mais suave e cautelosa. Se levarmos em conta que as teóricas e os teóricos do pós-modernismo se consideram campeões da atenção à “diferença”, é interessante observar que em algumas ocasiões se mostram bastante tímidos na hora de constatar as diferenças politicamente construídas entre homens e mulheres. Fuss parte da teoria gay masculina e dos homens pós-modernos em geral. E, se por um lado não cita a Faderman, sua bibliografia lista dezenove títulos de Derrida.
        A obra desse filósofo parece ter comovido profundamente a algumas teóricas lésbicas e feministas no que se refere ao essencialismo. Fuss menciona seus “recentes esforços em reconstruir a essência”. Obviamente a palavra “essencialismo” não se emprega nesses escritos pós-modernos com um sentido tradicional. Muitas detratoras da teoria feminista radical a acusam – sem nem sequer possuírem provas – de ser essencialista no sentido tradicional do determinismo biológico. As ativistas anti-pornografia, por exemplo, são acusadas de sustentar que a sexualidade masculina e feminina não essencialmente diferentes. Mas Fuss não emprega a palavra no mesmo sentido. Igual que outras teóricas pós-modernas, tende a usá-la para denotar toda política que se apoie em algum conceito de identidade, construída ou não construída, assim como toda política que confia em certa afinidade entre as pessoas de uma determinada classe, sobre a qual é possível construir uma teoria ou uma ação política. Esse conceito de essencialismo se dirige contra qualquer sugestão ou tentativa de ação política, de maneira que algumas feministas e outras ativistas chegaram à conclusão de que a palavra é simplesmente uma maneira de vulgarizar a ação política. Possivelmente, os pós-modernos tenham cometido o verbicídio dessa palavra, que já não poderá ser utilizada de maneira produtiva.
        Os conflitos de teóricas como Butler e Fuss, com respeito aos conceitos de gênero e identidade, tem sua origem na obra de suas autoridades masculinas. Essas lésbicas não têm suas raízes teóricas dentro da política lésbica ou feminista, e se dedicam a construir uma política lésbica e gay unificada, apoiada na teoria gay masculina. Desaprovam a política feminista lésbica, se é que a mencionam – por não estar na altura de seus Mestres Pós-Modernos – e pugnam para encaixar a política lésbica nas teorias pós-modernas, sem solução de continuidade. Enquanto isso, as teóricas feministas lésbicas se vêm complicadas em uma estranha função de teatro de sombras, tratando de refutar a intrusão de uma teoria totalmente inapropriada ao cenário, sem conhecer suas origens. Poucas lemos os dezenove textos de Derrida e tampouco temos vontade de fazê-lo, ainda que sejamos obrigadas a responder às perguntas feitas por suas seguidoras. 
        Por minha parte, afirmo que as teóricas pós-modernas, por atrevidas que se imaginam, simplesmente aplicam uma camada de verniz intelectual sobre as velhas teorias do liberalismo e do individualismo. O caso da pornografia é um bom exemplo das consequências que o contato com a teoria pós-moderna pode exercer sobre as análises políticas. Kobena Mercer formava parte do Grupo de Gays Negros de Londres e, atualmente, ministra aulas de história da arte na Universidade da California; durante sua vinculação ao Grupo de Gays Negros, utilizava as contribuições das militantes feministas anti-pornografia para criticar a obra do fotógrafo gay branco estadunidense Robert Mapplethorpe. Grande parte do travalho de Mapplethorpe gira em torno de nus de homens negros. Segundo a interpretação de Mercer, a fotografia “Homem com traje de poliéster”, que mostra o perfil de um homem negro com o pênis seccionado ou “decapitado”, por assim dizer, perpetua o“estereotipo racista, segundo o qual o homem negro não é essencialmente mais que seu pênis”. Na opinião de Mercer, as fotografias perpetuavam o “fetichismo racial”, uma “idealização estética da diferença racial que simplesmente inverte o eixo binário do discurso colonial”. Mais tarde, nos dice Mercer, e por conta de seu contato com a teoria pós-estruturalista, descobriu as interpretações contraditórias da obra de Mapplethorpe. Sua posição atual na academia fez com que deixasse de sustentar posturas que poderiam ser consideradas “toscamente políticas”, graças às ideias de estudos culturais pós-modernos, se deu conta de que:
A multiplicidade de interpretações contraditórias sobre o valor da obra de Mapplethorpe aponta para o fato de que o texto não tem um significado único, singular e inequívoco, mas se presta a um sem fim de interpretações.
        Mercer decide que o argumento da “morte do autor” que esgrime a teoria pós-moderna converte em “incontestável” a pergunta de se os nus de homens negros de Mapplethorpe “reafirmam ou solapam os mitos racistas em torno à sexualidade dos negros”. Agora questiona sua própria postura subjetiva ao contemplar as fotografias, e se pergunta se sua “raiva se confundia com sentimentos de ciúme, rivalidade ou inveja”, sendo “a raiva e a inveja” consequência da sua “identificação tanto com o objeto quanto com o sujeito do olhar”. Esse tipo de crítica da cultura se apoia no indivíduo. Trata-se apenas de uma opinião, e as opiniões são muitas e variadas. “Uma grande parte depende do leitor e da leitora e da identidade social que eles aportam ao texto”. Mercer se converteu à incerteza radical e se desfaz em desculpas sobre sua postura anterior e claramente anti-racista, tal qual, como vimos nesse livro, fizeram muitas feministas com seu constrangedor feminismo do passado.
        Outro exemplo da perda do significado político que provoca o jargão pós-moderno é a sinopse de un ciclo de conferências chamado “As forças do desejo”, apresentado no prestigioso centro de Investigação de Humanidades da Universidade Nacional Australiana de Canberra em junho de 1993.
        Os principais temas foram a revisão da sexualidade sem a preponderância de um modelo maestro e a estruturação e reestruturação do desejo. Os conferencistas são convocados a abordar uma série de temas: as múltiplas sexualidades como práticas e estilos de vida, à margem dos modelos dominantes com sua ênfase na sexualidade – masoquismo, sadismo, perversões, heterossexualidades, sexualidades gays, a sexualidade como normativa e as possibilidades e os atos de resistência contra essas normas e sua transformação; o saber como parte integrante das práticas sexuais: a erótica de produção do saber, o desejo pelo saber; a interação entre sexualidade, saber, poder e violência.
        As leitoras lésbicas se perguntarão onde há espaço para sua própria análise. De fato, elas não são nem mencionadas. Parece que desapareceram dentro das “sexualidades gays”. Quantas dessas sexualidades existem? A lista das sexualidades múltiplas está encabeçada pelo masoquismo e o sadismo, e em nenhum lugar há referências a um modelo especificamente igualitário. A crítica feminista lésbica da heterossexualidade como instituição não parece ser bem recebida, já que nesse “modelo” só aparece como “heterossexualidades”, forma plural que desaconselha de alguma maneira uma análise dessa índole. Os “s” finais da forma plural aparecem em toda classe de contextos, coisa nada surpreendente em um enfoque pós-moderno, ansioso por abarcar todas as eventualidades com formas plurais, que acabam excluindo a lésbicas e feministas, junto com grande parte do que poderíamos chamar de uma análise política. Em nome da “diferença”, tudo foi homogeneizado. Sempre me pergunto como se decidem os singulares e plurais. Por exemplo: masoquismo, sadismo, desejo e poder aparecem em singular, mas todo o restante é plural. Não há dúvida de que aqui intervém uma determinada política, talvez até mesmo um “modelo maestro”. Desde meu lugar, suspeito que se trata da política sexual libertaria orientada às minorias sexuais a prática política dominante dos homens gays atuais. Talvez as “sexualidades gays” impliquem a inclusão da pedofilia, do transexualismo, etc., tudo isso equiparável ao lesbianismo – se é que este tem lugar. Não há nenhuma feminista radical ou revolucionária na lista de bolsistas ou conferencistas. No entanto, nela figura Gayle Rubin, defensora do sadomasoquismo lésbico e do transexualismo lésbico butch; Jeffrey Weeks, historiador gay foucaultiano; Carol Vance, uma destacada teórica libertária dos estudos lésbicos-e-gays; assim como Cindy Patton, que encontramos no capítulo 2 queixando-se do papel crucial que as feministas outorgam ao tema dos abusos sexuais. Deve ser difícil para as sadomasoquistas e habitantes das “margens sexuais”, como Rubin, manter sua imagem temerária quando recebem convites e ajudas econômicas procedentes dessas prestigiosas instituições.
        A teoria lésbica-e-gay pós-moderna faz com que aqueles que não querem outra coisa senão utilizar as ferramentas e a parafernália do sexismo e do racismo, se sintam não somente em seu direito, mas revolucionários. Os jogos de papéis lésbicos, o sadomasoquismo, a masculinidade do homem gay, o travestismo (drag), o mimetismo da Madonna, a utilização dos homens negros e da iconografia negra, os estereótipos sexuais racistas de Mapplethorpe: de tudo isso podem extrair o prazer e o proveito do sistema da supremacia masculina, no qual o sexo é e não poderá ser nada mais que desigualdade de poder. Então, desfrutar do status quo se denomina “paródia”, para que os intelectuais alarmados pela sua própria excitação possam senti-la tranquilamente. Às teóricas lésbicas-e-gays pós-modernas que não queiram conseguir seu prazer dessa maneira, as ideias da incerteza radical, da natureza utópica ou essencialista de todo projeto de mudança social, lhes proporcionam o suporte teórico de um liberalismo e de um individualismo cavalheiresco.
* Do livro A heresía lésbica
* falta colocar as notas